Gostaria de ter sempre a sinceridade de quem sente fome. Li essa frase num texto de Fabrício Carpinejar (“Fui o que ainda posso ser”). Fiquei a refletir. Do resto do texto não se aproveita muita coisa. Não, eu não queria ter a sinceridade de quem sente fome. Associamos a sinceridade à criança. Também não, eu não quero ser criança e, por conseqüência, ter a sua sinceridade. A sinceridade desnuda, expõe, torna vulnerável, infantiliza, desmistifica, vulgariza. Não que devamos ser mentirosos patológicos e contumazes. Mas a mentira, como a barriga saciada, é necessária para a “sobrevivência” no convívio com nossos pares. A sinceridade é o suicídio social.
Já tratei desse assunto num post A mentira, de 28 de março desse ano. Vivemos representando durante toda a vida. Somos atores no trabalho, em casa, no bar, no trato com os amigos. Do nosso desempenho dramatúrgico depende o nosso casamento, o nosso trabalho, as nossas amizades. Quer ser você mesmo? Autêntico? Isole-se! Só é possível ser sincero na solidão. Somente na solidão nos é permitido sermos nós mesmos. A vida em sociedade exige dissimulação, interpretação, atuação dramatúrgica, escamoteação, camuflagem, maquiagem. Vivemos numa permanente concorrência pra sabermos quem simula melhor. Quem conseguir, se sobressai aos demais.
É hipocrisia falar que devemos ser sinceros sempre. Mentimos para as nossas crianças ao ensinarmos a elas que não devemos mentir. Nem com elas conseguimos ser sinceros. Para a sorte delas, esquecem essa lição. E passam a nos imitar. O sincero é chato. Já imaginou após aquela pergunta despretensiosa “como vai? Tudo bem?” o sujeito passasse a desfiar o seu rosário de problemas? Mudo de calçada. Evito-as. Não me interessa os problemas alheios. A vida não é o que parece ser. Nossos rostos estão cobertos com uma máscara para cada ocasião. Tudo começa quando somos obrigados a nos vestir.
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