quarta-feira, 26 de abril de 2017

Um time de primeira – Vários autores

“Em toda parte do mundo uma dúzia de ingleses juntos queria dizer um clube”. (Mário Filho)
Em 2014, ano em que se realizava a segunda Copa do Mundo no Brasil (para quem não sabe, a primeira foi em 1950), a editora Saraiva lançou um volume com crônicas relacionadas ao futebol. A boa notícia é que Um time de primeira faz jus ao título e reúne grandes nomes da literatura brasileira para falar sobre a paixão brasileira. A má notícia é quem nem todos entendem do assunto. Ou o futebol ainda não era o fenômeno que é hoje. É o caso do poema Franzina, de Mário de Andrade (ou sou eu que não entendo, nem gosto, de poesia?). Logo depois, com João do Rio e Coelho Neto, seis crônicas que não empolgam muito.
“Em trinta segundos, Garrincha desmoralizou o quadro científico da Rússia”. (Nelson Rodrigues)
Mas é fantástico ler Lima Barreto, lá no início do século XX, quando o futebol ainda engatinhava no Brasil, chamando a atenção para os malefícios do esporte para o país, em Bendito football, quando afirma que “o football é eminentemente um fator de dissensão” para o país. Ou ainda quando critica, de forma irônica, a violência do esporte, em Vantagens do football, e os seus malefícios à saúde, em Ainda e sempre. Repito: essas crônicas foram escritas nos primórdios do século XX quando o futebol ainda não era uma paixão nacional.
“Somos o povo que berra o insulto e sussurra o elogio”. (Nelson Rodrigues)
Mas os textos se tornam clássicos quando entra em cena o jornalista Mário Filho, um apaixonado pelo esporte. Em Nasce o Fluminense, o cronista narra a história de Oscar Cox, um dos pioneiros da prática do futebol no Rio de Janeiro e um dos fundadores do tricolor carioca e seu primeiro presidente. Em O primeiro Fla-Flu, conta a história do primeiro clássico carioca, no ano de 1912. Outro apaixonado pelo futebol é seu irmão, o dramaturgo Nelson Rodrigues, que contribui com seis crônicas, todas tendo a seleção brasileira como personagem. O entusiasmo com que Nelson Rodrigues narra as proezas e fracassos da seleção canarinho é contagiante.
“O maracanã nasceu com a vocação da vaia”. (Nelson Rodrigues)

O poeta Vinícius de Moraes dá sua contribuição falando poeticamente, claro, sobre a seleção de 1962. Rubem Fonseca, em Abril, no Rio, em 1970, conta a história de um jovem que tenta  sorte no futebol. Em Copa do Mundo: alegria e sofrimento, lembra a Copa de 1950 e a tristeza pela perda do título naquele lendário Brasil e Uruguai no Maracanã. Aí vem Luis Fernando Veríssimo, com seus saborosos textos fazendo um retrospecto das Seleções Brasileiras de 1970 a 1998 em Recapitulando. Depois, em Prefiro terremoto, fala da final da Copa de 2002, quando o Brasil derrotou a Alemanha com dois gols de Ronaldo, o Fenômeno. No final, dois poemas de João Cabral de Melo Neto. Ou futebol não combina com poesia ou eu, definitivamente, não gosto de poesia.           

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Adultérios – Wood Allen

“Coerência é o fantasma das mentes pequenas”.
Dos livros que li de Woody Allen e sobre os quais falei aqui no blog nas semanas anteriores, Adultérios, publicado em 2003, é o melhor. Podemos dizer que aqui ele acerta a mão. Por coincidência, é um livro em que Allen não tenta fazer aquelas piadas tipicamente americanas que só americanos nascidos e criados em Nova York, mais especificamente em Manhattan, entendem. Nesse livro, Woody Allen consegue fazer jus à sua fama de gênio criativo, com personagens imprevisíveis e enredo cheio de reviravoltas.  São três histórias só com diálogos, num formato parecido com peça de teatro, todas passadas em Nova York com personagens tipicamente nova-iorquinos e que têm como temática a infidelidade.
“Por que qualquer marido fica entediado em relação à própria mulher? Porque com o tempo eles ficam se conhecendo demais”.
Na primeira delas, Bloqueio criativo – Riverside Drive, encontramos o escritor e roteirista Jim Swain num parque à espera de alguém. Antes que a pessoa esperada chegue, Fred, um mendigo, aborda e escritor com uma conversa desconexa. O problema é que Fred, na sua loucura, conhece a fundo a vida de Jim, inclusive seus detalhes mais íntimos, o que assusta o escritor. Para complicar, Fred acusa Jim de ter roubado a sua ideia em um dos roteiros de sucesso do escritor. Fred expõe os fatos de forma confusa, afirmando que recebe informações de uma antena instalada num dos prédios da cidade. Jim não sabe se está diante de um gênio ou de um louco.     
“Um pau duro não tem consciência”.
Na segunda história (e a melhor), Bloqueio criativo – Old Saybrook, Sheila e Norman estão fazendo um churrasco em casa para Jenny (irmã de Sheila) e David. Tudo corria bem, até que Hal e Sandy, antigos moradores da casa, chegam e revelam a existência de um cofre secreto na casa que guarda segredos de um dos personagens. Mas essa não é a única confusão na história. Max Krolian, primeiro morador da casa, aparece descendo as escadas, amordaçado e gritando, e faz revelações surpreendentes. O que torna essa história a melhor das três é o fato das reviravoltas no enredo não ensejarem no final da história, mas abrir a possibilidade de continuidade do enredo.
“As pessoas nunca nos odeiam pelas nossas fraquezas... elas nos odeiam pelos nossos pontos fortes”. 

A terceira história, Central Park West, tem semelhanças com a história anterior, porém com um viés mais dramático. Phylis, uma renomada terapeuta, fala para a amiga Carol que seu marido, Sam, está tendo um caso com outra mulher e saiu de casa. Essa outra mulher, revela Phyllis, era Carol, que não nega o romance. Quando o marido de Carol, Howard, um bobalhão, chega, tudo é revelado. Sam entre em cena e confirma toda a história, mas revela que a mulher por quem se apaixonou não é Carol, mas Juliet, que tem metade da sua idade e é paciente de Phyllis. Uma história com inúmeras reviravoltas e um final inesperado. 

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Jucá sincero

A chamada “delação do fim do mundo”, que veio à tona na semana passada, poderia representar um divisor de águas na história política brasileira. Só poderia! Facilmente veremos, no ano que vem, os 39 deputados federais, os 24 senadores e os 12 governadores denunciados pelos executivos e ex-dirigentes da construtora Odebrecht reeleitos ou eleitos para algum cargo eletivo. Se os políticos são as prostitutas de luxo do empresariado, como vimos nas delações, onde ninguém é de ninguém, vale quem der mais, o eleitor é a puta barata do político, se vendendo por qualquer carguinho comissionado ou favores menores ainda.
Mas nem tudo está perdido! Temos Romero Jucá, o Sincero. O indefectível senador Romero Jucá, do PMDB de Roraima, teve um surto de sinceridade em meio à uma enxurrada de desculpas esfarrapadas. É costume aos envolvidos em escândalos, qualquer escândalo, emitir aquela nota protocolar em que afirma que “todas as doações foram registradas legalmente e a prestação de contas foi aprovada pela justiça eleitoral” ou “estou à disposição da justiça para qualquer esclarecimento” ou ainda “minha inocência será comprovada no decorrer do processo”. Parece até que fazem Ctrl+C/Ctrl+V.
Mas Romero Jucá, o Sincero, fez diferente. Podem acusa-lo de qualquer coisa, menos de falta de originalidade. Citado em cinco inquéritos por suspeita de receber dinheiro em troca de aprovação de Medidas Provisórias, Jucá, o Sincero, falou numa entrevista na rádio CBN que por “R$ 150 mil não se vende Medida Provisória nem na feira do Paraguai”. Tá certo! As Medidas provisórias de Brasília são originais, portanto são mais caras. Vai querer comparar uma MP original de fábrica com uma produzida na China ou em Taiwan? Que disparate!
Se Renan Calheiros (PMDB-AL) é acusado de receber, em apenas um dos quatro inquéritos, R$ 4 milhões, por que o nosso Jucá, o Sincero, teria que se contentar com “apenas” R$ 150 mil? Se Valdir Raupp (PMDB-RO) é acusado de ter um “fundo” de R$ 20 milhões originário da Odebrecht e Andrade Gutierrez, por que nosso transparente Jucá tem que se contentar com reles R$ 150 mil? Jucá, o nacionalista, está apenas defendendo a MP nacional contra a MP fabricada no estrangeiro de qualidade duvidosa. Jucá, o legalista, está apenas defendendo a MP original de fábrica contra a pirataria que destrói os empregos do nosso povo.
Contra a Medida Provisória pirata!
Conta a Medida Provisória imperialista!
Pela isonomia na corrupção!

Viva Jucá, o Sincero!   

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Que loucura! – Woody Allen

“Como uma pessoa consegue ficar casada por 40 anos? Para mim, isso parece um milagre ainda maior do que a divisão do Mar Vermelho, embora meu pai, na sua ingenuidade, considere essa façanha muito mais impressionante”.
Publicado em 1980, quando Allen já era um artista conhecido e aclamado, Que loucura!  traz dezesseis textos (e não dezessete, como é anunciado na contracapa) em que autor mistura humor (na maioria sem graça), filosofia e psicanálise. Logo no primeiro texto, Retribuição, Allen acerta ao contar a história do sujeito insípido e sem atrativos que se apaixona e tem a paixão correspondida por uma mulher belíssima. O problema está quando o sujeito conhece a sogra. Um conto que poderia ser perfeitamente transformado em filme, com um personagem cheio de neuroses típico de Woody Allen. O segundo texto, Meu tipo inesquecível, é um conto repleto de piadas sem graça onde o personagem/narrador relembra a morte do seu amigo Sandor Needleman.
“Esse é o problema da filosofia: já não funciona tão bem depois da aula, ou seja, na vida real”.
Woody Allen fracassa ao tentar ser engraçado em O condenado e A ameaça de um OVNI, mas nesse último consegue pelo menos fazer uns questionamentos ligeiramente inteligentes, como ”se os discos voadores vêm do espaço exterior, por que seus pilotos não entram em contato conosco, em vez de insistirem nesses ridículos voos rasantes sobre áreas desertas?”. O ponto alto do livro é, indiscutivelmente, O caso Gugelmass, sobre um professor de literatura da Universidade de Nova York que se sente sufocado pela mesmice da vida e por um casamento sem nenhum atrativo. Certo dia é procurado por um mágico que promete coloca-lo dentro de qualquer livro. De uma hora para outra, Gugelmass se vê tendo um caso com Madame Bovary, personagem de Flaubert. Enquanto isso, estudantes de literatura mundo afora se perguntam: "Quem é esse judeu careca que entrou na história por volta da página 100 e já foi beijando Madame Bovary?".
“A loucura é relativa. Quem pode definir o que é verdadeiramente são ou insano?”

Alguns veem similaridade entre essa história e o enredo de Meia noite em Paris, do próprio Allen, lançado em 2011. Os dois textos seguintes, Como quase matei o presidente dos Estados Unidos e Na pele se Sócrates, podemos classificar como “bonzinhos”, o leitor não perderá nada se não lê-los. Os textos que vem a seguir são dispensáveis, com um humor sem graça e histórias que saem do nada e chegam a lugar algum. É o caso do texto que dá título ao livro, Que loucura!, tinha tudo para ser um bom conto, mas faz jus ao título, é uma loucura sem sentido! O mais idiota dos homens é um exemplo de como Allen se sai bem quando tenta contar uma história sem fazer graça, mesmo quando essa história não é tão boa. O seu talento para a telona, em enredos com grande capacidade de articulação de ideias, não aparece quando Allen se aventura na literatura. 

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Sem plumas – Woody Allen

“Fico me perguntando se haverá vida depois da morte e, se houver, se eles me permitirão chegar ao fim dos meus dias”.
Woody Allen é praticamente uma unanimidade como cineasta, mas não creio que seja como escritor. Pelo menos é essa conclusão a que se chega lendo alguns dos seus livros. Sem plumas, publicado originalmente em 1975, na edição brasileira da editora L&PM há uma curiosidade. Ali é dito fala que a obra é composta de 18 textos. Na realidade são dezessete. Outra curiosidade é que o livro teria frequentado as listas dos mais vendidos em todo o mundo. É difícil de saber a razão para isso. O livro não é bom. Tem textos bons, mas tais textos não seriam suficientes para torna-lo um best-seller
“E depois da morte, ainda será necessário tomar banho?”
Em Excertos de um diário, a sensação que fica é que se você nunca ler o texto não terá perdido nada. A sensação insiste em permanecer no segundo texto, Examinando fenômenos psíquicos. No terceiro, Alguns balés sem importância, fiquei seriamente tentado a abandonar a leitura, pois esse texto faz jus ao título. No quarto, Os pergaminhos, a esperança ressurge. É um texto que traz sutis críticas (irônicas) às religiões. Em As mulheres de Lovborg, a sensação é que Allen não escreve, apenas coloca as palavras umas depois das outras, aleatoriamente. Finalmente o leitor se depara com um texto digno de um gênio que dizem que Allen é, Puta com PhD, uma sátira com os romances noir, onde as prostitutas não vendem sexo, mas seu conhecimento literário.
“Morrer é uma das coisas que mais detesto fazer”. 

O texto seguinte também é bom, Morte, sobre um sujeito pacato (eufemismo para medroso) chamado Kleinman, é acordado de madrugada pelos homens da pequena cidade onde morava para caçar um serial killer que estava atacando na região. Depois desse texto, o que se vê é uma aridez criativa (ou seria excesso de criatividade? O problema estaria nesse pobre leitor ignorante?), escapando apenas mais um texto, Deus, sobre uma peça que se passa na Grécia Antiga que o autor não consegue escrever o final. Os outros nove textos são um amontoado de piadas sem graça, aquelas piadas tipicamente americanas em que somente os americanos riem. Se elas realmente são engraçadas, o resto da humanidade é parvo.