domingo, 31 de janeiro de 2016

1889 – Laurentino Gomes

Terceiro volume de uma trilogia sobre o século XIX (os anteriores foram 1808 e 1822), 1889, do jornalista Laurentino Gomes, tem o mérito de levar ao grande público os acontecimentos históricos que foram fundamentais para a consolidação do país que temos hoje. Com mais de 150 livros na bibliografia, entre clássicos de Sérgio Buarque de Holanda e Oliveira Viana, Laurentino fez uma pesquisa exaustiva não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos, como também visitando os locais que foram cenários dos fatos narrados, para dar cor e atmosfera ao texto.
1889 nos mostra que a República era inevitável, principalmente após a Monarquia perder o apoio dos militares, que se sentiam desprestigiados e desvalorizados pelo imperador. Porém, a queda do regime começou a se desenhar bem antes. A liberdade de imprensa no Segundo Reinado favoreceu a proliferação de novas ideias, como também o machismo e xenofobia, já que a princesa Isabel era a herdeira do trono e era casada com um francês.
Laurentino descontrói a figura do Marechal Deodoro da Fonseca, tido como o “herói” do movimento que acabou com a Monarquia no Brasil. Primeiro, ele não queria participar do movimento, em parte por ter sérios problemas de saúde; segundo, após derrubar o gabinete do Visconde de Ouro Preto, Deodoro relutou em proclamar a vitória, destituindo também o imperador. Ele só mudou de ideia quando soube que D. Pedro II tinha nomeado Silveira Martins como chefe do novo ministério, seu desafeto que roubara-lhe o coração de uma bela viúva na época em que era governador do Rio Grande do Sul.
Como se vê, as paixões movimentam a política brasileira há tempos.   

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Diários da Presidência (1995-1996) – Fernando Henrique Cardoso



Publicado pela Companhia das Letras, Diários da Presidência (1995-1996), do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é o primeiro de uma série de quatro volumes bianuais que cobrem os oito anos em que ocupou a Presidência da república. A intenção da editora é concluir a publicação de todos os volumes em meados de 2017. Nesse primeiro volume, resultado de 90 horas de gravação em 44 fitas cassetes transcritas por Danielle Ardaillon, curadora do acervo da Fundação Instituto Fernando Henrique Cardoso, FHC relata as hesitações do cotidiano, as intrigas ao seu redor, tece críticas a aliados e adversários, como também à imprensa.
Algumas revelações surpreendem não por serem alguma novidade, mas por ser revelada por um ex-presidente ainda em vida. Como o fato de dizer que a luta política era desprovida de princípios de tal foram que ele vivia cercado de “chantagens por todos os lados”. Um exemplo é a referência feita, em agosto de 1995, ao hoje ex-deputado e condenado no mensalão Valdemar Costa Neto, na época líder do Partido Liberal, aliado do governo. “Ora, o líder desse partido, Valdemar Costa Neto, só vai lá (no Palácio do Planalto) para pedir nomeações para posições onde ele possa ter vantagens, e vantagens alegadamente pecuniárias”, diz FHC na página 224.  Na Página 296, FHC fala que parte dos pedidos de Costa Neto não foi atendida “por falta de gente competente e que seja honesta”. FHC se refere aos insistentes pedidos do então deputado como “essa coisa desagradável”.
O ex-presidente também não poupa aliados como o seu antecessor, Itamar Franco, afirmando em fevereiro de 1995 que seus amigos o tratam “como se ele fosse uma criança mimada e birrenta, o que ele às vezes é”. Sobre José Serra, seu ministro, numa visita ao Chile, em março de 1995, que Serra não quis ir, FHC diz: “Acho que o Serra não se sente bem vendo tantas homenagens que não seja a ele” (P. 85). A relação do governo com parte da imprensa não era das melhores. Sobre a denúncia da revista Veja de que seu filho, Paulo Henrique, teria pego carona no avião presidencial, FHC reagiu em março de 1995: “Trata-se de um falso moralismo da Veja, que vive pedindo canais e mais canais de televisão ao governo, de alta frequência, e, ao mesmo tempo, espicaça sem parar para jogar todo mundo na vala comum” (p. 87).
Há também referências nada lisonjeiras à personagens que hoje estão no centro político do país, como o deputado Eduardo Cunha, hoje presidente da Câmara, mas em março de 1996 um obscuro protegido de deputados ligados à Igreja Universal. Esses deputados procuraram o Presidente da República para tentar nomeá-lo diretor comercial da Petrobrás. A reação de FHC: “Imagina! O Eduardo Cunha foi presidente da Telerj, nós o tiramos de lá no tempo de Itamar porque ele tinha trapalhadas (...). (...) há, sim, problemas com esse nome. Enfim, não cedemos à nomeação” (p. 507). Sobre Cássio Cunha Lima, hoje líder do PSDB no Senado, em abril de 1996: “ O Cássio esteve aqui numa festa para o Collor, na semana passada, o que já é o cúmulo. É uma coisa que mostra a volatilidade dos sentimentos desse rapaz, que agora se diz a favor da reeleição” (p. 536).
"Começo a sentir o travo amargo do poder, no seu aspecto mais podre de toma lá dá cá: se eu não der algum ministério, o PPB não vota; se eu não puser o Luiz Carlos Santos, o PMDB não cimenta - e muitas vezes fazemos isso e eles não entregam o que prometeram", diz o ex-presidente, em registro de abril de 1996.  Como se vê, passados vinte anos, as práticas políticas continuam as mesmas. Se essa frase fosse dita hoje pela presidente Dilma, seria atualíssima. Aguardemos os próximos volumes.