domingo, 13 de maio de 2018

O Conde de Monte Cristo – Alexandre Dumas


“Nunca estamos quites com os nossos credores pois, quando não lhes devemos mais dinheiro, lhes devemos a gratidão”.
Ao lado de Os três mosqueteiros, O Conde de Monte Cristo é o livro mais popular do escritor francês Alexandre Dumas. Da mesma forma que o primeiro, publicado em 1844, foi lançado em formato de folhetim entre 1844 e 1846, dividido em três partes. Foi publicado em formato de livro no mesmo no mesmo em que foi lançada a última parte. Diferente de Os três mosqueteiros, onde o autor usou do humor e do sarcasmo para contar as intrigas palacianas, Dumas faz uso do suspense para contar a história de traição e vingança do marinheiro Edmond Dantés.
“Em política, meu caro, não existem homens, mas ideias; não existem sentimentos, mas interesses; em política, ninguém mata um homem: suprime-se um obstáculo, ponto final”.
Em 1815, Dantés era um jovem marujo que vivia com o pai idoso e era noiva de Mercedes, com quem pretendia se casar. Seu mundo desaba quando é preso injustamente acusado de ser um conspirador bonapartista (Napoleão estava detido na ilha de Elba e tentava retomar o poder na França). Os três responsáveis pela denúncia têm motivos diferentes para trair Dantés: o Juiz de Villerfort, cujo pai era o destinatário da carta que Dantès levava; Danglas, que ambicionava ser capitão do navio cujo posto era ocupado por dantes; e Fernand Mondego, que era apaixonado por Mercedes.
“O monarca legítimo é o monarca amado”.
Dantés foi preso no dia do seu casamento e enviado para o Castelo de If, onde passou 14 anos incomunicável. Na prisão, conhece o abade Faria, amizade que transformará a vida de Dantés e criará as condições para a vingança que o marujo tramou durante o tempo em que esteve preso. O livro recebeu adaptações para o teatro, virou série de TV, anime, novelas. Somente no cinema foram mais de dez adaptações desde 1918, a mais recente em 2011, dirigido por Kevin Reynolds e estrelado por Jim Caviezel (Edmond Dantés), Guy Pearce (Fernand Montego), Richard Harris (abade Faria) e Dagmara Dominczyk (Mercedes).      

domingo, 6 de maio de 2018

Pornopopéia – Reinaldo Moraes


“A alma, como se sabe, é um organismo arcaico com três órgãos: miolos, estômago e genitália”.
Reinaldo Moraes é daqueles escritores cuja obra podemos enquadrar como “maldita” ou “marginal” (isso é um elogio!). É o que costumo chamar de literatura “neurótica” (outro elogio!), onde não há mocinhos e vilões, ou todos são mocinhos e vilões, os protagonistas vivem à margem de todas as convenções, mergulhados em vícios e loucuras.   Li  Pornopopéia, pela primeira vez em 2012, quando comprei o livro “às cegas”, nunca tinha ouvido falar nem da obra nem do autor. Um bom livro é aquele em que o autor diz o que quer dizer de forma acessível e ainda desperta a curiosidade do leitor para outros livros do mesmo autor. Pornopopéia é isso. O leitor não consegue desgrudar dele e ainda fica curioso em ler a obra de Reinaldo.  
“Quero morrer gordo e barrigudo, pesando de dois a três engradados de cerveja acima do peso ideal”.
O livro é uma baixaria de alto nível, inspirada, criativa e engraçadíssima. Zeca, o personagem-narrador, é um ex cineasta, à frente de uma produtora falida,  que vive na base do improviso, sem dinheiro, sem trabalho (ou quando consegue é de baixa remuneração e qualidade duvidosa), e com uma disposição indisfarçável e ilimitada para se meter em confusão. “Respeite o meu baixo nível, é o alto favor que lhe peço. Faça da minha vulgaridade um parque para as suas diversões”, diz Zeca. Extremamente crítico com relação a tudo e todos, menos com ele mesmo, só encontra a ternura ao lembrar-se do filho, Pedrinho. Mas a sua participação como pai resume-se a levar o garoto, esporadicamente, ao shopping para ficar subindo e descendo a escada rolante.
“Pra que nomes quando se está dentro de uma buceta? Tanto que só dão nome às pessoas quando elas saem de lá”.
Na primeira parte do livro, Zeca é incumbido da missão de fazer um roteiro para uma propaganda de enlatados e, entre uma “cafungada” e outra em busca de inspiração, decide ir, na companhia da deslumbrante adolescente Sossô e do amigo Ingo, à uma surubrâmane, uma sessão de sexo grupal “à luz da doutrina Zebuh Bhagadhagadhoga”. Imagine o que pode sair (ou entrar) dessa suruba espiritual nirvânica regada a ácido e pó. Aliás, “carreiras” é o que não falta na vida de Zeca, já que a sua como cineasta está em franca e irrefreável decadência, além de botecos underground, frequentado por prostitutas, travestis, cafetões e consumidores vorazes de drogas.
“- Não é legal ficar comendo mulher casada”.
“- Por que não? Elas têm buceta igual às solteiras. Só que usam bem menos”.
A vida de Zeca se complica de vez quando ele se vê envolvido, injustamente, na morte do seu traficante-fornecedor. O que já era um desbunde geral vira uma epopéia pornográfica, uma pornopopéia. Na segunda parte do livro, Zeca está escondido em Porangatuba, uma praia paradisíaca no litoral do Rio de Janeiro, onde ele não perderá a oportunidade de se meter com mulheres e em confusões.   Destaque para os neologismos, para os trocadilhos e para as frases geniais construídas por Reinaldo, como na ocasião em que Zeca está se afogando em Porangatuba: O vômito está boiando à minha volta durante um bom tempo. Se eu morresse afogado ali iria engolir parte do meu próprio vômito, num processo de autoreciclagem digno de algum prêmio ambientalista internacional. E completa: É doce morrer no mar o caralho. É salgado pra cacete. Para quem procura um romance contemporâneo de qualidade é uma boa pedida. E valeu a releitura!

domingo, 22 de abril de 2018

Os três mosqueteiros – Alexandre Dumas


“As mulheres foram criadas para a nossa ruína, e é delas que provêm todas as nossas misérias”.
Nos acostumamos a relacionar clássicos da literatura a livros enfadonhos com uma linguagem empolada que mais afasta do que forma novos leitores. Pois é, esqueça isso ao ler Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas, que numa prosa fluente usa do sarcasmo e do humor refinado para misturar romances improváveis, intrigas palacianas e batalhas, muitas batalhas. Publicado inicialmente em formato de folhetim entre março e julho de 1844, saiu em formato de livro ainda no mesmo ano. A obra já surpreende no título, pois os três mosqueteiros são, na realidade, quatro. E aquele que não é mosqueteiro de fato, mas apenas “honorário”, D’Artagnam, é o grande protagonista da história.
“Há na riqueza uma profusão de detalhes e caprichos aristocráticos que casam bem com a beleza”.
Em 1625, o gascão D’Artagnam chegou a Paris com um propósito: ser mosqueteiro do rei, uma espécie de tropa de elite real cuja missão principal era dá proteção à pessoa do rei Luís XIII. Com uma carta de recomendação endereçada ao conde de Tréville, capitão dos Mosqueteiros, o jovem se mete em trapalhadas que o levam a desafiar três mosqueteiros (Athos, Porthos e Aramis) ao mesmo tempo e no mesmo local (uma enrascada de proporções suicidas). Ao mesmo tempo em que as suas trapalhadas lhe metem em encrencas, também o salva. Foi o que aconteceu! Por trapalhadas, dessa vez do destino, os quatro se tornam inseparáveis, e D’Artagnam um mosqueteiro, digamos, honorário. 
“De todas as paixões, o amor é a mais egoísta”.
O professor da literatura da Universidade de Córsega, Pascal Marchetti-Leca afirma que Dumas foi o fundador do romance histórico com um método trivial: recriar fatos históricos com maestria. À quem o acusava de “violentar” a história para atender a seus caprichos de ficcionista, ele respondia: “Sim, reconheço que a violento, mas faço lindos filhos com ela”. E é verdade. Mas, afinal, os três mosqueteiros existiram? Segundo o historiador francês Jean-Christian Petitfils, sim, eles existiram, mas nunca atuaram juntos. E isso faz diferença?

domingo, 15 de abril de 2018

Enclausurado – Ian McEwan


“Considero-me um inocente, descomprometido com lealdades e obrigações, um espírito livre, apesar do pouco espaço de que disponho”.
Não é a toa que Ian McEwan é considerado o melhor escritor britânico em atividade. A ideia de escrever Enclausurado, seu mais recente romance, publicado em 2016, surgiu quando conversava com sua nora grávida. Chamado por vezes de “Ian Macabro” por causa da natureza das suas primeiras obras, publicadas em meados dos anos 70, McEwan usou do humor, da inteligência e de uma criatividade espantosa para transformar um feto no narrador da história desse livro. E não é um narrador qualquer, mas um narrador que tem opiniões refinadas sobre vinhos e guerras e que se defronta com questões éticas e existenciais antes mesmo de nascer.
“Nem todo mundo sabe o que é ter o pênis do rival do seu pai a centímetros do seu nariz”.
O humor refinado de Ewan se faz presente já nas primeiras linhas do livro: “Então aqui estou, de cabeça para baixo, dentro de uma mulher. Braços cruzados pacientemente, esperando, esperando e me perguntando dentro de quem estou, o que me aguarda”. Obviamente que o narrador, um feto que ainda não nasceu, não tem nome, mas conta a história de Trudy Caincross, sua mãe, que ao lado do amante e cunhado Claude Caincross, trama a morte do marido, John Caincross, que vem a ser o pai do feto-narrador. O objetivo de Trudy é ficar com a mansão que John recebeu como herança dos pais.
“Quando o amor morre e um casamento se desfaz, a primeira vítima é a lembrança sincera, a recordação decente e imparcial do passado”.
Do útero materno, o narrador pensa numa forma de evitar o assassinato do próprio pai. Mas como fazer isso? Se não conseguir evitar o crime, deve se vingar dos assassinos no futuro? Mesmo sendo a sua mãe a assassina? São dilemas shakespearianos como esses que povoam a mente ainda em formação do pequeno feto. Entre um dilema e outro, o narrador tece opiniões sobre os vinhos tomados pela mãe durante os fogosos jogos sexuais com o amante e cúmplice. Num tom notadamente irônico, McEwan tenta, e surpreendentemente consegue, passar ao leitor a experiência de ser um feto prestes a nascer envolvido numa trama de assassinato. 

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Pulp – Charles Bukowski


“O inferno era o que a gente fazia dele”.
Pulp é o ultimo e mais atípico dos romances de Bukowski. Não é autobiográfico e o protagonista não é o alter-ego do autor, Henry Chinasky.  Concluído alguns meses antes da morte do autor, em 1994, o romance é uma mistura de história noir de detetive, subliteratura e filmes B, porém é impossível não observar as marcas registradas do “escritor maldito”, como os palavrões, o humor ácido e as reflexões pessimistas sobre a vida.
“A insanidade é relativa. Quem estabelece a norma?”
No sexto e último romance de Bukowski somos apresentados a Nick Belane, um detetive beberrão, encrenqueiro e de maus modos, autointitulado o “melhor detetive de Los Angeles”. Com uma tendência para resolver casos no mínimo inusitados, Belane é contratado por uma certa Dona Morte para encontrar um homem chamado Celine, que vem a ser o escritor francês maldito, falecido em 1961, que influenciou Bukowski.
“A vida dos escritores era mais interessante do que os livros deles. Hoje, nem a vida nem a literatura são interessantes”.
Enquanto tenta achar o falecido escritor, Beline é contratado por um marido desconfiado para descobrir se a sua esposa é adúltera. Sendo o “melhor detetive de Los Angeles”, Beline só consegue flagrá-la uma vez na cama com um homem: o próprio marido. Outra missão inusitada de Beline é livrar um vendedor de caixões de um extraterrestre que o domina. O problema é que o extraterrestre é uma exuberante mulher que também domina Belane.
“Não era o meu dia. Nem minha semana. Nem meu mês. Nem meu ano. Nem minha vida. Porra”.
Mas a missão mais difícil de Belane é encontrar o Pardal Vermelho. Mas o que vem a ser o Pardal vermelho? Entre as bebedeiras e as trapalhadas de Belane você descobrirá. Mas antes verá a forma desdenhosa como Bukowski via a vida humana. A presença de um personagem que simbolizava a morte pode ser um indício de que o “velho Buck” sabia que estava em seus últimos suspiros.     

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Hollywood – Charles Bukowski


“Dinheiro é como sexo. Parece muito mais importante quando a gente não tem...”
Sem metáforas, sem alegorias. Assim são os diálogos de Bukowski. E é nessa simplicidade que reside a genialidade do velho Buk. Em Hollywood, quinto romance do autor, publicado em 1989, não é diferente. Nele, Henry Chinaski, um escritor de contos e poesias, recebe um convite para escrever um argumento para um filme de longa-metragem. Apesar de ter aversão ao cinema e à pompa Hollywoodiana, Chinaski topa o trabalho por causa dos vinte mil dólares prometidos e pagos. E não esconde isso de ninguém.
“Contar histórias repetidas vezes parece tornar elas mais reais do que devem ter sido.”
A reação dos fãs não é positiva. Muitos o acusam de ter se vendido. O que ele não nega. Bukowski tenta levar a discussão para o fato de seu alterego conseguir manter ou não sua autenticidade mesmo trabalhando por dinheiro. A linguagem e o estilo do próprio livro mostram que não. O velho Bukowski continuou o mesmo, com sua linguagem crua e desconcertante, o seu (mau) humor ácido e sua sinceridade que beira a deselegância.
“Meus inimigos são minha fonte de renda. Me odeiam tanto que se torna um caso de amor subliminar”.
É publico que Bukowski tinha aversão ao cinema e a Hollywood e o romance foi escrito a partir da experiência vivida por ele em meados dos anos 80, quando foi convidado a escrever para o cinema. O velho Buk aceitou por dinheiro. E não escondeu isso de ninguém. Não é preciso dizer que Hollywood, a exemplo de toda a sua obra, é extremamente autobiográfico. Independente do tema abordado, sempre vale a pena ler Charles Bukowski.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Misto-quente – Charles Bukowski


“Jamais haveria um jeito de eu viver confortavelmente entre as pessoas. Talvez eu me tornasse um monge. Fingiria acreditar em Deus e viveria num cubículo, tocando órgão e eternamente embriagado de vinho”. 
Bukowski é aquele sujeito que consegue transformar o bizarro, o degradante, o marginal em arte. E ele faz isso em Misto-quente, seu quarto romance, lançado originalmente em 1982 e, até agora, seu melhor romance. Nele, Bukowski é o “escritor maldito” que conhecemos, que com sua escrita simples e direta é capaz de dizer tudo o que quer sem meias palavras. Considerado o romance de formação do autor, muitos dizem que quem não leu Misto-quente não leu Bukowski.
“Com a bebida, a vida era maravilhosa, um homem era perfeito, nada mais poderia feri-lo”.
Henry Chinaski é o alterego do autor (o romance é praticamente uma autobiografia, com Bukowski na sua fase de juventude) que vive sua infância num ambiente viciado: o pai alcoólatra e violento, batia cotidianamente no filho; a mãe, apesar de carinhosa com o filho, é omissa diante da violência do marido por temê-lo.  É durante suas reflexões sobre esse período que Chinaski consegue manifestar o mais fidedignamente seus sentimentos com relação à vida, a sua infelicidade embaixo da casca de durão, como essa quando frequentava o jardim de infância:   
“Foi no jardim de infância que conheci as primeiras crianças da minha idade. Elas pareciam muitas estranhas, sorriam e conversavam e pareciam felizes. Não gostei delas.”
A acidez das palavras e das ideias de Bukowski, expressa através de Chinaski, transparece de forma límpida quando ele toca em temas sensíveis, como no trecho abaixo;
“Eu havia rompido com a religião alguns anos atrás. Se houvesse alguma verdade por trás dela, era uma verdade que idiotizava as pessoas ou atraía as mais idiotas. E se por acaso a religião não contivesse em si verdade nenhuma, os tolos que nela acreditavam seriam então duplamente idiotas.”
Chinaski (ou Bukowski) era um pessimista com relação à humanidade (alias, com relação a tudo), tanto que quase não se relacionava com colegas de escola. Seu único amigo era um marginalizado como ele:
“Joe não ia vir. Não valia a pena confiar em nenhum outro ser humano. O que quer que fosse preciso para estabelecer essa confiança, não estava presente na humanidade.”
Considero Bukowski melhor romancista do que contista, mas em Misto-quente ele supera até mesmo o romancista Bukowski de outros livros.