sexta-feira, 29 de março de 2013

Charge: Marco Feliciano


quarta-feira, 27 de março de 2013

O sol é para todos – Harper Lee


Tem livros que provoca no leitor a sensação de que, enquanto ler ouve uma música, ou um tipo de música. Para provocar essa sensação, o livro tem que ser muito bom. No caso de O sol é para todos, da norte-americana Harper Lee, a sensação que tive foi de que ouvia um jazz enquanto o lia. O sol é para todos é o único livro de Harper Lee. E nem precisava ter escrito mais nada! Harper Lee não escreveu apenas um livro, escreveu um panfleto contra o racismo, uma elegia à igualdade, uma ode à honestidade e à democracia.
A narradora é uma menina, Scout, filha do advogado Aticcus e irmã de Jem. A família tem uma empregada chamada Calpurnia e vive na cidade de Maycomb, no sul dos estados Unidos nos anos 30. Tom Robinson, um rapaz negro, é injustamente acusado de estupro e cabe a Aticcus defende-lo. A represália dos brancos da cidade à família do advogado não tarda. E é aí que reside a beleza do texto de Lee: a incompreensão da pequena Scout, que não entende como pessoas tão boas no dia-a-dia se tornam tão más somente por que seu pai quer salvar um negro da cadeira elétrica.
O sol é para todos não deixa de ser um livro antirracista, mas a mensagem principal é a aprendizagem das crianças a partir da conduta dos mais velhos. Apesar de um tema tão pesado (o racismo), o texto não perde sua leveza e a descrição do ritmo de vida na pequena Maycomb é fascinante. Um livro para ser lido por advogados. Um livro para ser lido por humanistas. Um livro para ser lido por todos...

segunda-feira, 25 de março de 2013

Cinema nacional: A casa de Alice


Não sou muito fã de cinema, mas se tiver que assistir que seja, não necessariamente, mas de preferência, nacional. Não por chauvinismo, mas por acreditar que o filme nacional está mais próximo da nossa realidade, sem espetáculos de tiros nem perseguições mirabolantes. No sábado a noite assisti A casa de Alice (2007), do carioca Chico Teixeira, seu primeiro longa de ficção, já que é mais conhecido como documentarista. O filme é um retorno do diretor ao ambiente familiar, tema já abordado por ele no documentário Carrego comigo, sobre irmãos gêmeos.
O núcleo do filme é o ambiente familiar de Alice (Carla Ribas), composto por ela, seu marido, Lindomar (Zé Carlos Machado), seus três filhos e sua mãe (Berta Zemel). Num ambiente de classe média baixa, com orçamento apertado e afeto quase escasso, todos os personagens guardam seus segredos que aos poucos vão se revelando. No caso de Lindomar, meninas bem jovens. No caso de Alice, um antigo amor, Nilson (Luciano Quirino), que agora aparece casado com uma cliente de suas clientes.
Os filhos do casal, todos dependentes economicamente, também escondem seus segredos. O mais velho, Lucas (Vinícius Zinn), é militar, machista, mas ganha uma renda extra tendo pequenos casos com homossexuais. Edinho (Ricardo Vilaça) comete pequenos furtos na carteira da avó. Júnior (Felipe Massuia), o mais novo e mimado, está começando sua vida sexual. Uma crônica da classe média baixa, que não morre de fome, mas também não tem direito a sonhos. 

sexta-feira, 22 de março de 2013

Philip Roth – 80 anos


Na última terça, Philip Roth, o maior escritor americano vivo, completou 80 anos. Para comemorar a data, foi lançado o documentário Philip Roth: Unmasked, dirigido por Lívia Manera e Willian Karel e fruto de 15 horas de entrevistas, feitas entre 2010 e 2012, com amigos de infância, celebridades e escritores como Jonathan Franzen e Nicole Krauss. É de se estranhar que o escritor, que sempre teve um comportamento reservado e evitou os holofotes, tenha concordado com a produção do documentário. Mas, segundo ele, é melhor fazer agora enquanto está vivo, pois assim pode exercer certo controle sobre sua história.
O escritor vivo que mais prêmios literários ganhou, mas ignorado pelo Nobel, Roth escreveu mais de 30 livros, a maioria com temática relacionada ao judaísmo. Mas o seu mérito está em usar essa temática para se aprofundar em temas universais. É o caso de Fantasma sai de cena, onde conta a história de um velho escritor judeu que retoma o desejo sexual depois de anos de isolamento, quando fugiu da cidade após os atentados de 11 de setembro de 2001. Ou em Complexo de Portnoy, quando Roth usa um personagem judeu para falar dos tormentos a que qualquer homem moderno está exposto, como as pesadas expectativas sociais e morais, passando pela questão sexual.     
 “Eu não adoro me ver descrito como um escritor judeu-americano. Eu não escrevo em judaico. Eu escrevo em americano”, afirma Roth no documentário. Sou fã confesso de Roth e lamentei profundamente quando ele anunciou sua aposentadoria no ano passado. Não li todos os seus livros, mas tenho essa intenção e já os coloco (os lidos e os ainda por ler) na estante dos clássicos. No aniversário de Roth, quem está de parabéns é o leitor que descobriu a sua genialidade. 

quarta-feira, 20 de março de 2013

O Palácio de Inverno – John Boyne


O Irlandês John Boyne é o autor dos excelentes O menino do pijama listrado e O garoto no convés. Em O Palácio de Inverno ele não faz por menos. O livro é magnífico! Não é apenas um livro com uma boa história que mistura ficção e realidade. É um livro que emociona. São duas histórias, com dois tempos que são conduzidos magistralmente pelo autor ao encontro um do outro.
O livro são as reminiscências de Géorgui Danielovich Jachmenev, um senhor russo de 81 anos que vive na Inglaterra e que acompanha os últimos instantes de vida de Zoia, sua esposa e seu grande e único amor. Ao mesmo tempo em que conta os anos recentes ao lado de Zoia, Géorgui relembra os anos em que vivia na aldeia miserável de Cáchin e como chegou à corte russa do Czar Nicolau II por mero acaso.
O curioso é a forma como Boyne conduz a trama. Enquanto as lembranças do protagonista caminham em direção ao futuro, os dias de Inglaterra sofrem um retrocesso de modo que o Géorgui jovem se funde com o velho e os segredos são revelados. Um livro que engana. Quando o leitor pensa que ele está falando de eventos históricos, na realidade Boyne está falando do tema principal de livro: o amor. Um livro pra ler e reler...   

segunda-feira, 18 de março de 2013

sexta-feira, 15 de março de 2013

Entrevista: Alan Pauls


Nascido em 1959, na capital da Argentina, Alan Pauls foi professor de Teoria Literária na Universidade de Buenos Aires (UBA) e fundador da revista ‘Lecturas Críticas’. É também roteirista e crítico de cinema. No Brasil, já foram publicados seus livros ‘Wasabi’, História do cabelo’, ‘História do pranto’ e ‘O Passado’, este adaptado para o cinema por Hector Babenco. Nesta entrevista, Pauls fala sobre os escritores com quem dialoga, sobre os problemas da adaptação e sobre a presença constante da pornografia em suas narrativas.
- Li em algum lugar que a relação que uma pessoa tem com o mar é a mesma que ela tem com a vida. Como um “devoto da praia”, você concorda?
ALAN PAULS: Se for mesmo assim, a minha relação com a vida é pouco vital, bastante preguiçosa e letárgica, cem por cento oblomoviana, citando o grande herói do romance de Goncharov, ídolo de todos os vagabundos do mundo. Não gosto muito de nadar, nem de desafiar o mar, nem de praticar esportes náuticos. Tenho muita dificuldade em ajustar a máscara de mergulho e fico péssimo com pés de pato. Gosto apenas de entrar no mar e me deixar maltratar pelas ondas, quando há ondas, ou ficar boiando por alguns minutos como uma morsa adormecida, quando não há ondas, depois sair e retomar meu livrinho no trecho apaixonante interrompido pelo calor.
- Em ‘A Vida Descalço’, como em outros livros seus, o narrador evoca sua infância. O que torna a infância tão sedutora? Quais são os laços entre a meninice e a vocação literária?
PAULS: Não é a infância que me seduz, e sim a relação que temos com ela. Como a idealizamos, corrigimos, exageramos, deformamos. Como confiamos nela, como ela nos enternece, como a detestamos. Como identificamos nela a causa última de nossa miséria atual, como a fazemos responsável por tudo, como a usamos para nos escondermos ou nos justificarmos, nos eximirmos de culpa. Sempre me intrigou muito esse fetichismo desmedido da infância. Eu me pergunto se isso não tem a ver com o estranho e perverso prazer de olharmos o mundo na condição de vítimas.
- Você já disse que a praia não combina muito com a tradição intelectual, mas nesse livro a praia aparece como um lugar de introspecção, de descoberta da vocação, da identidade, dos desejos… Não é uma contradição?
PAULS: Não. A praia pode ser um cenário de imaginação, mas é completamente refratária à imagem clássica do intelectual, a sua figura, seus rituais de trabalho, suas ferramentas, inclusive sua palidez proverbial, como a dos anarquistas russos. Podemos imaginar Kerouac na praia, mas não Sartre com seu cachimbo, nem Althusser com os três volumes de “O Capital” debaixo do braço.
- “A praia é como uma grande tela, na qual se pode projetar todo tipo de imagens e histórias audiovisuais”. Fale sobre a relação entre o mar e o cinema, entre as imagens e as palavras na sua literatura.
PAULS: Gosto muito da forma como Godard filma o mar. Em muitos de seus filmes há planos de ondas que se quebram, ou da água brilhando como um metal. Aparecem de improviso, cortando outras imagens e ações, como flashes de uma ordem eminentemente musical, gráfica, abstrata. De resto, na minha literatura a imagem não tem o menor papel. Quando escrevo não vejo. Melhor ainda: escrever é não ver.
- Fale sobre as fotografias que ilustram o livro.
PAULS: São fotos minhas, de infância. Mas não sou eu, ou não mais eu, em todo caso. Meu pai as tirou, o último fundamentalista da praia e do bronzeador solar, e da mania de tirar fotos sob o sol do meio-dia que tive a honra de conhecer. Gosto que não sejam boas fotos, que o foco vacile, que nada seja demasiado nítido. Gosto de seu “conceitualismo”: um sujeito infantil e, á sua volta, o deserto. Esse grau zero da situação é a praia.
- A leitura de Julio Cortázar marcou suas férias de infância. Qual foi a importância desse escritor na sua vida e na literatura argentina? Com que outros escritores argentinos você mais dialoga?
PAULS: Como muitos, eu comecei a escrever lendo Cortázar – e a escrever com gerúndios, como ele Como quase todos, deixei de ler seus livros assim que me dei conta de que queria escrever seriamente, isto é, assim que deixei de ser um adolescente, alguém que confundia escrever com ser especial. Mais que um escritor, Cortázar acabou sendo uma espécie de promotor literário, como um tio vagamente juvenilista que alenta e estimula com ênfase, exagerando um pouco, ali onde outros, mais geniais mas menos cool, se mantêm em silêncio, ou esperam, ou murmuram coisas incompreensíveis. Borges, naturalmente, é o gênio absoluto, aquele que pensou tudo – inclusive seus inimigos, inclusive toda aquela literatura que não tem nada a ver com a sua. Roberto Arlt é um monstro, um escritor único, um original total. Mas hoje, se dialogo com alguém, dialogo com um morto: Manuel Puig, o Borges queer.
- O fato de ter sido professor de Teoria Literária ajuda ou atrapalha o seu processo criativo? A carreira acadêmica pode aniquilar uma vocação literária?
PAULS: Eu não recomendaria entrar para a academia a ninguém que quisesse escrever, mas detesto a ideia de que refletir sobre a literatura – que é o que se supõe que alguém vai fazer quando estuda letras – impede de escrever. É uma ideia antiga, vulgar, covarde. Nem sequer é uma ideia, é o reflexo condicionado dos indigentes que confundem escrever com “contar histórias”.
- Você escreveu o roteiro para um filme sobre a passagem de Marcel Duchamp por Buenos Aires em 1918. Fale sobre esse projeto.
PAULS: É um documentário conjectural, que especula sobre os nove misteriosos meses que Duchamp passou em Buenos Aires, quando em Buenos Aires só era frequentada por prófugos, anarquistas, por aqueles que queriam desaparecer da face da Terra. Ele veio com sua namorada e com uma marchande americana que estava de olho nele.  Enquanto ele esteve em Buenos Aires, manifestações de operários ganhavam as ruas e eram massacradas pela polícia, mas ele nunca disse uma palavra sobre isso. Gostou muito da manteiga argentina. Yvonne, a namorada, só ficou poucos meses, farta de ser confundida com uma prostituta pelos homens, quando caminhava sozinha pelas ruas. O episódio é citado pela notável memoir que escreveu a marchande sobre a condição da mulher nesse remoto rincão do planeta. Sozinho, Duchamp se dedicou às únicas atividades que podiam rivalizar com a arte: respirar e jogar xadrez.
- Sendo também um roteirista, que questões te atraem numa adaptação? Que relação você estabelece entre a literatura e o cinema? O que achou da adaptação de seu livro “O Passado” dirigida por Hector Babenco?
PAULS: O cinema e a literatura só me dizem algo quando soltam faíscas, quando se traem, se contradizem ou se esquecem mutuamente. Eles me aborrecem quando se respeitam, são fiéis, se obedecem. Eu teria gostado se a versão de Babenco fosse mais pessoal, que se desentendesse mais do romance, que não estivesse tão atenta ao argumento do livro, porque definitivamente, o argumento era o que o livro tinha de menos interessante. Mesmo assim, há algo no tom farsesco-aterrorizante no filme de que gosto muito. Achei o filme bastante “polanskiano”. O problema era que eu não podia dizer a Babenco que seu filme era muito polanskiano. Até que um dia eu lhe disse que gostava do tom do filme, e ele me disse: “Sim, pensei muito em ‘O bebê de Rosemary’”.
- Há sempre um componente pornográfico nas cenas eróticas de seus livros, como no episódio da garrafa em ‘O Passado’. O que pensa da pornografia na literatura?
PAULS: No combate entre o erotismo e a pornografia, meu coração sempre fica do lado da pornografia. O sexo é sempre pornografia. Não pelas porcarias que fazemos quando o praticamos, mas porque sempre o praticamos com alguém que está nos olhando. Os escritores que fizeram algo interessante com a sexualidade – de Sade a Henry Miller, de Petrônio a Georges Bataille – foram sempre sensíveis ao registro seco e brutal do pornô. Os véus, os claro-escuros, toda essa elegância rançosa do erotismo nunca tiveram nada a ver com a arte. É pura publicidade.
- Em ‘A Vida descalço’ existe uma tensão permanente entre o vivido e o inventado. O registro autobiográfico, o uso da primeira pessoa, joga com as convenções do romance confessional e da literatura de formação, diluindo as fronteiras entre os gêneros… Por quê?
PAULS: Porque uma autobiografia não diz a verdade, não confessa nem recorda nada. Ela fabrica um mito. E todo mito nasce dessa vacilação entre os gêneros.
* Extraído do Blog Máquina de escrever, do jornalista Luciano Trigo

quarta-feira, 13 de março de 2013

Complexo de Portnoy – Philip Roth


Lançado em 1969, Complexo de Portnoy é o quarto livro de Philip Roth e tem duas características marcantes: o linguajar pesado e um refinado senso de humor. Dos livros de Roth que já li esse é, de longe, o que tem o personagem mais visceral, desconcertante até. Alexander Portnoy é um bem sucedido advogado de 33 anos, funcionário importante da prefeitura de Nova York que conta em suas sessões de psicanálise as memórias que o incomodam. E não são poucas...
Portnoy vive tentando se desligar dos pais super protetores e para isso assume uma postura que os desagrada, como não casar, viajar sem avisá-los, não ligar coma frequência que eles gostariam. Desde criança, sempre podado pelos pais, buscava sua liberdade através da masturbação que vinha acompanhada da culpa. E quanto mais se sentia culpado, mais se masturbava. Na vida adulta, se envolve com várias mulheres. As que eram intelectualmente dotadas, não o satisfaziam na cama. As que o satisfaziam na cama, ele não conseguia compartilhar intelectualmente nenhuma experiência significativa.
Em busca de uma solução para os seus problemas, viaja para Israel, a terra natal do seu povo. Lá conhece uma mulher que ele imagina que pode ser a esposa judia tão sonhada pelos pais. Mas se descobre impotente. Na terra dos seus ancestrais, a ereção se torna impossível. Complexo de Portnoy jogou Roth na categoria dos clássicos.   Se o livro choca quem o ler hoje, imagine quando foi lançado em 1969. Imperdível!

segunda-feira, 11 de março de 2013

Ilustração: Igreja

Ilustração para artigo de Leonardo Boff para A Gazeta

sexta-feira, 8 de março de 2013

Entrevista: John Banville


John Banville nasceu na Irlanda em 1945 e é considerado pela crítica como um estilista da língua inglesa. Seu primeiro livro foi publicado em 1971 e começou e escrever romances policiais com o pseudônimo Benjamim Black em 2006. O curioso é que com nas obras em que usa o seu nome verdadeiro é um obcecado pela frase perfeita, mas não vende tanto assim. Como Black, escreve sem nenhuma ambição e lidera a lista dos mais vendidos. Confirmado na Flip 2013, concedeu um entrevista por e-mail ao blog A biblioteca da Raquel, da jornalista Raquel Cozer, que você lê abaixo:   
***
Em vez de centrar a história no ponto de vista de Quirke, o protagonista, “O Cisne de Prata” alterna capítulos na voz dele com as de outras personagens, incluindo a vítima. O resultado é que os leitores acabam sabendo muito mais do que o personagem que investiga a história. Por que optou por esse formato?
Acho romances policiais fascinantes do ponto de vista técnico. Nesse livro, foi interessante alargar a perspectiva e trazer, embora obliquamente, as vozes, ou ao menos as sensibilidades, de outros personagens. E com isso fazer Quirke desconhecer detalhes que outros personagens, e os leitores, sabem. Mas, enfim, Quirke geralmente progride por meio da ignorância dos fatos. O que admiro nele como protagonista é que ele não é um superdetetive. Se você quer o oposto de Sherlock Holmes ou Hercule Poirot, esse é Quirke. Ele é um pouco estúpido, como o resto de nós-humanos, em outras palavras.
O próprio Quirke é diferente de um protagonista que poderíamos esperar em um policial. Ele é um patologista que, em “O Cisne de Prata”, mente para a Justiça no único momento em que poderia ajudar na investigação. Como pensou esse personagem?
Quirke é movido pela curiosidade. Talvez eu esteja caindo num freudianismo barato, mas acho que o fato de ele mesmo não ter um passado do qual se lembre completamente o compele a mergulhar nas vidas de outras pessoas, a querer descobrir segredos alheios. Quando ele olha para trás, para anos anteriores de sua vida, há apenas um branco, e isso é algo que o atormenta. Então, quando encontra um “branco” que é um crime não resolvido, não resiste a investigar.
Assim como em “O Cisne de Prata”, que retoma o protagonista de “O Pecado de Christine”, em ”Luz Antiga”, que também sairá neste ano no Brasil [pela Globo, em junho], você recupera um protagonista de romances anteriores. Esse é um procedimento comum em romances policiais, mas nem tanto fora da ficção de gênero. Por que voltar a personagens interessa ao sr.?
De fato não sei dizer por que retornei à história de Alex Cleave e de sua trágica filha Cass. Depois que leu “Eclipse” [inédito no Brasil], em que esses personagens aparecem, meu amigo Rodrigo Fresan [escritor argentino] me implorou para escrever um “livro de Cass”. “Luz Antiga” não é esse livro, mas revisita Alex e sua mulher, Lydia, dez anos depois da morte da filha. Devo ter achado que havia algo a resolver com Alex, Cass e o mistério da morte de Cass que continuava atormentando seus pais. É claro, Alex desconhece a conexão de Cass com Axel Vander, o crítico literário que Alex, que é ator, está prestes a interpretar num filme. Isso adicionou algum frisson para mim, como também, eu espero, para leitores familiares com “Eclipse”.
Quirke é atormentando pelo passado e pelo senso de perda, assim como Alex em ”Luz Antiga”. O quão diferente é escrever sobre esse tema como Banville e como Black?
Bom, Quirke é atormentado de uma maneira diferente. O passado dele é um lugar terrível e escuro, uma espécie de Inferno anterior à morte. Para Alex, o passado é um mundo iluminado, que parece mais vívido para ele do que o mundo presente em que ele vive. Sempre me fascinou a percepção de que o passado sempre nos parece mais intenso que o presente.  Por que deveria ser assim? Afinal, o passado foi presente um dia, e tão normal e chato quanto opresente presente. A resposta, eu suspeito, é que como temos de viver o presente, não conseguimos vê-lo com clareza e, consequentemente, não o valorizamos. Apenas quando ele vira passado vemos como era extraordinário. Essa é uma tragédia de nossas vidas, que nós –a maior parte de nós– não conseguimos valorizar o que temos até que isso se perca.
Como Georges Simenon influenciou sua “conversão” em Black?
Nunca tinha lido Simenon [romancista belga, autor da série do inspetor Maigret] até um amigo, o filósofo inglês John Gray, me encorajar a ler o que Simenon definia como seus “romances psicológicos”. Quando li fiquei deslumbrado. Esses livros, entre os quais estão “Dirty Snow”, “Monsieur Monde Vanishes” e “The Strangers in the House”, para ficar apenas em três, são para mim tão bons quanto qualquer coisa escrita no século 20, superiores aos trabalhos de Sartre ou Camus, por exemplo: Simenon é o verdadeiro romancista existencialista. Ocorreu a mim que deveria tentar escrever algo similar, usando um estilo simples e direto, um vocabulário restrito, e nenhum dos ornamentos “literários” que Banville usaria. Então Benjamin Black nasceu.
O verbete dedicado ao sr. na Wikipedia informa que o sr. chama romances policiais de “ficção barata”, mas com o aviso de que falta a fonte dessa informação. Essa é mesmo uma opinião sua?
Wikipedia! Sempre informando tudo ligeiramente errado. Escrevi em algum lugar, como ironia, que quando me tornei Benjamin Black descobri em mim uma capacidade para a “ficção barata”. Não era para ser levado a sério. É claro que existe muita ficção policial barata por aí, mas até aí também há muita ficção literária barata. O trabalho de Raymond Chandler, Dashiell Hammett, Richard Stark, James M. Cain –se isso é barato, então me mostre o que é caro.
O sr. costuma dizer que escrever como Banville é muito mais trabalhoso que escrever como Black. Incomoda saber que Black interessa mais aos leitores?
Acho que eu me incomodaria se Banville vendesse mais do que Black. Black trabalha num gênero popular, e, por consequência, suas vendas são melhores. É simples assim.
O sr. tem publicado mais como Black do que como Banville –o placar desde 2006 está em sete a dois. É uma experiência mais satisfatória a de escrever sem se preocupar tanto com a estrutura?
Talvez não mais satisfatório, mas diferente. Eu gosto do trabalho que os livros de Benjamin Black envolvem e tenho orgulho desses livros, como um artesão teria orgulho de um trabalho bem feito. Black não exige tanto de si mesmo como Banville, o que é uma outra maneira de dizer que Black não é um artista nem tem essa ambição.
Como é ver seu trabalho adaptado para a televisão [as histórias de Quirke foram adaptados no Reino Unido?
Sou muito interessado em cinema e TV. Escrevi alguns roteiros, sempre gostei disso. E o primeiro livro de Benjamin Black, “O Pecado de Christine”, começou como um roteiro de TV. Uns dez anos atrás foi convidado a escrever uma minissérie de TV, ambientada nos anos 50. Escrevi três roteiros de três horas de duração cada um. Quando ficou claro que eles não seriam filmados, tive a ideia de transformá-los em romance. E foi o que eu fiz.
O sr. já esteve no Brasil?
Sim, passei uma semana ou duas em São Paulo alguns anos atrás e visitei Paraty muito rapidamente no caminho para casa. Estou ansioso por ficar mais tempo desta vez.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Fantasma sai de cena – Philip Roth


Em Fantasma sai de cena, Philip Roth retorna a Diário de uma ilusão. O jovem e promissor escritor Nathan Zuckerman agora é um velho escritor de 71 anos, alquebrado e doente. Depois de 11 anos isolado nas montanhas Zuckerman à Nova York. Era para ser uma viagem rápida para tratar de uma incontinência urinária, consequência de uma cirurgia de próstata, mas Zuckerman cruza com três pessoas que o tiram da proteção das montanhas, para onde se retirou após sofrer ameaças de morte, e o colocam diante de sensações que ele julgava que não voltaria a sentir.
A primeira dessas pessoas é a jovem escritora Jamie que, junto com o marido, planeja trocar de casa com Zuckerman por temer a ameaça terrorista pós 11 de setembro. Jamie desperta em Zuckerman os desejos do corpo que ele imaginava a muito adormecido. A segunda pessoa é Amy Bellette, que ele vira apenas uma vez, aos 23 anos, na casa do seu mentor e amante de amy, Lonoff. Longe de ser aquela moça linda e inteligente do passado, Amy está velha e doente. A velhice é um tema recorrente nessa obra, onde Zuckerman, uma escritor que não conhece celular, internet e computador, e Amy, que não consegue se desprender do seu passado ao lado do seu amante, destilam suas amarguras.
A terceira pessoa é Kliman, o jovem e ambicioso escritor que quer aproveitar a admiração de Zuckerman por Lonoff para usar suas memórias e escrever uma biografia sobre o escritor morte trinta anos antes e esquecido pelo mercado editorial. Kliman encarna, aos olhos envelhecidos de Zuckerman, o que a juventude tem de mais detestável. Roth usa a eleição de Bush, em 2004, como pano de funda para estabelecer o paradoxo entre os desejos do corpo e as limitações impostas pela velhice. Um romance memorável...  

segunda-feira, 4 de março de 2013

O mundo é gay


Um acordo de lideranças estabeleceu que a presidência da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados ficará com o Partido Social Cristão (PSC). Até aí nada de mais. Apesar do líder do partido na Câmara afirmar que existem quatro nomes para assumir o cargo, o deputado Marco Feliciano (SP) disse que o escolhido era ele. Aí começam os problemas. O problema da indicação do deputado-pastor para esse colegiado é que é ali que o movimento LGBT tem trabalhado para alcançar seus direitos civis. O deputado Feliciano é pastor evangélico e propenso a declarações polêmicas e inoportunas, uma delas de que a Comissão dos Direito Humanos da Câmara seria um espaço de defesa dos “privilégios” de gays, lésbicas e transexuais.
E olhe que essa declaração é a menos polêmica, mesmo por que o deputado tem o direito de achar que acesso à dignidade humana é privilégio. Escandaloso é quando ele se refere aos africanos, sobre quem afirmou que “descendem de um ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato.” Por isso o continente é devastado pela fome, por pestes e doenças, segundo o deputado-pastor-filósofo. O problema da África, para ele, é espiritual, “se vence com oração”. Continuando em suas divagações, Feliciano diz que herdamos o gene africano, por isso alguns lugares no Brasil “são tão pesados”.
O deputado se refere ao sentimento entre duas pessoas do mesmo sexo como “podridão dos sentimentos” que levam “ao ódio, ao crime e a rejeição.” Apesar disso, não creio que a sua indicação para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara vá interferir de alguma forma no avanço das conquistas do movimento LGBT. Essas conquistas tem caráter inexorável e irreversível e é uma tendência do mundo minimamente civilizado, onde não estão incluídos o mundo islâmico e a mentalidade religiosa de alguns indivíduos. Entre outras conquistas, desde o dia 1º de março, pessoas do mesmo podem casar nos cartórios do estado de São Paulo sem precisar recorrer a justiça.
Comparo essa luta do movimento LGBT à Lei do Afonso Arinos, que instituiu o divórcio no Brasil, em 1977. Setores conservadores da sociedade vaticinaram que era o fim da família brasileira. Quase quatro décadas depois, a família brasileira não acabou apenas mudou de cara. O mesmo argumento é usado hoje para impedir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Com a legalização da união homoafetiva, a família brasileira não acabará, apenas mais uma vez mudará de cara. Tanto a Lei do Divórcio como a legalização da união homoafetiva, não criaram o fato, apenas legalizaram um fato pré-existente. Tanto o divórcio nos anos 70 como os casais gays são uma realidade, a lei apenas trará dignidade aos interessados. Dignidade que setores religiosos querem negar!
Nesse momento, com os avanços das conquistas LGBT, o mundo é gay.