domingo, 29 de maio de 2016

Bandidos – Elmore Leonard

Quando publicou Bandidos, em 1987, Elmore Leonard, escritor norte-americano falecido em 2013, não escondeu que a sua intenção era criticar o governo americano pelo apoio financeiro dado aos “Contras” na Nicarágua. De Acordo com o autor na época, “os Estados Unidos têm um histórico para ficar do lado errado”.  Esse é o seu 24º livro e um dos pouco que não teve adaptação para o cinema.
Jack Delaney é um ex-presidiário que resolve recomeçar a vida trabalhando na funerária do seu tio. Numa das viagens para buscar um corpo no hospital de leprosos conhece Lucy, uma ex-freira americana engajada nas causas dos povos do terceiro mundo e encrencadíssima. Na verdade, quem eles retiram do hospital é uma jovem que foi seduzida pelo coronel Dagoberto Godoy, um assassino de camponeses na Nicarágua que está nos Estados Unidos para matar a jovem resgatada, a quem atribui responsabilidade de ter lhe passado a lepra.
Mas Godoy não está atrás apenas de vingança. Ele está nos Estados Unidos em busca de dinheiro para financiar os “Contras”, grupo guerrilheiro que combatia o governo Sandinista com o apoio do governo americano. O objetivo de Lucy é, além de salvar a pele da jovem ameaçada, se apossar do dinheiro arrecadado pelo coronel. E, claro, contará com a ajuda de Jack, um jovem adepto da teoria de que ganhar dinheiro fácil é bem melhor do que trabalhando. Jack só não sabia que o destino que Lucy queria dá ao dinheiro não era o mesmo que o seu.      

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Sangue nas veias – Tom Wolfe

A Miami do início do século XXI é um caldeirão étnico e cultural, onde o americano WASP (acrônimo que em inglês significa “branco, anglo-saxão e protestante”) disputa cada centímetro com os latino-americanos. Esse é o cenário de Sangue nas veias, ultimo romance do jornalista norte-americano Tom Wolfe, publicado no ano passado. É nesse cenário que se destaca o patrulheiro Nestor Camacho, filho de refugiados cubanos, aculturado a ponto de não mais falar o espanhol.
  Camacho tem um talento especial em se meter em encrencas raciais. Logo no início ele resgata um sujeito em alto-mar, impedindo-o de chegar em terra firme. Seria um herói se o “pobre coitado” não fosse um refugiado cubano que, sem alcançar o objetivo, não pôde solicitar asilo político aos EUA. Transmitido ao vivo pela TV, Camacho passa a ser visto como um traidor pela comunidade hispânica e como herói pelos colegas de farda. Logo depois, ao prender traficantes negros, agride os criminosos com ofensas racistas. É salvo da demissão pelo chefe de polícia negro.
Em paralelo, temos as histórias da ex-namorada de Camacho e seu patrão e amante, um psiquiatra celebridade que alimenta a compulsão sexual de um dos seus clientes para usá-lo como trampolim social; um pintor russo especialista em falsificações; um magnata também russo que usa as falsificações para se promover; o editor branco do Miami Herald que não quer confusão para o seu lado; e o chefe de polícia negro que salva a pele de Camacho.
Mas o livro tem seus pontos fracos. Na realidade, o texto do Wolfe apresenta pontos fracos. O pior deles é o uso excessivo de reticências e onomatopeias. Nos casos das reticências, a impressão que fica ao leitor é que a leitura de um pequeno trecho vem acompanho de uma “freada”.  Para e começa depois para logo mais frear de novo. E as onomatopeias são simplesmente desnecessárias para a compreensão do texto: “Ela deu um sorriso sugestivo, enquanto seguia DANÇANDO tummm REBOLANDO tummm DESCENDO tummm SUBINDO tummm BOMBEANDO tummm e também girando em torno do poste”.
Independente desse pequeno “deslize”, vale a pena ler o livro.

domingo, 22 de maio de 2016

Emboscada no Forte Bragg – Tom Wolfe

O jornalista norte-americano Tom Wolfe é um dos fundadores do New Jounalism (Novo jornalismo), gênero jornalístico surgido na imprensa dos Estados Unidos nos anos 60, que tem como característica misturar a narrativa jornalística com a literária, construindo uma reportagem com linguagem ficcional. Na mesma época, outros escritores adotaram esse mesmo tipo de narrativa, como Gay Palese, Truman Capote e Norman Mailer, dando origem a um novo gênero literário.
Publicado no Brasil pela primeira vez em 1998 pela Editora Rocco, Emboscada no Forte Bragg começou a sair em capítulos na revista Rolling Stone a partir de dezembro de 1996 e toda a história gira em torno do assassinato Randy Valentine, um soldado gay de um pelotão de choque do exército dos EUA, morto por colegas de farda, ao que tudo indica, pelo único motivo de ser homossexual. Tem como personagens principais, além dos três prováveis assassinos, o produtor de TV Irv Durtscher, e a apresentadora de um famoso programa, Mary Cary.  
Mas o objetivo de Wolfe não é mostrar a homofobia dentro do exército americano, e sim o processo de construção da notícia, o direcionamento de imagens e depoimentos de forma que atenda aos interesses e objetivos de quem está fazendo a matéria, e não a verdade dos fatos. Wolfe chama a atenção sobre a postura de jornalistas que desconhecem a fronteira entre a verdade e a mentira, entre a transparência e a manipulação jornalística.   

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Vá, coloque um vigia – Harper Lee



“Nos anos em que (Harry) esteve longe, primeiro na guerra e depois na faculdade, ela (Scout) tinha deixado de ser a menina briguenta e irascível que vivia de macacão para se tornar uma réplica razoável de ser humano”.
Após publicar O sol é para todos, em 1960, Harper Lee se retirou da vida pública. Nos últimos anos vivia numa casa de repouso com problemas auditivos e visuais. Em 2014, os manuscritos de Vá, procure um vigia foram encontrados nos arquivos da escritora e publicados no ano seguinte. Em 89 anos de vida, a escritora, falecida em fevereiro último, escreveu apenas esses dois romances. Curiosamente, o mais recente romance foi escrito antes de O sol é para todos, apesar da história se passar vinte depois do primeiro livro.
“...o verniz de civilização é tão fino que um bando de negros ianques arrogantes é capaz de destruir cem anos de progresso em cinco...”.
Vivendo em Nova York, Jean Louise Finch, mais conhecida como Scout, sempre volta à Maycomb nas férias para rever o pai, Atticus Finch, o advogado branco que defendeu um negro acusado por um homicídio que não cometeu em O sol é para todos. Com seu comportamento independente e irreverente, Scout causa escândalo no pequeno lugarejo, menos para Harry, seu amigo de infância que sonha em desposa-la. Assunto esse tratado com cautela pela personagem, que ver com reservas a possibilidade de voltar a viver no interior, levando uma vida pacata e sem graça, como suas amigas de infância.
“E por falar em Deus, por que não me explicou que Ele criou as raças e pôs os negros na África para os missionários poderem ir até lá e dizer a eles que Jesus o amava, mas preferia que ficassem lá?”
À exemplo de O sol é para todos, as tensões raciais no sul dos Estados Unidos é o centro da trama.  E os problemas de Scout começam quando ela descobre que Atticus e Harry participam de reuniões em entidades que combatem a igualdade racial. Seria Atticus, o advogado de retidão moral inquestionável do primeiro livro, um racista? Essa questão fica em aberto. O que se vê é uma Harper Lee mais realista e combativa do que a Harper Lee idealista do primeiro romance. 

domingo, 15 de maio de 2016

Jane Eyre – Charlotte Brontë

“É um pensamento estreito dos seres mais privilegiados do sexo masculino dizer que as mulheres precisam ficar isoladas do mundo para fazer pudins e cerzir meias, tocar piano e bordar bolsas”.
Irmã mais velha da consagrada escritora Emilly Brontë, Charlotte publicou seu primeiro livro, Jane Eyre, em 1847, oito anos antes de morrer. Aliás, Charlotte morreu muito jovem, aos 39 anos, de tuberculose quando estava grávida do seu primeiro filho. Além de Jane Eyre, a escritora inglesa escreveu outros dois livros com protagonistas femininas: Shirley (1849) e Vilette (1853). O seu único romance que tem um protagonista do sexo masculino, O professor, foi escrito na mesma época de Jane Eyre, mas rejeitado pelas editoras. Só seria publicado postumamente em 1857.
“É bem sabido que os preconceitos são difíceis de serem erradicados do coração daqueles cujo solo jamais foi revolvido ou fertilizado pela educação”.
Em Jane Eyre, a personagem que dá título à obra é uma jovem que tem um comportamento pouco convencional de acordo com a rígida sociedade vitoriana. Órfã de pai e mãe, Jane mora com a tia e seus nada adoráveis primos, que a maltratam constantemente. Além de não ser filha legítima da dona da casa, Jane não era dotada de atributos físicos, o que gerava todo o desprezo dos membros da família. Tudo começa a mudar para Jane quando o farmacêutico, ao atender a jovem (o médico só era chamado para atender os membros da família), aconselha a senhora Reeds, a tia, a mandar Jane para um internato barato e sem grandes atrativos.
“Onde há energia para exercer uma ordem, a obediência nunca falha”.  
Nos oito anos seguintes, Jane terá uma formação que lhe permitirá tentar viver independente, o que era quase impossível para uma mulher na época. Um anúncio de jornal oferecendo um emprego de professora de uma criança irá mudar a sua vida completamente. A autora publicou esse livro pela primeira vez usando um pseudônimo. Quando sua verdadeira identidade foi revelada, causou escândalo. Charlotte retrata em Jane Eyre a condição da mulher na Inglaterra do século XIX, onde acreditava-se que a mulher só conseguiria ser feliz e respeitável através do casamento e da maternidade. Charlotte Brontë mostrou para todos que não.