quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O cheirinho do amor: crônicas safadas – Reinaldo Moraes

O mais recente livro de Reinaldo Moraes, publicado no ano passado, é, como o título afirma sem sombra de dúvidas, de crônicas. Mais especificamente crônicas safadas, enfatize-se. Mesmo que essa ênfase não se faça necessária quando se trata de Reinaldo Moraes, o tarado, o degenerado, o canalha, como apregoam aqueles mais puritanos que ousam ler seus textos. O cheirinho do amor: crônicas safadas reúne 36 textos que foram publicados na revista Status entre março de 2011 e maio de 2014, com exceção de O desejo em dois tempos, que não foi publicada, muito provavelmente, por razões óbvias.
A linguagem é direta, como em Catherine, Serge et moi, que começa com a sentença: “Homens não podem fingir um orgasmo se não estiverem de pau duro.” Mais direta e definitiva impossível. Além da linguagem direta, outra característica de Reinaldo é conseguir estabelecer uma relação entre qualquer assunto e sexo. Na crônica que dá título ao livro, Cheirinho de amor, a simples compra de um bacalhau remete o autor à parte da anatomia feminina que ele mais aprecia. E conclui: “Enquanto tem olfato, o ser humano tem tesão”.
Entre referências a Philip Roth, Baudelaire, Serafim Ponte Grande, Cortázar e até mesmo as aventuras sexuais do piloto de Fórmula Um James Hunt (1947-1993), os “delírios reinaldianos” falam de sexo tântrico, tatuagens anais, transexualidade e até o tão mal falado “papai-e-mamãe”. O cheirinho do amor: crônicas safadas não é o tão esperado novo romance de Reinaldo Moraes depois do badalado Pornopopéia, mas vale a pena ler pelo nada simples fato de ser mais um livro de Reinaldo Moraes.

domingo, 27 de dezembro de 2015

Umidade – Reinaldo Moraes

Em 2005, Reinaldo Moraes publica Umidade, com dez contos, seu quarto livro, mas o primeiro de contos. Uma curiosidade é que Pornopopéia, que seria lançado em 2009, era o décimo primeiro conto desse livro. Como era muito longo (60 páginas), o editor Luiz Schwarcz falou que estava mais para “romance inacabado” do que para conto. “O que vou fazer com esse romance inacabado? Acabar!”, pensou Reinaldo, dando origem ao seu melhor livro, em minha opinião.
Mas voltando à Umidade. O conto que dá título ao livro traz a história de Liminha, um jovem profissional da “nova economia”, bem sucedido nos negócios, mas que tropeça nos seus ideais de mauricinho por causa de Mariana, “a mulher mais gostosa do cone sul”, segundo ele próprio, uma criatura virginal sempre vigiada de perto pela mãe, uma matrona portuguesa que quer a todo custo preservar a pureza da filha.
No primeiro conto, Love is..., Nóris nos mostra que pior do que marido, só ex-marido. Fantástico é o diálogo entre Horácio e Maria Helena em Sildenafil. Com anos de casamento no currículo, os dois conversam na cama antes de Horácio tomar o Viagra. Porém, antes mesmo do remédio fazer efeito, uma discussão sobre neuroses e picuinhas do casamento destrói um possível bom desfecho da noite. Em Bijoux, Edu, depois de levar um pé na bunda da namorada, acredita que se deu bem ao achar uma carteira cheia de euros no aeroporto e sair com dois mulherões.
Os personagens de Reinaldo Moraes são tipicamente de classe média, com sonhos que, geralmente, se transformam em pesadelos (se já não o são). Como diz Marcelo Mirisola na orelha do livro, o habitat natural desses personagens “é uma imensa e úmida colônia de bactérias morais chamada ‘classe média’”. 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Tanto faz & Abacaxi – Reinaldo Moraes

O primeiro livro que li de Reinaldo Moraes foi Pornopopéia (2009), que despertou em mim a curiosidade de conhecer outros livros desse fantástico (e divertido) escritor paulista. Em março de 2012 eu falei aqui no blog sobre Pornopopéia, “uma baixaria de alto nível”. E os outros livros de Reinaldo Moraes não diferente, uma baixaria em alto nível e divertidíssima. Em 2011, a Companhia das letras editou, através do selo “Má companhia”, dois dos primeiros livros de Reinaldo, Tanto faz (1981) e Abacaxi (1985), um a continuação do outro.
Em Tanto faz, Ricardo de Mello, o “herói” da história, larga o emprego burocrático em São Paulo e vai morar em Paris com uma bolsa de estudos. Durante 12 longos meses, Ricardo, flanando por Paris, faz tudo menos estudar. Bebe em doses cavalares, consome drogas em quantidades industriais, ouve música, namora, filosofa e até tenta escrever, seu objetivo maior, mas o resultado não é satisfatório. Na época do lançamento, um artigo negativo sobre o livro, em que o jornalista perguntava qual seria a “misteriosa entidade que o alimenta de dólares – naturalmente arrancados do contribuinte brasileiro”, fez as vendas estourarem.
Até que chega o momento de Ricardo voltar ao Brasil e prestar contas dos seus “estudos”. Essa volta para casa é narrada em Abacaxi, de 1985. Com uma “ressaca heroínica”, Ricardo embarca para São Paulo com baldeação em Nova York. A narrativa desse segundo romance é mais intensa, concisa e mais, muito mais escatológica, recheada de cenas de sexo, com direito a todo tipo de jorros e fluidos. Uma curiosidade de Abacaxi é que na versão original o nome do “herói” era Quincas, sendo mudado para Ricardo na Reedição de 2011, uma vez que um é continuação do outro. Esse é Reinaldo Moraes, o Imoral!

domingo, 20 de dezembro de 2015

Anarquistas graças a Deus – Zélia Gattai

Filha de imigrantes italianos que chegaram ao Brasil no início do século XX, a escritora Zélia Gattai resolveu transformar em livro os “causos” que envolveram a saga dos Gattai em busca de uma sociedade sem propriedade privada, sem religião e sem governo. O resultado é a saborosa narrativa, misto de romance e autobiografia, Anarquistas graças a Deus, publicado em 1979 e transformado em minissérie pela TV Globo em 1984.
Ernesto, o pai anarquista, e Angelina, a mãe dona-de-casa que nunca aprendeu direito o português, mas que adorava fazer uma “fezinha” no jogo do bicho a partir das interpretações dos sonhos de todo mundo, se estabeleceram na Consolação, onde tinham uma oficina mecânica. Na narrativa, Zélia conta as travessuras de crianças ao lado dos irmãos mais velhos, Remo, Vanda Vera e Tito, a empregada Maria Negra e os colegas de infância.
Alternando com os “causos” domésticos, Zélia retrata uma São Paulo dos anos 20, onde os bondes e os cavalos ainda predominavam como meios de transporte. Nos conta também fatos históricos vivenciados pela autora, como a Revolução Tenentista de 1924. Com uma narrativa saborosa e, até certo ponto, poética, Zélia Gattai nos dá uma panorama histórico da São Paulo que começava a se transformar na metrópole de hoje, como também nos mostra o quanto de romantismo político havia nos imigrantes que chegavam da Europa em busca de uma vida melhor.   

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A casa das sete mulheres – Letícia Wierzchowski

Uma obra que expressa sentimentos que oscilam entre o amor e a guerra, a brutalidade e a sutileza, os encontros e os desencontros. A casa das sete mulheres, da gaúcha Letícia Wierzchowski, ao lado de romances do também gaúcho Tabajara Ruas sobre a Revolução Farroupilha (1835-1845), foi feito para ser um clássico. Pena que só ficou famoso após virar minissérie da Rede Globo, em 2003.
As vésperas da Revolução Farroupilha, o general Bento Gonçalves, líder dos rebeldes gaúchos contra as forças do Império, envia todas as mulheres da família para a Estância da Barra, pertencente à família. No dez anos que dura a guerra, Antônia, Caetana, Rosário, Ana, Perpétua, Manuela e Mariana vão viver as angústias de ter os seus homens (maridos, filhos, irmãos, cunhados) na guerra.
A narrativa do livro se divide entre a vida na Estância da Barra e o diário de Manuela, onde ela derrama todo seu amor por Garibaldi. Além dessa paixão arrebatadora, Letícia narra de forma poética os desencontros de Rosário e Steban, o fantasma por quem se apaixona; o amor equilibrado de Caetana por Bento Gonçalves; a resignada solidão de Ana: a felicidade de Perpétua, que encontrou o amor em meio a guerra.
Com uma reconstituição história perfeita, o romance enfatiza o caráter conservador da educação das meninas filhas dos estancieiros gaúchos no século XIX. Mas, a despeito dessa educação, elas se mostram mulheres fortes na adversidade. Grande parte da bravura dos combatentes gaúchos está na força de suas mulheres. Enfim, uma obra-prima da literatura brasileira que a TV não conseguiu estragar.