sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O professor botox e o jovem oligofrênico

Segundo pesquisa feita pela consultoria britânica Economist Intelligence Unit (EIU), encomendada pela Pearson, empresa que fabrica sistemas de aprendizado e vende seus produtos para vários países, o Brasil tem o penúltimo pior sistema de ensino do mundo, entre 40 países pesquisados. Só ganha da Indonésia, o que não é motivo de orgulho. O ranking é elaborado a partir de testes feitos com alunos em áreas como matemática, ciências e habilidades linguísticas. Todo brasileiro mais ou menos informado sabe que não é nenhuma novidade o fato de que a educação brasileira não presta e, o que é pior, não há perspectiva de melhora. A não ser nas cabecinhas burocráticas e bem refrigeradas dos técnicos dos gabinetes de Brasília.
Coincidentemente (será?), os países que alcançaram as melhores colocações do ranking (Finlândia e Hong Kong) valorizaram não apenas o professor, mas também uma “verdadeira cultura de aprendizado”, que inclui, além do professor, a escola como um todo e a família do jovem estudante. Isso também não é novidade! Mas a valorização por si só não tirará o professor da sua indigência intelectual. Isso é conversa de sindicalista que fica sodomizando nossos ouvidos com conversa fiada. Valorizar o professor, a escola e envolver a família no processo educacional é importante, mas tem dois aspectos que não podem ser excluídos do debate.
O primeiro deles é parar de tratar o professor como “coitadinho”, um desgraçado que foi mal formado, ganha uma miséria e, por isso, tem que ser tratado com condescendência. Afinal, “educar é uma missão” (frase odiosa!). E professor adora passar essa imagem! Talvez para não ser cobrado por sua incompetência  e preguiça. Professor tem que ser tratado como qualquer outro profissional, tem que ser capacitado adequadamente, remunerado devidamente e cobrado por seu desempenho. Quem quer ser missionário entre para uma igreja e vá fazer trabalho voluntário. À exceção daqueles que conseguem ficar imunes a esse espírito pauperista, a consequência dessa vitimização da categoria é uma horda de professores medíocres, preguiçosos e incompetentes. Digamos que uma subcategoria, o “professor botox”, aquele que parece resolver o problema, mas, percebe-se depois, só paralisa.
Outro aspecto é parar de tratar nossos jovens como débeis mentais inimputáveis, desprovidos de bom senso, valores e éticos e princípio de autoridade que tudo os “constrange”. Vou me atrever a fazer uma analogia bélica: quando um exército está perdendo uma batalha, seu comandante manda-o recuar para se reorganizar e partir de novo para o ataque. Com relação aos nossos jovens a tática não deve ser diferente. Estamos constatando in loco que as masturbações pedagógicas e psicológicas no trato com os nossos jovens não estão surtindo efeito. Esse “não me toque”, essa permissividade extrema está dando origem a uma geração formada por sociopatas oligofrênicos, que acha que pode tudo, menos cumprir com obrigações mínimas, como estudar e se preparar para o futuro.
Portanto, ao invés de Lei da Palmada, tira a lei, deixa a palmada. Quem na casa dos 30 ou 40 anos nunca levou umas boa palmadas e está vivo até hoje? Quem nessa mesma faixa de idade nunca trabalhou e estudou e continua vivo para contar sua história? Precisamos parar de tratar nossos jovens como se fossem de cristais! Temos que parar com essa história de que tudo representa “constrangimento” para esse exército de futuros delinquentes. Constrangedor é quem é obrigado a trabalhar com esses jovens e vê-los na sua arrogância juvenil fazendo o que bem entendem e arrotando direitos.
Quero deixar claro que me oponho à diminuição da menoridade penal, mas não concordo também com a forma permissiva como eles estão sendo tratados. As leis tem que ser duras para todos, inclusive para jovens. A continuarmos tratando nossos jovens dessa forma, nosso futuro já nascerá morto.

  

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O psicopata americano – Bret Easton Ellis

Quando li O psicopata americano, do norte-americano Bret Easton Ellis, de imediato fiz um paralelo com Diário do farol, do brasileiro João Ubaldo Ribeiro. Os dois personagens se parecem na crueldade com que tratam suas vítimas. A diferença é que Patrick Bateman, personagem de Ellis, é um promissor executivo de Wall Street e tem uma vida social agitada, flanando de festa em festa ao lado de bem-sucedidos yuppies nova-iorquinos que faturam milhões de dólares durante o dia. 
A verdadeira face de Bateman aparece junto com o tédio. Para relaxar, sai à noite matando mendigos, torturando prostitutas e todos aqueles por quem nutre algum desprezo (quase todo mundo). Aos 26 anos, Bateman é um homem culto, bem sucedido, mas arrogante na mesma proporção em que é cruel. Entre idas a locadora (o vídeo cassete ainda é um invento recente), cuidados patológicos com a aparência e carreiras e mais carreiras de cocaína, Bateman planeja como causar dores intensas nas suas vítimas, que podem ser mendigos, homossexuais, prostitutas, animais ou qualquer ser vivo que tenha sistema nervoso central para sentir dor.
Publicado em 1991, quando o autor tinha mais ou menos a mesma idade que o seu protagonista, O psicopata americano causou furor em toda a década de 90. Associações feministas e de direitos humanos condenaram o livro. A editora que inicialmente iria editá-lo voltou atrás, cedendo às pressões. Enfim, um livro que mostra a crueza da realidade normalmente choca. Esse foi o caso do livro de Ellis! Em 2000, foi adaptado para o cinema com Cristian Bale interpretando Bateman. Merecidamente, um best-seller...

  

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Cinema nacional: O palhaço

Quando assistimos a um filme sobre a vida de um palhaço, imaginamos logo que se trata de uma comédia. Não é o caso de O palhaço (2011), segundo trabalho de Selton Melo como diretor (o primeiro foi Feliz Natal), que é um misto de drama e humor. Interpretando o personagem-título, Benjamim (ou Pangaré), um palhaço sem carteira de identidade, CPF e comprovante de residência, Selton Melo aborda um tema universal, a busca da identidade própria, mas num universo bastante particular, o mundo do circo.
Benjamim trabalha no Circo Esperança, interpretando o palhaço Pangaré, que forma dupla com seu pai, Valdemar (Paulo José), o palhaço Puro-Sangue. No entanto, Benjamim passa por uma crise existencial, mesmo interpretando um personagem engraçado, ele não vê graça no que faz. Pangaré é um palhaço que não rir! Todo seu conflito resume-se em uma das suas falas: “Eu faço as pessoas rirem, mas quem me faz rir?”. Sempre tentando comprar um ventilador (minha profunda cultura filosófica não conseguiu entender a complexidade por trás da obsessão de Benjamim por um ventilador), conseguindo pela falta dos documentos, o palhaço resolve largar a trupe e resolver seus problemas existenciais.
Cheio de mensagens subliminares, o filme, por trás do drama existencialista de Benjamim, abre espaço para uma homenagem ao humor brasileiro e à família circense. É um filme que diverte e emociona, talvez seja essa a intenção de Selton ao intercalar momentos de dramas com momentos de humor. É um filme bem feito, graças não apenas à competência de Selton como diretor, mas principalmente pela força do elenco, com uma interpretação impecável de Paulo José e um elenco de apoio que não decepciona.    

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A banalização do heroísmo

No Rio Grande do Sul, um garoto de 12 anos devolveu a carteira recheada de dinheiro a sua legítima proprietária. Foi eleito o herói da semana! No Distrito Federal, a Câmara Distrital aprovou Projeto de Lei que recompensa quem denunciar atos de corrupção com dinheiro público. É o herói remunerado! Uma sociedade que ascende a categoria de herói quem simplesmente agiu com honestidade, é um sinal de que essa mesma sociedade está doente. A desonestidade está tão impregnada nos nossos “valores”, que quando alguém age de forma honesta recebe o tratamento de herói.
Ser honesto não deve ser obrigação, mas princípio. Não se deve agir honestamente por medo de punição ou por que vai ser remunerado, mas esse valor tem que está arraigado em cada um de nós, como algo inerente a nossa conduta. Temos que inverter os valores, trocar a banalização da desonestidade, tão em voga na nossa sociedade enferma, pela banalização da honestidade, algo raro nos dias de hoje. Estamos tão acostumados ao “passar o outro pra trás”, “levar vantagem em tudo”, “ganhar a qualquer custo”, que quando nos deparamos com o simples ato de alguém devolver algo ao seu legítimo dono, nos comovemos.
A sociedade brasileira agoniza. Quando vemos um esperto enganando um tolo, pode está certo que o tolo caiu no “conto do vigário” estimulado pela sua própria cobiça, pela gana de ganhar fácil. Vibramos quando vemos um político punido por suas desonestidades (fato raro!), mas a classe política cínica, descarada e sem-vergonha é meramente um reflexo dos valores da sociedade cínica, descarada e sem-vergonha que o elege e reelege. Herói é quem abre mão da sua individualidade em nome da coletividade sem esperar nada em troca. E isso não temos visto por essas paragens!  Nossa sociedade está na UTI e sem previsão de alta, com sérios riscos de óbito. Nesse caso, não sobrarão heróis para contar a história. 

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A trégua – Mario Benedetti

Narrado em forma de diário, A trégua, do uruguaio Mario Benedetti, publicado em 1960, conta a história do cinquentão e viúvo Martin Santomé, funcionário de uma importadora de autopeças e pai de três filhos adultos, com quem tem uma relação acidentada. Passadas duas décadas da morte da esposa e a alguns meses da aposentadoria, Martin vê sua vida se esvaindo sem que nada de novo aconteça. Sua vida se resume às relações burocráticas no ambiente de trabalho e com seus três filhos: Esteban, o mais arredio; Jaime, sensível e inteligente, mas não honesto; e Blanca, a mais parecida com Martin (“Ela também é uma triste com vocação de alegre”).
A vida de Martin toma outro rumo com a chegada no escritório da recém contratada Laura Avellaneda, bem mais jovem que ele e com “traços definidos, de gente leal”. É com ela que Martin descobre que a vida não acabou, que é capaz de amar de novo e que não está “ressequido” afetivamente, como imaginava após a viuvez. Tomando coragem para enfrentar os colegas de trabalho e, principalmente, os filhos, estabelece uma relação pautada na liberdade e falta de planos e de promessas com a jovem bem mais nova e de hábitos simples.
A história de amor entre Martin, o cinquentão, e Laura, a jovem simples, serve de pano de fundo para expor os vários conflitos de Santomé com ele mesmo e com os outros, notadamente os filhos. Chamo a atenção para o primor da passagem do diário em que Martin questiona a existência de Deus: “Graças a um impulso do coração, posso acreditar em Deus e acertar, ou não acreditar em Deus e também acertar. E então? Talvez Deus tenha uma face de crupiê e eu seja apenas um pobre-diabo que joga no vermelho quando dá preto, e vice-versa.”
Considerado como uma das principais obras-primas da literatura latino-americana do século XX, A trégua é considerado a principal obra do autor, um dos grandes nomes da literatura na América do sul. Mesmo escrito há mais de meio século, é uma obra atual e definitiva. 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Cinema Nacional: Somos tão jovens

A produção de 2011, dirigida por Antônio Carlos da Fontoura e roteirizada por Marcos Bernstein, Somos tão jovem tanto poderia ser a história da evolução musical de Renato Manfredini Jr., como de fato é, como poderia ser a história do rock brasiliense dos anos 80. Lá estão ídolos de várias gerações como o próprio Renato Russo, Herbert Viana, Dinho Ouro Preto e Philippe Seabra.
Chama a atenção de quem assiste a semelhança de alguns atores com o ídolo que interpreta, como é o caso dos atores que interpretam Dinho e Philippe Seabra. Inclusive Thiago Mendonça, que além da aparência física, conseguiu captar traços característicos de Renato, como os gestos com as mãos, a mania de ficar ajeitando os óculos e o jeito romanceado de falar.
O filme começa com Renato acamado por causa de uma doença degenerativa. E é essa ociosidade que contribui para o surgimento do poeta. Seguindo uma linearidade cronológica, o filme começa em 1976, um pouco antes da formação do Aborto elétrico e mostra um Rento Russo punk, adolescente ainda, indignado com o “sistema”. Depois de muita busca por um estilo próprio, inclusive como “trovador solitário”, Renato acerta o passo ao criar com Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá a Legião Urbana.  
O filme é repleto de licenças poéticas, o que não diminui em nada os seus méritos. Uma dessas licenças poéticas é a personagem Aninha, grande amiga e confidente de Renato, que não realidade nunca existiu. Na verdade, como admite o roteirista do filme, Aninha é um amálgama de várias garotas que foram importantes na vida de Renato.
Outra licença poética está no momento mais emocionante do filme, quando Renato interpreta pela primeira vez Ainda é cedo como um pedido de desculpas a Aninha. Há controvérsias sobre o que inspirou Renato. A irmã de Renato, Carmen Teresa, “ouviu dizer” que era a cocaína, e não alguma menina, a inspiração para a música. Já Philippe Seabra, vocalista da Plebe Rude, afirma que a música foi feita para uma ex-namorada de Ico Ouro Preto, ex-guitarrista da Legião.
Licenças poéticas a parte, Somos tão jovens é um filme que vale a pena assistir, principalmente quem gosta de rock dos anos 80. E mesmo se não gostar, vale a pena assistir para conhecer a vida daquele que é um dos maiores ícones do rock nacional e ídolo de muitos que já estão na casa dos 40, como eu. E de muitos que tem menos de 40, bem menos...

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Geração nem-nem

Segundo pesquisa do IBGE, feita em seis capitais (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de janeiro, São Paulo e Porto Alegre), 19,4% dos jovens entre 16 e 24 anos não estuda e nem trabalha. Ou seja, de cada cinco jovens nessa faixa etária, um não faz nada, vive às custas dos pais ou da assistência social. É o que os especialistas chamam de “geração nem-nem”, nem trabalham nem estudam. Se quiser, pode adicionar mais um “nem” aí: nem procuram trabalho. Nesse caso, o percentual cai para 14,7%. Mas a má notícia é que há dez anos o percentual dos três “nens” era de 14,5%. Houve um discreto aumento, mas houve. São quase 6 milhões de pessoas em idade economicamente ativa, mas que, por alguma razão, estão sem fazer nada.
Os números do IBGE divergem dos apresentados pelo IPEA e pelo Instituto Pereira Passos, mesmo que por uma pequena margem, mas isso não muda a realidade. Para um país que se pretende em desenvolvimento e cujo empresariado “caça” mão-de-obra qualificada isso representa um desastre não apenas para o presente do país, mas, principalmente, para o futuro do país. Isso pode significar atraso e estagnação econômica num futuro muito próximo. A situação se agrava um pouco mais quando esse jovem que está fora da escola e do mercado de trabalho é do sexo feminino, pois um dos principais fatores para o abandono da escola e por não estar trabalhando é a gravidez. Ou seja, além de não contribuir economicamente, ainda traz mais uma “boca” para alimentar.
Não sou especialista na área, mas como trabalho com jovens vejo cotidianamente a sua apatia com relação à educação e a qualificação para o mercado de trabalho. É como se isso não fizesse parte do seu “mundo”. E esse desinteresse começa bem antes da faixa etária analisada pela pesquisa. São adolescentes de 13, 14 anos que não tem interesse por nada que signifique preparação para o futuro.
Para os especialistas, a educação seria o caminho para resolver o problema de invalidez mental apresentado por nossos jovens. Mas observa-se que a escola é o problema! Dotada de “mestres” com uma inteligência anêmica, a escola transformou-se num meio onde predomina uma indigência intelectual que preocupa. Infelizmente, a escola tem sido para esses jovens apenas um local de interação social, não um ambiente de busca do conhecimento, mesmo por que conhecimento é gênero em escassez nas escolas.
A depender do nível da educação brasileira para resolver o problema do ócio juvenil, fatalmente teremos um geração perdida, o que pode fazer do Brasil um país sem futuro...

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Depois do último trem – Josué Guimarães

Nessa novela, escrita em 1973, Josué Guimarães ambienta a história numa cidade fictícia do interior do Rio Grande do Sul, o que é uma constante nos seus textos. Depois de uma longa ausência, Eduardo retorna para Abarama, que está ameaçada de ficar submersa por uma represa. Por absoluta coincidência, o tema tratado no post anterior sobre o filme Narradores de Javé era sobre uma cidade do interior ameaçada por uma represa. Voltando ao livro... o ambiente encontrado por Eduardo é de completo abandono, praticamente um cemitério de almas e casas abandonadas.
Eduardo passa a recordar a sua vida na cidade quando ainda morava com seu tio Lucas, por quem ele nutria ódio e desprezo por ser o velho um difamador da vida de todos, que ele conhecia por ser o chefe do trem da única estação da cidade. Com o tempo, o seu pai calado sumiu, a sua mãe bondosa morreu e todos iam abandonando silenciosamente as suas casas, sem aviso ou adeus. Restaram apenas Eduardo, o seu odiado tio e alguns poucos moradores.
Como se trata de uma história circular, o leitor não sabe ao certo onde começa e onde termina a história, nem tampouco se toda a história se trata de um sonho de Eduardo ou se são lembranças reais. Como é praxe em suas narrativas, Josué Guimarães lança mão de uma apurada técnica narrativa para dá voz ao estado de espírito dos últimos habitantes de Aburama. Um clássico e uma leitura obrigatória, mas saborosa...  

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Cinema nacional: Narradores de Javé

Uma cidadela no meio do nada ameaçada pela construção de uma represa cujo lago inundará o pequeno vilarejo. O que fazer para salvá-la das águas? Essa é a história de Narradores de Javé, uma produção de 2003, dirigida e roteirizado por Eliane Caffé, em parceria com Luiz Alberto de Abreu. A única saída para os moradores da pequena Javé é provar que a cidade possui um valor histórico que necessita ser preservado. Para isso, precisam colocar no papel as histórias que são contadas boca a boca de uma geração a outra. O grande problema é que a maioria dos habitantes da cidade é analfabeta. Como resolver tal problema.
Entra em cena Antônio Biá, interpretado magistralmente por José Dumont. O malandro Biá é um ex carteiro, banido da cidade por inventar histórias sobre os habitantes da cidade e conta-las, através de cartas, para outras pessoas de outras localidades, evitando o fechamento do posto dos correios na cidade e preservando seu emprego. Na busca por escrever a tal história, Biá se depara com os mesmos episódios sendo contados de diferentes formas, o que torna sua missão impossível. Essa é a parte mais engraçada do filme: a forma como os fatos são narrados de forma tão díspares de acordo com o grau de parentesco que o narrador tem com o “herói” Indalécio, pretenso fundador do vilarejo.  
É nesse contexto e de forma hilária, que o filme aborda temas como a formação cultural de um povo, suas crenças, valores, a dimensão da escrita e da fala, oposição entre memória, história, verdade e invenção. Tudo narrado por Zaqueu (Nelson Xavier), anos depois dos fatos acontecidos, ou seja, nada garante que sua história não seja uma versão baseada em outras histórias constadas oralmente. Um bom filme... 

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Maconha é drink

Final de tarde. Trânsito movimentado, calçadas cheias de pedestres. Sinal fechado e eu pensando na vida, esperando que abrisse. Olho para minha esquerda, na calçada, a cinco metros de mim, dois rapazes com idades entre 25 e 30 anos, com o uniforme da empresa onde trabalham esperando o ônibus que o levariam ao “trampo”. E o que faziam, além disso? Ah, enquanto batiam papo fumavam um cigarro de maconha, um “baseado”. Sinceramente, não me choquei. Só me convenci ainda mais que não há razões para proibir a maconha.
Deixo bem claro que não acho que maconha não faz mal. Faz! Mas o cigarro e o álcool também fazem e não são proibidos. Maconha é droga! O cigarro e o álcool também são e não são proibidos. Então por que a maconha é? Não faço uso recreativo (nem outro uso qualquer) da Cannabis, mas defendo a sua legalização. Acredito que a repressão não diminuiu nem vai diminuir o consumo da substância. Mas se legalizar não vai aumentar o consumo? Não necessariamente! Esclarecendo que por legalização não devemos entender o “liberou geral”. Não! Devem ser adotadas medidas restritivas para inibir o consumo da droga, a exemplo do que é feito com o tabaco.
Por falar em tabaco, vamos pegá-lo como exemplo. O cigarro é legalizado. Certo? Mas há medidas que inibem o seu consumo: proibição para menores, restrição de locais onde é permitido fumar, alta taxação, limitação da propaganda tabagista e campanhas educativas. E isso adiantou? O consumo diminuiu? Sim! (finalmente um “sim”). Segundo pesquisa feita pelo Instituto Nacional do Câncer em parceria com a Universidade Georgetown, dos EUA, o número de fumantes no Brasil caiu pela metade em 20 anos. 33% da população maior de 18 anos fumava em 1989, em 2010 esse percentual caiu para 16,8%.
Voltando para a maconha. Hoje a maconha vive num limbo pernicioso para a população. Ninguém será preso por fumar um cigarro de maconha na esquina, mas ela continua proibida, alimentando o caixa dos traficantes (apenas o tráfico é proibido). Então por que não legaliza-la e adotar medidas restritivas semelhantes as adotadas com o cigarro? Além de não alimentar o tráfico ilegal, arrecada-se com impostos e não joga seu consumidor na marginalidade. Dá um “tapa” hoje virou social, maconha é drink, a única coisa que explica mantê-la na ilegalidade é o preconceito que não se tem com o tabaco e álcool, duas drogas tão ou mais nocivas que a cannabis...   

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Os tambores silenciosos – Josué Guimarães

Sétimo livro do escritor gaúcho, lançado em 1977, Os tambores silenciosos tem algo em comum com outros romances de Josué Guimarães: se passa numa cidade fictícia no interior do Rio Grande do Sul. Dessa vez a cidade é a pacata Lagoa Branca, que faz limites com Cruz Alta, Passo Fundo, Rio Pardo e Taquari. Estamos na semana da pátria de 1936 e o prefeito tem uma preocupação: fazer os habitantes da cidade “felizes”. Entre os preparativos da comemoração do sete de setembro, o prefeito não mede esforços para atingir seu objetivo maior.
O Coronel João Cândido é o típico prefeito de cidade interiorana nos anos 30: é ele quem manda! Com o “nobre” objetivo de fazer seu povo “feliz”, o prefeito proíbe os jornais da capital de circularem, a posse de aparelhos de rádios e censura a correspondência de todos os cidadãos da cidade. O desrespeito a essas normas era punido com prisão. Os mendigos eram expulsos da cidade e, às vezes, jogados no rio. O objetivo do prefeito era evitar que os cidadãos de Lagoa Branca tomasse conhecimento das notícias do mundo: guerras, fuzilamentos e epidemias.
Chama a atenção o rol de personagens elencados por Josué Guimarães: João da Lagoa, o sacristão que vive de promover intrigas; Doutor Lúcio, o político e intelectual bajulador; o pérfido inspetor Paulinho, as irmãs Pilar, solteironas fofoqueiras, que vivem espionando a cidade através de um binóculo. O curioso é que não há heróis, os personagens são políticos medíocres e corruptos, mulheres infiéis e policiais violentos. Todos com algo em comum: a ambição.
Nessa obra, Josué Guimarães usa do humor e do cinismo para criar um microcosmo com todos os tipos possíveis de ser encontrados na sociedade brasileira dos anos 30. Uma obra-prima no melhor estilo do realismo fantástico. 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Cinema nacional: Segurança nacional

Cheio de clichês e incoerências. Assim eu definiria em poucas palavras o filme Segurança nacional, uma produção de 2006 do diretor Roberto Carminatti. Uma mistura canhestra do seriado 24 horas e do filme Duro de matar. O problema é que Segurança Nacional é duro de assistir! Ah! Poderia dizer também que o filme é de um ufanismo ingênuo gritante. Era para ser um filme de ação, mas faz rir mais do que muita comédia. A um custo de R$ 5 milhões, o filme foi produzido em 2006, mas finalizado apenas em 2010. Tanto tempo para tão pouco filme...
O Brasil está sob o ataque de terroristas/traficantes que ameaçam explodir uma bomba com alto poder de destruição em Manaus para forçar o governo brasileiro a desativar o SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia). Nesse momento, entra em cena o agente Marcos Rocha (Thiago Lacerda), considerado o melhor homem da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), uma espécie de Jack Bauer capenga ou um John McClane mal acabado. O autor das ameaças é o colombiano Hector Gasca (Joaquín Cosio) uma caricatura de traficante que vê todas as suas tentativas de ataque ao Brasil serem desmascaradas pelo mocinho da ABIN.  
O filme é recheado de situações inverossímeis, como a ocasião é que o traficante terrorista liga para o Palácio do Planalto e consegue falar diretamente com o presidente da República como quem liga para o quitandeiro da esquina para encomendar-lhe uma barra de sabão. Ou quando o presidente chega numa escola primária, cumprimenta as crianças e depois faz um discurso sobre terrorismo e como é dever de todos defender país. Será que as criancinhas terão que pegar em armas e correr atrás de terroristas?
Clichês não faltam! Tem a mocinha virginal que é apaixonada pelo mocinho que dedica tempo integral à defesa da nação (claro que com fundo musical); essa mesma mocinha virginal vai ser sequestrada pelo vilão e será salva das mãos do perigo pelo seu herói tupiniquim; tem o vilão desalmado na mesma proporção em que é atrapalhado que levará a pior no final. Tem de de tudo em Segurança nacional, menos um bom filme...

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O papa não é pop, é Francisco!

Confesso que o Papa me seduziu. Não! Não vou deixar de ser ateu. Deus continua sendo uma lenda para mim. Mas o Papa Francisco me seduziu. Dos papas que conheci (os outros foram João Paulo II e Bento XVI), Francisco foi o que teve o discurso mais próximo da realidade concreta dos simples mortais, distanciando-se dos discursos voltados para o paraíso Post mortem, típicos dos líderes religiosos. Não que o seu discurso não tenha esse componente, mas há trechos mais realistas nas suas falas.
Não acredito que Francisco vá promover mudanças radicais na doutrina católica. Não acredito que a Igreja tão cedo venha abençoar o casamento gay, nem tampouco permitir a ordenação de mulheres, muito menos rever o celibato clerical. Apoiar pesquisas com células-troncos? Nem pensar, pelo menos nas próximas décadas. Você está se perguntando o que me seduziu no papa Francisco se ele não vai mudar a postura da Igreja com relação a temas tão polêmicos. O que me seduziu é que, com ele, a postura da Igreja irá mudar, pelo menos na relação com ela mesma, na resolução dos seus problemas intestinos, como a corrupção e o envolvimento de padres com a pedofilia. Se bem que com relação aos homossexuais, o discurso de Francisco é sutilmente diferente dos discursos dos papas anteriores. 
O que me surpreende no Papa Francisco é o viés político dado a temas do cotidiano, como miséria, muito diferente dos discursos de João Paulo II e Bento XVI. Suas mensagens não são apenas teológicas, mas políticas, defendendo a presença da Igreja nas camadas populares, postura defendida pelo teólogo Leonardo Boff quando ainda era sacerdote. Observa-se que o Papa Francisco adotou uma postura agregadora como forma de atrair para as hostes católicas todos aqueles que não aceitam o caráter conservador da Igreja, principalmente os jovens. Vê-se o caráter agregador do Papa Francisco nas referencias às outras religiões. Não há críticas! Ele deixa bem claro que as outras religiões são parceiras na busca por um mundo melhor.
Mesmo não sendo católico, muito menos cristão, desejo vida longa ao Papa Francisco, um líder religioso que busca pela via diplomática o caminho para um mundo menos injusto.