quarta-feira, 29 de março de 2017

Os cães ladram: pessoas públicas e lugares privados – Truman Capote

“As leituras por conta própria desempenharam um papel mais importante do que a instrução oficial, que foi pura perda de tempo e se encerrou quando completei dezessete anos...”.
Para o jornalista e escritor americano Truman Capote, tudo podia render uma boa história, desde que bem observado. Ele deu mostras disso ao escrever A sangue frio, o relato de um brutal assassinato cometido num vilarejo do extremo oeste do estado do Arkansas e que virou um marco da literatura americana do século XX, publicado em 1966. Em Os cães ladram: pessoas públicas e lugares privados, uma coletânea de relatos de viagens e rascunhos pessoais que cobre trinta anos da sua vida, publicado em 1973, Truman Capote fala de diversos locais por onde passou e os personagens que encontrou em cada um desses locais. A forma como as pessoas são descritas parece ao leitor que se trata de personagens de um livro. Mas algumas dessas pessoas eram (e ainda são) conhecidas do grande público, o que, em alguns casos, trouxe problemas para o autor.
“A morte de um sonho não é menos triste do que a morte e, realmente, exige de quem a sofre um lamento tão profundo quanto”.
A primeira parte do livro, Cor local, é composta por textos que o autor chama de “impressões imaturas” e fizeram parte de um livro publicado em 1951. São os relatos das viagens que autor fez ao redor do mundo e pelos Estados Unidos. No relato da viagem ao Haiti, onde esteve em 1948, Capote faz um relato fantástico das festas populares do país. Em Veneza, no mesmo ano, a paixão obsessiva de uma delinquente juvenil pela pessoa que acompanhava Capote obriga os dois a saírem da cidade às pressas. No ano seguinte, o autor esteve na ilha italiana de Ischia, onde teve a oportunidade de encontra, refugiados numa ilha deserta, o que sobrou da família Mussolini. Num dos bairros boêmios de Tânger, no Marrocos, chamado Petit Soko, Capote relatará a existência de personagens, que ele chama de “celebridades” locais, como Estelle, a prostituta que chegou de iate particular e foi abandonada no local; o dançarino Maumi; e Lady Warbanks, que já teria sido, num passado não especificado, considerada a mulher mais bonita de Londres.        
“Não há gênero de intolerância mais desgastante do que o resultante da condenação de características que você mesmo possui”.
Na segunda parte, intitulada As musas são ouvidas, nos dois primeiros textos, Quando os canhões se calam e As musas são ouvidas, Capote relata a viagem de um grupo de teatro americano á União Soviética, em dezembro de 1955, em plena Guerra Fria, apresentando a ópera Porgy and Bass. Entre relatos sobre a burocracia da viagem, como as dificuldades para entrar na URSS, o financiamento dos atores pelo Partido Comunista, já que o governo americano se recusou a patrocinar a viagem, Capote flana sobre tudo e todos. Descreve as apreensões dos artistas sobre possíveis escutas instaladas nos quartos dos hotéis, o cotidiano da companhia teatral numa terra estrangeira e sobre peculiaridades de cada um, o que levou muitos dos citados a descrevê-lo como um texto “apenas venenoso”.
“A arte e a verdade não são necessariamente compatíveis”.

Mas não foi assim que Marlon Brando reagiu a O duque em seus domínios. O relato que Capote fez da viagem ao Japão, em 1956, para entrevistar o astro que estava no país granando o filme Saionara. Foi pior! “Vou matar aquele cara!”, teria dito Brando quando soube do texto. Não matou. Mas o perfil traçado do astro de Hollywood é de um sujeito egocêntrico, entediado com o sucesso, mas que não consegue viver sem o clima de bajulação que se criou em sua volta. No prefácio Os cães ladram, Capote fala que Brando pode até “ser um gênio, mas não se distingue pela inteligência”. E volta a falar de Brando na terceira parte do livro, Observações, quando diz que nenhum outro ator levou “a falsidade intelectual a níveis tão altos de pretensão risível”. Sobra também para Bob Dylan, “um sofisticado (?) vigarista musical que finge ser um revolucionário sincero (?) e caipira piegas”. Nessa parte do livro Capote dispara sua metralhadora verbal. Disse que Greta Garbo era “uma mulher egoísta e cansativa” e que Elizabeth Taylor era essencialmente inocente por achar que, ao dormir com um homem, teria que, necessariamente, casar com ele. Capote acrescentou que ambas faziam do “encanto” uma profissão. André Gide é descrito como um “escritor desprovido de imaginação”, Jean Cocteau, uma figura “vigorosamente insincera” e Marilyn Monroe uma “divindade desleixada”, conquistada pelo cartão de crédito, cuja carreira progrediu “do cabelo pintado aos doze a um ou três maridos confiscados aos vinte”.        

quarta-feira, 22 de março de 2017

The 42nd Street Band – Renato Russo

Durante a juventude, Renato Manfredini Jr. foi acometido pela epifisiólise, uma doença rara que provoca fortes dores nos ossos. Entre os quinze e os dezesseis anos, o futuro astro do rock nacional foi obrigado a ficar preso a uma cama por causa de uma cirurgia mal sucedida (um pino foi aplicado sobre seu nervo) e nesse período de convalescência e ócio, escreveu a história de uma banda imaginária. Esses manuscritos ficaram longe dos olhos do público até o ano passado, quando foram reunidos pelo seu filho, Giuliano Manfredini, e lançado em livro durante as homenagens pelos 20 anos da morte do músico.
Todo escrito em inglês, o material estava disperso em cadernos e folhas soltas e deu origem a The 42nd Street Band, a história de uma banda inglesa homônima formada pelos primos Eric Russel (homenagem a Jean-Jacques Rousseau e Bertrand Russell, que Renato adotaria mais tarde como nome artístico, mudando-o para Russo), Jesse Philips e Nick Beauvy. Nos textos reunidos, Renato mistura realidade e imaginação, colocando na história personagens reais, como Mick Taylor, dos Rolling Stones, e fictícios. Como também faz referências a musicas e álbuns que existiram de fato.
É possível também observar um prenúncio do que viria a ser Renato como astro do rock nacional. Vestígios e traços das letras e nomes de músicas da banda imaginária apareceram mais tarde em músicas feitas pelo músico durante a sua carreira. Mas o livro é confuso. A narrativa, muitas vezes, começa e termina de forma abrupta, como também apresenta repetições e divergências de informações. Na “Nota Editorial”, no início do livro, esses “deslizes” são creditados ao fato do material ter sido encontrado “espalhado”. Mas a imagem que fica é a de que o livro é tão somente uma forma de ganhar algum dinheiro a mais com a imagem do músico, pegando uma carona nas homenagens dos 20 anos de sua morte. Em outras palavras, uma obra “caça-níquel”, perfeitamente dispensável.

No entanto, apesar de ser uma obra dispensável até mesmo para o mais apaixonado dos fãs do Renato e da Legião Urbana, como eu, o livro nos deixa duas conclusões sobre o músico. A primeira delas é que Renato Russo vivia e respirava música desde a mais tenra idade. A segunda conclusão é de que devemos comemorar a fato dele não ter se tornado escritor. Ganharíamos um romancista sofrível e perderíamos um músico genial.            

domingo, 19 de março de 2017

Há algo de podre no reino da Dinamarca

Há algo de podre no reino da Dinamarca. Hamlet talvez jurasse que o mau cheiro viesse do Planalto Central. Ele descobriu, tarde demais, que o cheiro pútrido vinha da sua cozinha, da sua panela, do seu prato. A carne que ele comprou, a mais cara da melhor marca, estava podre. Isso se Hamlet vivesse no Brasil do século XXI e comprasse carne em supermercado. Isso se Hamlet vivesse no Brasil e assistisse os comerciais dos frigoríficos falando em “carnes nobres e linguiça com 30% menos sódio” ou sendo convencido de que “a qualidade vai te surpreender”.
Se as investigações da Polícia Federal com a operação “Carne Fraca” estiverem certas, o que vai nos surpreender são as estratégias dos frigoríficos para aumentar seus lucros. E não estamos falando de matadouros clandestinos na periferia do país! Estamos falando de grandes frigoríficos, pertencentes a algumas das maiores empresas do ramo no mundo, que são donos de marcas conhecidas e líderes do mercado, como Sadia, Perdigão, Friboi, Seara, Swift. Estamos falando de marcas que gastam fortunas em comerciais com estrelas de renome e que tem (ou tinham) a confiança do consumidor.
Nessa semana, a Polícia Federal mobilizou 1.100 agentes para cumprir 309 mandados judiciais em sete estados, naquela que é considerada a maior operação da história da instituição. Os alvos eram os grandes frigoríficos do país. O que a investigação revela é um verdadeiro cenário de horrores. Se os vegetarianos já afirmavam que comíamos cadáveres, agora já podem afirmar que comemos cadáveres em decomposição.
Segundo a PF, algumas empresas (não citou quais) usavam ácido sórbico, uma substância cancerígena, para disfarçar o sabor da carne para os consumidores e utilizavam notas fiscais frias para que o produto fosse vendido como se tivesse em condições ideias para consumo. Além disso, injetavam água na carne para aumentar seu peso. Ou seja, além de podre, o consumidor não levava o que pagava. Sem contar o aproveitamento da carne de cabeça em linguiça suína, o que é proibido pela legislação; e a comercialização de carne contaminada com Salmonela, uma bactéria que causa diarreia, dores abdominais e febre. Em casos mais graves pode causar a morte.  
Mas nada disso diminuiu a vontade das empresas de aumentar os seus lucros. Nem a vontade dos fiscais, funcionários públicos que deveriam zelar pela qualidade dos produtos que seriam consumidos pela população, em levar algum tipo de vantagem ilegal. Parece ironia, mas umas das formas de propina oferecidas pelas empresas aos fiscais era carne. A mesma carne contaminada e vencida que era vendida aos consumidores. A desonestidade do fiscal corrupto era maior do que os cuidados com a própria saúde e a dos seus familiares. 

A soda cáustica no leite, o solvente na gasolina, o milho na cerveja, a farinha no remédio e o papelão no frango mostram que há algo de podre, muito podre nesse reino.   

quarta-feira, 15 de março de 2017

Meninos em fúria: e o som que mudou a música para sempre - Marcelo Rubens Paiva e Clemente Tadeu Nascimento

“O rock’n’roll é rebelião, não consumo!”
Fruto da parceria do jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva com o baixista e vocalista da banda punk Inocentes Clemente Tadeu Nascimento, Meninos em fúria: e o som que mudou a música para sempre, publicado em 2016, faz um registro da história do rock brasileiro, mais especificamente do punk. Originalmente, segundo o depoimento dos autores, a livro era para ser uma biografia do Clemente, um dos precursores do punk rock no Brasil. No entanto, por algum motivo não explicado (e acredito que nem eles saibam), o livro se transformou numa compilação de memórias dos dois: um velho punk de meia idade e um jornalista quase punk também de meia idade, ambos com muitas histórias para contar.
“Na ditadura, nossos pensamentos eram vedados, nossas palavras, mais ainda, mas nossos corpos eram livres. Nossos corpos e cabelos eram a nossa única possibilidade de expressão”.
Marcelo Rubens Paiva, veterano escritor, autor do best-seller Feliz ano velho (1981), mostra que é um competente contador de histórias e anedotas. Nos dois primeiros capítulos, Paiva de dedica a mostrar, sempre em primeira pessoa, a cena musical brasileira no final dos anos 70 e início dos anos 80. Por coincidência, na mesma época em que sofreu o acidente que o deixou paraplégico, tema do seu primeiro livro. Muito próximo do ambiente musical da época, ensaiava os primeiros passos como músico (e estudante universitário) quando sofreu o acidente. Esse fato, porém, não impediu Paiva de continuar frequentando os shows das bandas que surgiam.
“Algo difícil de explicar do mundo punk: o sucesso não interessava. O sucesso é burguês. Fazer sucesso é ceder”.

Já clemente é o fio condutor da narrativa. De origem humilde, sempre foi obcecado por música. Em 1978, aos quinze anos, iniciou sua carreira como baixista da banda Restos de Nada, considerada a primeira banda punk do Brasil. Em 1981, foi um dos fundadores da banda Inocentes, até hoje em atividade. Era uma época conturbada, além da repressão da polícia à qualquer movimento cultural que fosse visto como “subversivo”, os próprio punks também não se entendiam. As tretas entre os punks de são Paulo, entre os quais Clemente, com os punks do ABC eram frequentes. Como se fosse num bate papo numa roda de amigos, Marcelo Rubens Paiva e Clemente usam as próprias experiências para falar de uma época em que o país passava por intensas mudanças políticas, sociais, econômicas e, por que não dizer, musical também.   

domingo, 12 de março de 2017

O poder que usurpa, mata e tripudia

Não basta matar. Se possível, chute o cadáver, cuspa nele. Pise-o, se for o caso. Se não for suficiente para aplacar a sua vontade indisfarçável de tripudiar, vá ao velório, ria do morto apontando para aquela cara arroxeada e inexpressiva, típica dos cadáveres. Se tiver achando pouco, vá ao enterro, jogue a primeira pá de terra sobre o caixão e, após a última pá, jogada por algum parente ou amigo, pisoteie a cova para socar e endurecer a terra, evitando o impossível: o defunto escapar.
Não. Não é nenhuma manifestação de sadismo da minha parte. Também não estou a ameaçar quem quer que seja, muito menos dando conselhos macabros a ninguém. Mas, ao observar o comportamento (e as palavras) daqueles que nos governa, é assim que pensam quem deveria nos representar. O deputado Arthur Maia (PPS-BA), relator da proposta do governo para a reforma da previdência, falou na semana passada, para uma plateia de sindicalistas da CSB (Central dos Sindicalistas Brasileiros) que aposentadoria é “subsistência” e que quem quiser ter uma “vida melhor” depois de aposentado, faça outro tipo de poupança.
O grande problema é que, pela proposta apresentada pelo governo e que o deputado acima citado defende, não haverá tempo para o trabalhador subsistir. Serão necessários 49 anos de contribuição para ter uma aposentaria integral. Vira cadáver antes! Isso tudo com a justificativa de que a Previdência terá um rombo de R$ 180 bilhões somente esse ano. O deputado e o governo ignoram (ou não querem ver) que a inadimplência com o INSS chega a R$ 426 bilhões. Isso mesmo!!! Quase meio trilhão de reais!!!!
E quem deve? O trabalhador? Não! Empresas como a do próprio deputado Arthur Maia, a Lapa Distribuidora de Combustíveis, que deve ao INSS R$ 151,9 mil. Isso mesmo! O sujeito que quer acabar com o rombo da Previdência às nossas custas é devedor da própria Previdência. E ele não está só!
Estre as cem maiores devedoras do INSS está a empresa do senador Acyr Gurgacz (PDT-RO), a Eucatur, que deve R$ 480 milhões. Detalhe: o senador defende a reforma da Previdência. É uma oportunidade que ele tem de passar a dívida para os futuros cadáveres que hoje se esfalfam de trabalhar para sustentar seus calotes. Em tempo, o deputado “filósofo” Arthur Maia, que é proprietário rural e advogado, responde no STF por peculato e lavagem de dinheiro.
Inaugura-se a máxima: eu te devo, mas é você que me paga!
No dia seguinte ao discurso do deputado Arthur Oliveira Maia, foi a vez do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fazer uso da verborragia demencial ao afirmar que a Justiça do Trabalho “não deveria nem existir”. Segundo ele, as decisões “irresponsáveis” de juízes do trabalho quebraram o “sistema de bar, hotel e restaurantes do Rio de Janeiro”. O “gordinho mimado” precisa ser informado que TODO o Rio de Janeiro está quebrado e que Sérgio Cabral, Pezão, Eduardo Cunha, o próprio Rodrigo Maia, entre outros não são juízes do trabalho.

Colocam um nariz de palhaço no cadáver e ainda querem que achemos graça da brincadeira.  

quarta-feira, 8 de março de 2017

Medo e delírio em Las Vegas: uma jornada selvagem ao coração do sonho americano – Hunter S. Thompson

“Quando sentem que vão morrer,  os elefantes velhos cambaleiam até as montanhas; os americanos velhos, por sua vez, vão para as rodovias e rumam para a morte em carros imensos”.
O jornalista americano Hunter S. Thompson é considerado o criador do chamado Jornalismo Gonzo, onde o narrador se mistura com a ação, confundindo realidade e ficção. Já escrevi aqui, em 2014, sobre o livro Rum: diário de um jornalista bêbado, escrito em 1960, mas publicado apenas nos anos 90, baseado na experiência do autor quando foi enviado para Porto Rico como correspondente de uma revista de esportes. Medo e delírio em Las Vegas também é baseado numa viagem de Thompson, dessa vez para Las Vegas para cobrir uma tradicional corrida de motos. Publicado em 1970 na revista Rolling Stones em artigos, sai em formato de livro no ano seguinte. Em 1998, recebe uma versão para o cinema com Johnny Depp (Raoul Duke) e Benicio Del Toro (Dr. Gonzo).
“Numa sociedade fechada, na qual todos são culpados, o único crime é ser pego. Num mundo de ladrões, o único pecado capital é a burrice”.
O repórter Raoul Duke (alter ego de Thompson) é designado para cobrir uma corrida off-road em Las Vegas. Na companhia do seu advogado, um junkie samoano chamado Dr. Gonzo (inspirado no advogado mexicano Oscar Zeta Acosta), aluga um conversível vermelho e, munidos de um arsenal de drogas (LSD, mescalina, cocaína, haxixe, éter e muito álcool), cruzam o deserto desmistificando o sonho americano. Sempre alucinados devido ao consumo desenfreado de drogas e álcool, os protagonistas vão se metendo numa confusão atrás da outra. Como a grana da revista acabou antes mesmo da viagem começar, Duke não hesita em utilizar seus cartões de crédito sem crédito, acumulando dívidas astronômicas.
“A imprensa é uma gangue de covardes impiedosos”.

Com a mente encharcada de drogas e álcool, Duke tenta fazer o seu trabalho, mas só consegue se meter em repetidas confusões e não enxergar o sentido naquilo tudo. A poeira e a sede (além das drogas e do álcool) nublam sua visão do evento. Ao término da corrida, Duke é designado para outro evento, uma conferência nacional de promotores públicos sobre entorpecentes e drogas perigosas. Não sei por que, mas acho que ele e seu advogado samoano não seriam as pessoas mais indicadas para tal missão. Um livro memorável e uma das narrativas mais intensas e malucas que já li. É aquele tipo de obra que lê somente uma vez não é suficiente.      

quarta-feira, 1 de março de 2017

Assombro: um romance de histórias - Chuck Palahniuk

“É essa sopa de sangue, milho, merda, esperma e amendoim que flutua à minha volta. Mesmo com as tripas saindo pelo cu, eu segurando o que restou, mesmo assim minha primeira vontade é recolocar o meu calção de banho”. (Tripas)
O primeiro livro que li do Palahniuk foi Clube da luta (1996) e fiquei fã do escritor, dono de um estilo agressivo e transgressor. Depois li Sobrevivente (1999), No sufoco (2001) e Clímax (2014). Em todos eles não senti a mesma “pegada” do primeiro livro, mas continuei fã. Agora li Assombro, publicado em 2005, e vi o mesmo Palahniuk de o Clube da luta, talvez até mais agressivo e transgressor. O que me chamou a atenção para esse livro, além do fato de ser do Palahniuk, foi um artigo na internet que falava de 73 que passaram mal enquanto o autor lia Tripas, primeiro conto de livro, em suas turnês.
“Não importa quão imbecil seja uma ideia, estamos fadados a estar certos por que ela é nossa”.
Apesar do subtítulo, Assombro é uma coletânea de contos unidos por um enredo comum. Dezoito escritores são misteriosamente convidados para um retiro literário com duração de três meses. Durante esse período, ficarão completamente isolados para escrever o que poderia vir a ser uma obra prima. Encerrados num teatro (estavam proibidos de sair, mesmo que quisessem) à prova de fuga, os personagens-escritores, enquanto escrevem seus contos, vão se sabotando numa terrível luta pela sobrevivência e, o que é pior, pela fama, que viria quando saíssem do cativeiro.  
“Nossa maior alegria é quando vemos alguém que invejamos se dar mal. Não há alegria mais genuína”. (Canção de despedida)

O primeiro conto é o tão falado Tripas, que conta a história de um garoto que adora se masturbar no fundo da piscina enquanto a pressão da água descendo pelo ralo faz sucção no seu ânus. Apesar do desfecho grotesco e escatológico, não senti nada parecido com um desmaio. Mas é um conto fantástico! Outro conto que merece atenção especial é Fondue, que narra o que acontece quando uma pessoa é fervida viva. Na história que serve de elo para os contos, o canibalismo é algo recorrente (“A gordura brilha nos nossos queixos e nas pontas dos dedos” e “- Nossa, é dura, amarga”), como também as disputas (na maioria das vezes desleais) entre os escritores. Não dá para não perceber uma crítica aos realities shows e àquelas histórias edificantes de sobreviventes de desastres. É um livro FODA!