terça-feira, 30 de março de 2010

Mudanças

Os meus pertences estão espalhados pelo apartamento. Ainda não parei para pensar por onde vou começar a arrumação. Se para desarrumar demorei uma eternidade, para arrumar vou levar duas eternidades. Lembro-me que duas semanas antes da mudança, já tinha começado a encaixotar livros, CD’s, documentos e aqueles pequenos objetos que imaginamos que não ocupa espaço, mas nessas horas toma todo o nosso tempo. O antigo apartamento era pequeno, mas a forma como os cômodos eram distribuídos tornava-o aconchegante. Ainda possuía como atração extra: um inferninho (dizer “puteiro” seria deselegante) que o capeta não freqüentava por medo de ruborizar. Lá conheci a Lídia. É interessante como a mudança geográfica promove transformações no meu comportamento. Antes de ir morar no apartamento próximo do inferninho, namorei a Sarah, que era quase uma figura bíblica em termos de pudor. Achava-a perfeita. A mudança para as proximidades do inferninho mudou tudo (não por culpa do inferninho). A Lídia, funcionária mais graduada da casa dos prazeres, passou a ser o modelo de mulher perfeita.
Mudar de endereço faz com que eu mude de comportamento, de estilo de vida. Isso me intriga. Lembro-me que em uma das minhas moradias adotei o estilo misantropo. Saía de casa somente o necessário. Os amigos estranhavam. Eu, que na sexta a noite convocava todos para uma sinuquinha e depois uma passada nos melhores ambientes da cidade, de repente me enclausurei. Mas foi uma fase boa. Estar só é como caminhar em direção de si próprio, faz bem como terapia para o autoconhecimento. O problema é que até hoje não me conheço. Nesse período de recolhimento li todos os livros do Borges, conheci as poesias de Florbela e Neruda e cheguei à conclusão que poesia é muito chato. Tentei aprender a cozinhar e concluí que restaurante é uma das coisas mais úteis do mundo moderno. Assisti a todas as novelas, mas somente do meio para o fim. Início de novela é sem graça. Assisti a todas as partidas de futebol, inclusive o campeonato francês, que é tão chato quanto o idioma, tem sempre o mesmo campeão.
Agora novo endereço, novo apartamento. Que máscara colocarei? O que irá influenciar os meus dias? Tenho algumas pistas. Além da nova moradia, claro. Andei observando o material humano das redondezas e muito me chamou à atenção uma vizinha evangélica de ancas tanajúricas. Observo nela um falso pudor. A lascívia parece espernear dentro dela, lutando parar sair aos gritos. O figurino saias longas, cabelos compridos, voz e gestos contidos não combinam com um risinho de canto de boca que fala bem mais do que palavras. Sinto que aquela Bíblia, com capa de couro Preta, fechada a zíper, com a inscrição “Bíblia sagrada” em letras douradas, pesa muito mais do que um livro qualquer de capa de couro preta. O medo do inferno tem falado mais alto do que o desejo de ser o próprio capeta. Chego à conclusão que os meus próximos meses serão na Igreja...

segunda-feira, 29 de março de 2010

O pré-sal e os royalties

Eu comparo a briga dos estados produtores de petróleo pelos royalties do pré-sal a disputa dos filhos pela herança ainda com o pai vivo. Os royalties equivalem a 10% de toda a produção que as empresas petrolíferas repassam pra estados e municípios produtores e a União. A gritaria se deve a emenda de autoria do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) que muda completamente a divisão dos royalties do petróleo entre os estados, os municípios e a União. De acordo com a emenda, todos os estados da federação ficariam com 30% dos royalties, outros 30% com todos os municípios e a União com 40%. Hoje, os estados produtores (Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo) ficam com 22,5% dos royalties, os municípios produtores com 30% e a União com 47,5%.
O Rio de Janeiro perderia, por ano, cerca de R$ 7 bilhões, o equivalente a 20% do seu orçamento. Não podemos duvidar que a perda é significativa. Mas as jazidas do pré-sal ainda são, em grande parte, uma hipótese. Daí ser uma briga pela herança com o pai ainda vivo. Nada foi encontrado ainda na maioria das jazidas!! Estima-se que se possam extrair das jazidas do pré-sal mais de 80 bilhões de barris (seis vezes a produção brasileira atual). Vejam bem: estima-se! Claro que as possibilidades são grandes. A fase atual deveria ser a de debates de como se daria essa partilha. O problema é que a emenda Ibsen em nada contribuiu para iniciar o debate. Ao contrário, enterrou qualquer possibilidade de debate antes mesmo desse acontecer.
Outro fator a ser observado é a emoção colocada pelos que defendem os estados produtores. Nunca vi o governador Sérgio Cabral chorar tanto. É isso mesmo, até choro teve. Achou pouco? Em passeatas e em cima de palanques apareceram de mãos dadas o ecoxiita e ministro Carlos Minc, o ecochato Fernando Gabeira, o enroladíssimo casal Garotinho (sem greve de fome) e até a Xuxa (sem os baixinhos, pois aí já seria demais). Vestiram o Cristo Redentor com uma faixa de protesto!! Vocês podem não acreditar, mas até minuto de silêncio foi feito no Maracanã. Quem morreu? Os royalties? O petróleo? Onde dinheiro for e não fizer, ninguém mais faz...

quinta-feira, 18 de março de 2010

Caminhada

As pessoas passavam por mim sem me perceber. Eu olhava todos aqueles rostos e tentava imaginar o que pensavam, que paixões teriam, se conseguiam realizar suas fantasias e desejos. O tempo chuvoso me deixa melancólico. Pingos de chuva caem no meu rosto e molham as lentes dos meus óculos. Isso não impede que eu enxergue cada detalhe do que está ao meu redor. Não paro de andar, apesar de sentir uma dor cansada nas pernas. A fumaça que sai do escapamento do ônibus irrita o meu nariz. Da janela uma colegial me observa com olhos miúdos e pretos. O MP3 nos ouvidos deve estar tocando aquelas músicas impossíveis de ouvir. Um olhar de falta de perspectiva, olhar de quem vive por falta de algo mais interessante para fazer. Será em breve mãe solteira ou casada, não importa. Levará a vida a cuidar de filhos, engordar e jogar conversa fora com a vizinha na calçada. Até que o marido a troque por outra colegial.
Continuo a andar. Vejo a distância o mendigo que a anos ocupa o mesmo espaço de calçada. As marcas no rosto denunciam uma vida sofrida. Mas também, muito possivelmente, uma vida de extravagâncias etílicas e sexuais. Os pés sujos atraem uma nuvem de moscas, que não o incomodam. Talvez o estômago vazio seja um incômodo maior. Observa-me com olhos tristes de retrospectiva. O que terá vivido? De quantas farras descomunais não terá tomado parte em seus anos de juventude? Quantas amantes possuiu? Quantas mulheres não fez chorar? Por quantas mulheres não chorou? Quando me aproximo, pronuncia a frase que a anos usa para pedir dinheiro aos transeuntes. Deposito em sua mão uma moeda e ouço o agradecimento de sempre. Que Deus lhe pague. Deixa para lá, mais uma dívida não paga, penso eu a sorrir.
Continuo a minha caminhada. As irregularidades das calçadas dificultam o passeio. Mas isso não me impede de observar um jovem casal. Ele é magro, parece ser daqueles homens que nasceram para viver em família, que todo prazer da vida resume-se em trabalhar para criar os filhos. È aquele tipo de homem que todos admiram, mas ninguém inveja, pois leva uma vida pouco interessante, sem sobressaltos. Ela carrega consigo uma beleza de outrora, estragada, possivelmente, pela gravidez. As amigas costumam lhe parabenizar pelo belo casamento, mas nenhuma delas gostaria de estar no seu lugar. Nasceram um para o outro. O carro deve ser financiado em 60 parcelas fixas, a casa será quitada em prestações nos próximos 20 anos, aos sábados à noite assistem filmes no DVD comprado no carnê, aos domingos passeios na praça com os filhos e pizza antes de assistir o Fantástico. Serão felizes para sempre.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Lula-lá

Essa semana Lula está em Israel. Aconselho os assessores do planalto a colar no presidente. Nada de discursos de improviso!! Se Lula falar em Israel alguns dos disparates que costuma falar no Brasil, corre o risco de deflagrar a enésima intifada. Mas o presidente brasileiro começou a viagem com discursos “paz e amor”. Em discurso para empresários israelenses, falou que tem o “vírus da paz”. Mas desconfio que esse vírus sofre uma grave mutação genética quando o governo brasileiro busca aliados no cenário internacional. Parte considerável dos aliados do Brasil são governos que passam a maior parte tempo buscando confusão com a oposição, com os vizinhos, com o resto do planeta ou com todos eles juntos.
Na América Latina, o governo Lula é aliado dos semi-vivos (ou semi-mortos) irmãos Castro, cujo passatempo predileto é perseguir a oposição. Alem dos Fósseis cubanos, o governo brasileiro adora trocar figurinhas com ícones da nova esquerda latino-americana, que adoram viver infernizando a vida de vizinhos, como o neocaudilho venezuelano Hugo Chávez, o indígena- marxista-andino Evo Morales e o Coronel Galã equatoriano Rafael Corrêa. Para defender um desses aliados (o governo cubano), Lula fez uma das declarações mais infelizes que um chefe de Estado poderia fazer, ao dizer que greve de fome não pode ser pretexto para libertar pessoas em nome dos direitos humanos, emendando uma comparação dos presos políticos cubanos com os presos comuns no Brasil. Se o governo militar pensasse assim no final dos anos 70, o que seria do nosso presidente?
Quando saímos da América Latina, aí a coisa fica um pouco pior (se é que é possível). O grande aliado do governo Lula é o governo iraniano de Mahmoud Ahmadinejad, cuja diversão é fraudar eleições, prender e matar quem contestou o resultado da eleição fraudada e ameaçar o mundo com a possibilidade de desenvolver armas nucleares. Tudo isso com o apoio do governo brasileiro! Inclusive, em Israel, Lula manteve a postura de negociar com o governo do Irã (“Vírus da paz”). Poderíamos dizer, usando uma expressão paterna, que Lula tem coragem de mamar em onça. Pressionado por lideranças israelenses, Lula se disse orgulhoso de pertencer a uma região que não tem armas nucleares. Mas tem similares, como Evo, Chavéz, Corrêa, Fidel. Orientada pelo jurássico Marco Aurélio Garcia, cujo relógio ideológico parou nos anos 60, a diplomacia brasileira está andando às cegas.

domingo, 14 de março de 2010

Sugestão de leitura

Para quem gosta de literatura, ler O leitor apaixonado: prazeres à luz do abajur (Companhia das Letras, 330 páginas, org. Heloísa Seixas), de Ruy Castro, é um prazer em dobro. Além dos textos do Ruy Castro serem saborosos, eles falam do que há de melhor (e pior também) na literatura mundial. É um passeio por várias épocas da literatura de diversos países. O livro reúne 45 textos escritos entre 1974 e 2007, publicados originalmente em jornais e revistas de São Paulo e Rio de Janeiro, enfatizando mais o lado humano dos escritores e como isso influiu na criação das suas obras definitivas.
Dos 45 saborosos textos, dois eu considero sublimes: Dois países separados pela mesma língua e Duelo de titãs. No primeiro, o autor faz uma comparação entre o português falado no Brasil e o português falado em Portugal, enfatizando a frase do escritor Bernard Shaw ao se referir ao inglês falado na Inglaterra e ao inglês falado nos Estados Unidos: “Dois países separados pela mesma língua.” Duelo de titãs encerra o livro com chave de ouro. Nesse texto o autor faz uma defesa do livro apesar do avanço da internet. Para ele, o livro não acabará nunca! A frase a seguir diz tudo: “Se um dia a internet a acabar, você lerá sobre isso num livro.” Concordo com ele. Boa leitura...

sexta-feira, 5 de março de 2010

Aos velhinhos, com amor

Quando tenho que encarar filas, costumo levar algo para ler. Quando isso não é possível (você pensa que a fila está pequena, não leva nada para ler e se dá mal), fico lendo tudo ao meu redor. Em agências bancárias não falta material de leitura. São tabelas de tarifas bancárias (por enquanto somente não estão cobrando ingressos nas agências), cartazes vendendo seguro residencial, de vida, seguro do cartão de crédito, seguro do seguro, empréstimos para comprar carro, reformar ou construir casa, aquisição da casa própria, propostas (irrecusáveis) de como investir o seu dinheiro, plano de capitalização que promete sorteios de milhares de reais todos os meses, e uma infindável quantidade de serviços bancários. É um verdadeiro mercado!! Só faltam as prateleiras para que o cliente, empurrando o seu carrinho, escolha o que mais lhe aprouver.
Semana passada estava numa dessas filas quando me deparo com um anúncio: “Crédito consignado INSS. R$ 2.000,00. R$ 65,00 x 60 meses.” E emendava: “Prestações que cabem no seu bolso”. Naquele momento de ócio, resolvi calcular por quanto ficaria o empréstimo. R$ 65,00 X 60 meses = R$ 3.900,00. O velhinho incauto pagaria, em 5 anos, quase o dobro do que pegou. As prestações realmente cabem no bolso, só não cabem na inteligência. Quero deixar bem claro que não sou comunista, nem tenho nada contra banqueiros. Como qualquer outro empresa privada, vive do lucro (em 2009, o Itaú lucrou R$ 10,067 bi; o Bradesco R$ 8 bi; o Banco do Brasil R$ 10,1 bi), mas não precisa exagerar. Isso não é busca por clientes, é busca por vítimas!!
Nas sociedades pré-industriais, os idosos eram vistos como fontes de conhecimento. A partir daí, a idade passou a ser um estorvo, pois o idoso, além de não produzir, ainda tem que ser sustentado pelo Estado. Mesmo algumas sociedades primitivas que viviam em ilhas do Pacífico, não viam o idoso com bons olhos. O velhinho era estrangulado (com o seu consentimento) pelo filho predileto, num ritual que envolvia toda a família. O homem moderno fica chocado com tal relato. Deveria ficar chocado com o anúncio do banco. Nesse caso o velhinho está sendo estrangulado pelo bolso.