sexta-feira, 31 de maio de 2013

Antônio Cândido indica 10 livros para conhecer o Brasil*

Quando nos pedem para indicar um número muito limitado de livros importantes para conhecer o Brasil, oscilamos entre dois extremos possíveis: de um lado, tentar uma lista dos melhores, os que no consenso geral se situam acima dos demais; de outro lado, indicar os que nos agradam e, por isso, dependem, sobretudo, do nosso arbítrio e das nossas limitações. Ficarei mais perto da segunda hipótese.
Como sabemos, o efeito de um livro sobre nós, mesmo no que se refere à simples informação, depende de muita coisa além do valor que ele possa ter. Depende do momento da vida em que o lemos, do grau do nosso conhecimento, da finalidade que temos pela frente. Para quem pouco leu e pouco sabe, um compêndio de ginásio pode ser a fonte reveladora. Para quem sabe muito, um livro importante não passa de chuva no molhado. Além disso, há as afinidades profundas, que nos fazem afinar com certo autor (e, portanto, aproveitá-lo ao máximo) e não com outro, independente da valia de ambos.
Por isso, é sempre complicado propor listas reduzidas de leituras fundamentais. Na elaboração da que vou sugerir (a pedido) adotei um critério simples: já que é impossível enumerar todos os livros importantes no caso, e já que as avaliações variam muito, indicarei alguns que abordam pontos a meu ver fundamentais, segundo o meu limitado ângulo de visão. Imagino que esses pontos fundamentais correspondem à curiosidade de um jovem que pretende adquirir boa informação a fim de poder fazer reflexões pertinentes, mas sabendo que se trata de amostra e que, portanto, muita coisa boa fica de fora. 
São fundamentais tópicos como os seguintes: os europeus que fundaram o Brasil; os povos que encontraram aqui; os escravos importados sobre os quais recaiu o peso maior do trabalho; o tipo de sociedade que se organizou nos séculos de formação; a natureza da independência que nos separou da metrópole; o funcionamento do regime estabelecido pela independência; o isolamento de muitas populações, geralmente mestiças; o funcionamento da oligarquia republicana; a natureza da burguesia que domina o país. É claro que estes tópicos não esgotam a matéria, e basta enunciar um deles para ver surgirem ao seu lado muitos outros. Mas penso que, tomados no conjunto, servem para dar uma ideia básica.
Entre parênteses: Desobedeço o limite de dez obras que me foi proposto para incluir de contrabando mais uma, porque acho indispensável uma introdução geral, que não se concentre em nenhum dos tópicos enumerados acima, mas abranja em síntese todos eles, ou quase. E, como introdução geral, não vejo nenhum melhor do que O povo brasileiro (1995), de Darcy Ribeiro, livro trepidante, cheio de ideias originais, que esclarece num estilo movimentado e atraente o objetivo expresso no subtítulo: “A formação e o sentido do Brasil”.
Quanto à caracterização do português, parece-me adequado o clássico Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, análise inspirada e profunda do que se poderia chamar a natureza do brasileiro e da sociedade brasileira a partir da herança portuguesa, indo desde o traçado das cidades e a atitude em face do trabalho até a organização política e o modo de ser. Nele, temos um estudo de transfusão social e cultural, mostrando como o colonizador esteve presente em nosso destino e não esquecendo a transformação que fez do Brasil contemporâneo uma realidade não mais luso-brasileira, mas, como diz ele, “americana”. 
Em relação às populações autóctones, ponho de lado qualquer clássico para indicar uma obra recente que me parece exemplar como concepção e execução: História dos índios do Brasil (1992), organizada por Manuela Carneiro da Cunha e redigida por numerosos especialistas, que nos iniciam no passado remoto por meio da arqueologia, discriminam os grupos linguísticos, mostram o índio ao longo da sua história e em nossos dias, resultando uma introdução sólida e abrangente.
Seria bom se houvesse obra semelhante sobre o negro, e espero que ela apareça quanto antes. Os estudos específicos sobre ele começaram pela etnografia e o folclore, o que é importante, mas limitado. Surgiram depois estudos de valor sobre a escravidão e seus vários aspectos, e só mais recentemente se vem destacando algo essencial: o estudo do negro como agente ativo do processo histórico, inclusive do ângulo da resistência e da rebeldia, ignorado quase sempre pela historiografia tradicional. Nesse tópico resisto à tentação de indicar o clássico O abolicionismo (1883), de Joaquim Nabuco, e deixo de lado alguns estudos contemporâneos, para ficar com a síntese penetrante e clara de Kátia de Queirós Mattoso, Ser escravo no Brasil (1982), publicado originariamente em francês. Feito para público estrangeiro, é uma excelente visão geral desprovida de aparato erudito, que começa pela raiz africana, passa à escravização e ao tráfico para terminar pelas reações do escravo, desde as tentativas de alforria até a fuga e a rebelião. Naturalmente valeria a pena acrescentar estudos mais especializados, como A escravidão africana no Brasil (1949), de Maurício Goulart ou A integração do negro na sociedade de classes (1964), de Florestan Fernandes, que estuda em profundidade a exclusão social e econômica do antigo escravo depois da Abolição, o que constitui um dos maiores dramas da história brasileira e um fator permanente de desequilíbrio em nossa sociedade.
Esses três elementos formadores (português, índio, negro) aparecem inter-relacionados em obras que abordam o tópico seguinte, isto é, quais foram as características da sociedade que eles constituíram no Brasil, sob a liderança absoluta do português. A primeira que indicarei é Casa grande e senzala (1933), de Gilberto Freyre. O tempo passou (quase setenta anos), as críticas se acumularam, as pesquisas se renovaram e este livro continua vivíssimo, com os seus golpes de gênio e a sua escrita admirável – livre, sem vínculos acadêmicos, inspirada como a de um romance de alto voo. Verdadeiro acontecimento na história da cultura brasileira, ele veio revolucionar a visão predominante, completando a noção de raça (que vinha norteando até então os estudos sobre a nossa sociedade) pela de cultura; mostrando o papel do negro no tecido mais íntimo da vida familiar e do caráter do brasileiro; dissecando o relacionamento das três raças e dando ao fato da mestiçagem uma significação inédita. Cheio de pontos de vista originais, sugeriu entre outras coisas que o Brasil é uma espécie de prefiguração do mundo futuro, que será marcado pela fusão inevitável de raças e culturas.
Sobre o mesmo tópico (a sociedade colonial fundadora) é preciso ler também Formação do Brasil contemporâneo, Colônia (1942), de Caio Prado Júnior, que focaliza a realidade de um ângulo mais econômico do que cultural. É admirável, neste outro clássico, o estudo da expansão demográfica que foi configurando o perfil do território – estudo feito com percepção de geógrafo, que serve de base física para a análise das atividades econômicas (regidas pelo fornecimento de gêneros requeridos pela Europa), sobre as quais Caio Prado Júnior engasta a organização política e social, com articulação muito coerente, que privilegia a dimensão material. 
Caracterizada a sociedade colonial, o tema imediato é a independência política, que leva a pensar em dois livros de Oliveira Lima: D. João VI no Brasil (1909) e O movimento da Independência (1922), sendo que o primeiro é das maiores obras da nossa historiografia. No entanto, prefiro indicar um outro, aparentemente fora do assunto: A América Latina, Males de origem (1905), de Manuel Bonfim. Nele a independência é de fato o eixo, porque, depois de analisar a brutalidade das classes dominantes, parasitas do trabalho escravo, mostra como elas promoveram a separação política para conservar as coisas como eram e prolongar o seu domínio. Daí (é a maior contribuição do livro) decorre o conservadorismo, marca da política e do pensamento brasileiro, que se multiplica insidiosamente de várias formas e impede a marcha da justiça social. Manuel Bonfim não tinha a envergadura de Oliveira Lima, monarquista e conservador, mas tinha pendores socialistas que lhe permitiram desmascarar o panorama da desigualdade e da opressão no Brasil (e em toda a América Latina).
Instalada a monarquia pelos conservadores, desdobra-se o período imperial, que faz pensar no grande clássico de Joaquim Nabuco: Um estadista do Império (1897). No entanto, este livro gira demais em torno de um só personagem, o pai do autor, de maneira que prefiro indicar outro que tem inclusive a vantagem de traçar o caminho que levou à mudança de regime: Do Império à República (1972), de Sérgio Buarque de Holanda, volume que faz parte da História geral da civilização brasileira, dirigida por ele. Abrangendo a fase 1868-1889, expõe o funcionamento da administração e da vida política, com os dilemas do poder e a natureza peculiar do parlamentarismo brasileiro, regido pela figura-chave de Pedro II. 
A seguir, abre-se ante o leitor o período republicano, que tem sido estudado sob diversos aspectos, tornando mais difícil a escolha restrita. Mas penso que três livros são importantes no caso, inclusive como ponto de partida para alargar as leituras. 
Um tópico de grande relevo é o isolamento geográfico e cultural que segregava boa parte das populações sertanejas, separando-as da civilização urbana ao ponto de se poder falar em “dois Brasis”, quase alheios um ao outro. As consequências podiam ser dramáticas, traduzindo-se em exclusão econômico-social, com agravamento da miséria, podendo gerar a violência e o conflito. O estudo dessa situação lamentável foi feito a propósito do extermínio do arraial de Canudos por Euclides da Cunha n’Os sertões (1902), livro que se impôs desde a publicação e revelou ao homem das cidades um Brasil desconhecido, que Euclides tornou presente à consciência do leitor graças à ênfase do seu estilo e à imaginação ardente com que acentuou os traços da realidade, lendo-a, por assim dizer, na craveira da tragédia. Misturando observação e indignação social, ele deu um exemplo duradouro de estudo que não evita as avaliações morais e abre caminho para as reivindicações políticas. 
Da Proclamação da República até 1930 nas zonas adiantadas, e praticamente até hoje em algumas mais distantes, reinou a oligarquia dos proprietários rurais, assentada sobre a manipulação da política municipal de acordo com as diretrizes de um governo feito para atender aos seus interesses. A velha hipertrofia da ordem privada, de origem colonial, pesava sobre a esfera do interesse coletivo, definindo uma sociedade de privilégio e favor que tinha expressão nítida na atuação dos chefes políticos locais, os “coronéis”. Um livro que se recomenda por estudar esse estado de coisas (inclusive analisando o lado positivo da atuação dos líderes municipais, à luz do que era possível no estado do país) é Coronelismo, enxada e voto (1949), de Vitor Nunes Leal, análise e interpretação muito segura dos mecanismos políticos da chamada República Velha (1889-1930). 
O último tópico é decisivo para nós, hoje em dia, porque se refere à modernização do Brasil, mediante a transferência de liderança da oligarquia de base rural para a burguesia de base industrial, o que corresponde à industrialização e tem como eixo a Revolução de 1930. A partir desta viu-se o operariado assumir a iniciativa política em ritmo cada vez mais intenso (embora tutelado em grande parte pelo governo) e o empresário vir a primeiro plano, mas de modo especial, porque a sua ação se misturou à mentalidade e às práticas da oligarquia. A bibliografia a respeito é vasta e engloba o problema do populismo como mecanismo de ajustamento entre arcaísmo e modernidade. Mas já que é preciso fazer uma escolha, opto pelo livro fundamental de Florestan Fernandes, A revolução burguesa no Brasil (1974). É uma obra de escrita densa e raciocínio cerrado, construída sobre o cruzamento da dimensão histórica com os tipos sociais, para caracterizar uma nova modalidade de liderança econômica e política. 
Chegando aqui, verifico que essas sugestões sofrem a limitação das minhas limitações. E verifico, sobretudo, a ausência grave de um tópico: o imigrante. De fato, dei atenção aos três elementos formadores (português, índio, negro), mas não mencionei esse grande elemento transformador, responsável em grande parte pela inflexão que Sérgio Buarque de Holanda denominou “americana” da nossa história contemporânea. Mas não conheço obra geral sobre o assunto, se é que existe, e não as há sobre todos os contingentes. Seria possível mencionar, quanto a dois deles, A aculturação dos alemães no Brasil (1946), de Emílio Willems; Italianos no Brasil (1959), de Franco Cenni, ou Do outro lado do Atlântico (1989), de Ângelo Trento – mas isso ultrapassaria o limite que me foi dado.
No fim de tudo, fica o remorso, não apenas por ter excluído entre os autores do passado Oliveira Viana, Alcântara Machado, Fernando de Azevedo, Nestor Duarte e outros, mas também por não ter podido mencionar gente mais nova, como Raimundo Faoro, Celso Furtado, Fernando Novais, José Murilo de Carvalho, Evaldo Cabral de Melo etc. etc. etc. etc. 
* Artigo publicado na edição 41 da revista Teoria e Debate – em 30/09/2000

Antonio Candido é sociólogo, crítico literário e ensaísta.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

24 horas na vida de uma mulher – Stefan Zweig

Stefan Zweig nasceu em Viena, na Áustria, e era escritor, poeta, romancista, dramaturgo, jornalista e biógrafo. No entanto, aqui no Brasil, país que o acolheu após as perseguições nazistas na Europa e onde viria cometer suicídio em 1942, Zweig se tornou conhecido pelo ensaio Brasil, país do futuro, de 1942. Mas a obra de Zweig vai muito além desse ensaio, principalmente suas biografias, e remonta o ano de 1902, com uma coletânea de contos chamada Cordas de prata.
Recentemente li 24 horas na vida de uma mulher, uma novela, ou um grande conto, que se passa em um hotel Monte Carlo, onde um grupo de ricos viajantes se encontra reunido. Entre eles, um polido jovem seduz Henriette, casada e com dois filhos, que deixa uma carta de despedida para o marido. A partir daí, a fuga de Henriette passa a dominar todas as conversas, a maioria condenando a atitude da adúltera, a exceção do narrador, que tenta justificar o ato, mesmo a mulher tendo trocado apenas uma ou duas conversas com o jovem e sedutor e tendo abandonado filhas e marido.

Surpresa com a atitude do narrador em meio a tantas condenações, Mrs. C. uma senhora do grupo, resolve lhe contar uma história acontecida vinte anos antes e nunca revelada a ninguém. São as 24 horas que dão nome ao livro. Já viúva, aos 40 anos e com os filhos criados, Mrs. C. conhece um jovem num casino de Monte Carlo quer tinha perdido tudo no jogo. Temendo um ato radical do jovem após falir na mesa de jogo, Mrs. C. resolve ajuda-lo e nas 24 horas seguintes tomará surpreendentes. Não causa surpresa que Freud tivesse predileção por esse texto, que é marcado pelo sexo (não explícito) e pela culpa (principalmente de Mrs. C.).     

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Cinema nacional: Os penetras

A Globo Filmes utiliza nas suas produções um linguagem (fotografia, cenários) muito parecida com a linguagem televisiva. O filme fica parecendo uma novela. Para os cinéfilos, isso é terrível. Novela é novela, filme é filme. Isso ocorreu em vários filmes da produtora, como Se eu fosse você, Até que a sorte nos separe, De pernas pra o ar, entre outros. O mesmo poderia ter acontecido com Os penetras. Não aconteceu talvez por mérito do seu diretor, Andrucha Waddington, que tentou ficar o mais longe possível das novelas globais.
O filme conta a história de Marco Polo (Marcelo Adnet), um trapaceiro sedutor que ganha a vida na malandragem ao lado do amigo Nelson (Stepan Necessian). Quando tentava aplicar golpes num grupo de turistas estrangeiros, Marco Polo cruza com Beto (Eduardo Sterblitch), que tentava se matar após ser rejeitado pela amada Laura. Vendo que o candidato a suicida possuía uma situação financeira interessante, o malandro tenta reatar o romance, metendo-se em sucessivas confusões.

Vale destacar as atuações de Adnet e Sterblitch, além da forma como Andrucha filmou as cenas, sempre levando o espectador para dentro das situações cômicas do filme. Como toda comédia “bobinha”, Os penetras repete os mesmos clichês: as situações são forçadas demais e fáceis demais para que tudo dê certo para os mocinhos, Adnet e Sterblitch. Mas isso não compromete o filme, mesmo por que ele não se propõe a ser nada além disso: uma comédia “bobinha”.    

sexta-feira, 24 de maio de 2013

O preconceito anda nu

O padrão vigente associa o binômio rótulo/aparência. O médico tem que andar de branco; o padre, de batina; o advogado, necessariamente, de terno; mecânico que não usa macacão não é mecânico; homem deve usar calça e mulher saia. Ir de encontro a esse padrão pré-estabelecido significa sofrer todo tipo de preconceito, desde o mais leve olhar até ofensas verbais, podendo chegar à violência física.
Que o diga o estudante do curso de Têxtil e Moda da Universidade de São Paulo (USP) Vítor Pereira (na foto à esquerda), que decidiu ir à universidade vestindo saia e recebeu ofensas pelo Facebook. Situação análoga passou, em 2011, outro estudante, Augusto Paz (na foto à direita), que foi para a faculdade de saia como parte de um trabalho acadêmico da disciplina sociologia da moda. Em solidariedade ao estudante hostilizado na semana passada, colegas da USP resolveram fazer um “saiaço”, no último dia 16, indo para a universidade trajando a vestimenta.
É lamentável que uma pessoa seja hostilizada apenas por se vestir de forma não convencional. Vale lembrar que nenhum padrão de comportamento é eterno e imutável e que as mulheres tiveram que enfrentar situações semelhantes quando resolveram usar... calças. No que diz respeito à vestimenta, as convenções variam de época ou lugar. Homens usavam túnicas semelhantes a saias na Grécia Antiga, hábito herdado pelos romanos antigos. Na Idade Média, as roupas masculinas das classes mais pobres incluíam saiotes que vinham os joelhos. Até hoje os escoceses tem um saiote masculino chamado kilt. A diferenciação da vestimenta (homem/calça; mulher/saia) só se define no século XVIII e começa a ser questionada pelas mulheres no século XX quando estas resolvem usar calças, seara masculina.

Mas, como bem disse o professor psicologia política e de sociedade Alessandro Soares da Silva, a reação agressiva e anônima na internet é reflexo de “uma sociedade que educa para a enfermidade”, onde todos aqueles que não se enquadram no rótulo/aparência devem ser estigmatizados e rejeitados, pois são inferiores. Falta educação doméstica que ensine a respeitar a diversidade, o diferente, o não convencional. Falta-nos despir de todo o preconceito e deixa-lo andar nu...

quarta-feira, 22 de maio de 2013

O ladrão no fim do mundo – Joe Jackson


Em 1900, auge do Ciclo da Borracha na Amazônia, a região produzia 90% da borracha consumida no mundo. Em 1923, esse percentual era de apenas 2,3%. Entre 1808 e 1913, a região amazônica viveu uma fase de opulência graças ao produto extraído da Hevea brasiliensis, conhecida na região como seringueira. Os ganhos eram tão altos que, em 1906, escoavam pelas águas do Rio Negro riquezas suficientes para pagar 40% da dívida anual do Brasil; Manaus possuía o maior consumo per capita de diamantes do mundo e o custo de vida na região era quatro vezes mais alto do que em grandes metrópoles do mundo, como Londres e Nova York. É dessa época a construção do Teatro Amazonas, símbolo maior da opulência amazônica.
A história da decadência da época áurea da borracha na região amazônica é contada em O ladrão no fim do mundo, do escritor e jornalista investigativo americano Joe Jackson. Na verdade, o livro é a biografia do aventureiro inglês Henry Wickhan, a quem credita-se o roubo de 70 mil sementes da seringueira, em 1876, que foram plantadas no Jardim Botânico de Londres e, logo depois, levadas para as colônias britânicas na Índia e na Nova Zelândia. Trinta anos depois, essas árvores produziriam a borracha que faria concorrência com a borracha amazônica e levaria a região à falência.
 Henry Wickhan nasceu em 1846, na Inglaterra, e desde cedo manifestou pendor pela aventura. Antes de vir para o Brasil, em 1871, esteve envolvido em aventuras fracassadas em várias partes do Império britânico na América do Sul e na Ásia. Aliás, Wickhan colecionou fracassos na vida, o que destruiu seu casamento com Violet Carter. Seu único êxito foi exatamente o contrabando das sementes de Hevea, o que lhe valeu um reconhecimento tardio por parte do Império e o titulo de Sir.
Narrador habilidoso, Joe Jackson sabe narrar a saga de Wickhan com maestria, contextualizando-a dentro de uma empreitada do império Britânico para manter o controle sobre uma área vital da economia da época. Inclusive, o ponto forte do livro é o detalhamento da economia da época para explicar as circunstâncias em que ocorreu o que pode ser chamado de primeiro caso de biopirataria da Era Moderna. Um livro interessantíssimo.  

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Cinema nacional: Bens confiscados


Em Bens confiscados (2005), do diretor gaúcho Carlos Reichenbach, a corrupção em Brasília serve de pano de fundo para o drama de Serena (Betty Faria), ex-amante do senador Américo Baldini. Bombardeado por denúncias de corrupção e tráfico de influência pela mulher, Valquíria (Nicete Bruno), que descobre seus inúmeros casos extraconjugais; e depois do suicídio de uma de suas amantes, o senador pede para que Serena esconda seu filho bastardo Luís Roberto (Renan Gioeli) da imprensa numa praia deserta no sul do Brasil. Na realidade foi um sequestro, já que o adolescente não tinha nenhuma simpatia pelo pai e nem queria se esconder.
O filme foi exibido pela primeira vez no 15º Cine Ceará, no momento em que o país era chacoalhado por denúncias de que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, teria pago mesadas aos parlamentares que faziam parte da base de apoio ao Presidente Lula, episódio conhecido como “Mensalão”. No entanto, o roteiro se parece mais com a troca de acusações feita pelo ex-prefeito Celso Pitta e sua ex-mulher, Nicéa Camargo.
O ponto fraco do filme é a atuação do jovem Renan Gioeli, na época com 17 anos, no papel do filho do senador. Com uma atuação apagada, o jovem não corresponde ao fato de o filme ter sido lançado num momento em que se falava muito em corrupção (até hoje!). "O menino foi escolhido entre mais de 150 candidatos. Tinha 17 anos na época [da filmagem] e foi assustador para ele contracenar com Betty Faria como seria para qualquer outro”, saiu em defesa do ator o diretor do filme. Pode ser, mas é um filme que é apenas um bom passatempo.   

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Brasil: o país Peter Pan


Em seu novo livro, Manifesto do nada na terra do nunca, o sempre verborrágico cantor Lobão refere-se ao “Brasil-Peter Pan que se recusa a crescer”. É verdade! Os dirigentes não têm interesse nem a sociedade é capaz de discutir um projeto de longo prazo para a educação, a saúde ou a segurança pública. É mais cômodo deitar-se no sofá e curtir a novela das oito, o Reality show do momento ou a convocação do Felipão.
Pra que discutir temas muito complexos se é mais fácil esbravejar bordões e cantarolar o último hit do sertanejo onomatopaico? De que vale discutir se a educação é a salvação da lavoura se o Theo não ficar com a Morena? Pra que discutir violência urbana se o Felipão convocou os 23 felizardos que vão para a Copa das Confederações e Gustavo Lima lançou mais um sucesso (Têtêrêtêtêtê)? Pra que exercitar o cérebro se é possível colocar silicone na bunda?
Como consequência, temos um gigante retardado habitado por toupeiras dançantes. Uma manada de ignorantes tangidos pela mídia. Ela faz com o seu dócil rebanho o que bem quer! O foco das suas matérias não é o que é mais importante, mas o que está na moda. Teve uma época que era moda noticiar crianças sendo jogadas pela janela: todo dia voava uma. Depois a moda foi motoristas bêbados ao volante: todo dia aparecia um com a voz embolada pelo álcool. A moda atual é noticiar crimes cometidos pelos “de menor”. Menores sempre cometeram crimes! Por que nunca se preocuparam em discutir as causas que levavam esses delinquentes a cometerem crimes? E o mais importante: combater essas causas.
Não há interesse, eis a resposta. Não há interesse da audiência, que prefere ver o sangue da vítima e do criminoso. O povo gosta de vê desgraça! O cérebro do povão não consegue acompanhar uma discussão racional sobre os problemas que os aflige, mas se delicia com sangue derramado. Esse alheamento interessa às nossas classes dirigentes, que preferem seu rebanho domado e dócil.
Nessa quintessência da ignorância e da futilidade, quem sai ganhando é quem usa o cérebro ao invés do silicone. Que o diga o Senador e ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves. “O único caminho seguro para o futuro do Brasil é transformar a educação em prioridade de Estado”, escreveu o senador num artigo para a Folha de São Paulo na última segunda-feira. Seria o óbvio se o playboy cinquentão, quando habitava o Palácio da Liberdade, não tivesse sido um dos seis governadores que recorreram ao STF para barrar a Lei do Piso Nacional do Magistério. Agora senador e presidenciável, a educação volta a ser “prioridade”. Quer me enganar, entidade?
Enquanto a escória mortal enfrenta fila desde quando nasce, alguns “escolhidos” em Brasília são poupados desse dissabor.  A Câmara mantém cinco funcionários (salários entre R$ 8,7 mil e R$ 11,9 mil) e uma sala VIP (aluguel mensal: R$ 7,5 mil) no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek para facilitar o embarque dos nobres deputados, evitando que os mesmos enfrentem filas e fiquem em contato com os simples mortais. O Senado mantém o mesmo serviço com nove funcionários. Para não dizer que é sacanagem somente dos parlamentares, o STF, o STJ e o Itamaraty têm o mesmo serviço. E tudo isso com dinheiro público!!! Se a massa ignara (o público) quiser embarcar, vá para a fila com suas malinhas.
A ignorância e o alheamento favorecem os privilégios de uma casta que faz até piada para manter suas mordomias. E a piada vem de Goiás, onde uma lei estadual proíbe o nepotismo, mas com ressalvas: o governador, secretários, deputados e juízes podem ter até dois parentes nomeados. “Quando se pensa que já viu de tudo, aparecem surpresas", afirma Dias Tóffoli, ministro do STF.
Não, ministro! Na terra do nunca as surpresas nuca se esgotam...

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Dona Anja – Josué Guimarães


O escritor gaúcho Josué Guimarães viveu a maior parte da vida como jornalista, somente despontando como escritor aos 51 anos, em 1972, no período mais duro da Ditadura Militar, da qual era ferrenho opositor. Esse posicionamento político está explícito na sua obra, o que lhe custou o exílio em Portugal. A história de Dona Anja, escrito em 1978, se passa na noite de 03 de dezembro de 1977, no momento em que o Congresso Nacional votava a emenda do senador Nélson Carneiro, que instituiria o divórcio no Brasil.
Tendo como pano de fundo o bipartidarismo instituído pela Ditadura e as transformações politicas e culturais, as autoridades da pequena cidade se reúnem na sala da “suspeita” casa da outrora cobiçada Dona Angélica, ou dona Anja, na companhia das “meninas” para escutar pelo rádio a sessão do Congresso que votaria a Lei do Divórcio. No grupo havia o delegado, o prefeito, o líder da oposição e do governo na Câmara de vereadores, e personalidades representativas do que havia de melhor da sociedade daquele pequeno vilarejo.
Narrado em estilo de folhetim, Dona Anja retrata as reações prós e contra diante da votação, ouvida atentamente pelo rádio. Em meio a carícias e escapadelas com as “meninas” de dona Anja, as personalidades ilustres discutem o destino do país após a votação da emenda. É impossível não fazer um paralelo com a discussão atual sobre o casamento gay: os discursos prós e contra são muito parecidos e, ao que tudo indica, o desfecho será o mesmo. Um autor que só conheci agora, mas que abriu as portas para outras de suas obras... 

segunda-feira, 13 de maio de 2013

José e Pilar


O senso comum associa genialidade com excentricidade. O documentário José e Pilar, do diretor português Miguel Gonçalves Mendes mostra que o escritor José Saramago, Nobel de Literatura e falecido em junho de 2010, era gênio, mas não era excêntrico. Miguel Gonçalves fez 230 horas de gravação com o escritor e sua mulher, a jornalista Pilar Del Rio, entre os anos de 2006 e 2009, período de feitura de A viagem do elefante, seu penúltimo livro.
Nas mais de duas horas de documentário, vê-se um Saramago em várias situações, sempre ao lado de Pilar. Os dois têm momentos tensos ao discutir política, com Pilar defendendo Hillary Clinton e Saramago, Obama; os dois passam por momentos emocionantes, como a cena em que o escritor chora ao assistir pela primeira vez a versão para o cinema de Ensaio sobre a cegueira, dirigido por Fernando Meirelles; mas também momentos românticos, quando ele lembra como os dois se conheceram, ele um escritor famoso, ela uma jornalista 28 anos mais nova.
O documentário mostra que a genialidade de Saramago permitia-lhe ser simples sem ser simplório, ser romântico sem ser piegas. Mas também mostra a mulher forte que existia por trás do gênio: Pilar. Mulher de posições firmes, mesmo quando estas contrariavam as ideias do marido, Pilar controlava os mínimos detalhes da carreira de Saramago. Controlava a carreira e protegia-o! O documentário confirma aquele ditado que afirma que por trás de um grande homem, sempre há uma grande mulher. 

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Lola, a musa da educação


Ela se chama Gabriela Natália da Silva, é natural de Pirassununga (SP), tem 21 anos e formou-se recentemente em Letras pela Universidade de São Carlos, no interior de São Paulo, mas optou por ser garota de programa com o pseudônimo de Lola Benvenutti. Sábia decisão, Gabriela! Optou por ser uma puta cara. Se fosse para a sala de aula seria uma puta barata, vendendo seu lindo corpinho por R$ 1.567,00 (ou um pouco mais) mensais, piso da categoria. E o que é pior: ainda teria duas ou três centenas de “cafetõeszinhos” que os pais juram que são os melhores filhos do mundo. 
Enquanto Lola cobra R$ 250,00 a hora, um professor da rede estadual de ensino em São Paulo ganha, em média, R$ 15,00. Duvido que ela tenha problemas com pais de clientes reclamando do seu desempenho profissional no outro dia. Duvido que tenha algum governador recorrendo ao Supremo para reclamar do “piso” da categoria. Duvido que tenha algum teórico enchendo a sua paciência, ejaculando as suas masturbações pedagógicas e reclamando da sua “didática”. Duvido que ela tenha que cruzar os braços para mendigar algum auxílio alimentação, basta-lhe abrir as penas para ultrapassar o teto salarial.
“Faço porque gosto”, disse a moça. Lola tornou-se minha musa da semana não apenas pela decisão que tomou, mas pela coragem de tornar pública a sua escolha. Os puritanos devem está de cabelos em pé, isso se não estiverem com outra coisa em pé. Hipocrisia, pura hipocrisia, como sempre acontece. Não me venham com aquele papo de que sexo é sagrado e para procriação. Ninguém trepa (olha o nome feio menino!) para procriar. Ter filhos é uma consequência do sexo, na maioria das vezes, acidente. As pessoas trepam (menino olha o nome feio!) por prazer. E trepar (menino!) pagando tem a vantagem de que o compromisso cessa quando a dívida é saldada. Não se enganem: o sexo de graça sai mais caro.
Gabriela mantém um blog (vá lá: http://lolabenvenutti.blogspot.com.br/) onde ela publica contos baseados na sua experiência com os clientes e tenta quebrar alguns tabus sobre sexo. “Um monte de mulher entra no blog e fala que adoraria fazer o que eu faço, mas não tem coragem; e dos homens escuto as confissões mais loucas”, diz ela. A puta é uma espécie de psicanalista dos devassos, notadamente os enrustidos. Que todo mundo gosta da sacanagem... pelo menos os normais. Homens, simulem um estupro com a sua amada, xingue-a, puxe-lhe os cabelos, dê uns tapas (tudo com muito amor, claro), ela vai adorar! Mulheres, percam o pudor e represente a puta que você gostaria de ser, ele vai adorar!  
Se não gostarem, pé na bunda e partam pra outra! Façam como Lola, sejam felizes... 

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira & Seymour, uma apresentação – J.D. Salinger


Para muitos, a obra de J.D. Salinger resume-se ao O apanhador no campo de centeio, considerado um dos melhores romances da língua inglesa e seu personagem, Holden Caulfield, tornou-se um ícone da rebelião adolescente nos anos 80. Mas a obra desse escritor, paranoicamente recluso e avesso à imprensa e à qualquer forma de divulgação da sua figura é muito mais do que isso. Quem ler Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira & Seymour, uma apresentação, duas novelas escritas em 1963, doze anos após o estrondoso sucesso da sua principal obra, percebe que Salinger não é escritor de uma obra só.  
Na primeira novela, Buddy conta, num ritmo agitado e de forma divertida e de leitura rápida, o dia do casamento do seu irmão, Seymour, por quem tem uma verdadeira adoração. A escrita dessa novela é bem parecida com a de O apanhador... Membros de uma família de astros, pois na infância todos os irmãos participaram de um programa de perguntas e respostas, Buddy tenta encontrar respostas para as paranoias do irmão, que se mataria alguns anos depois, aos 31 anos.
Todo o fascínio pelo irmão é externado na segunda novela, Seymour, uma apresentação, quando Buddy fala dos 184 poemas que o irmão deixou ao se matar aos 31 anos, sem, no entanto, descrever nenhum. Na época em que fala do irmão, Buddy é um professor de inglês de 41 anos, dois anos mais novo do que Seymour. Para Buddy, o irmão era um poeta visionário. E o próprio nome do personagem (pronuncia-se, em inglês, “see more” = ver mais) nos remete à vidente ou visionário. Leiam!   

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A filosofia do bom ladrão


- Seu nome?
- M.
- Sua idade?
- 31 anos.
- Você confirma que entrou na casa e roubou uma TV, Roupas e joias? – pergunta o delegado a M.
 - Confirmo, sim senhor. – responde M., que aparenta uma tranquilidade inabalável.
- O senhor não tem vergonha na cara? – pergunta o delegado, inclinando-se e apoiando os cotovelos na mesa.
- Por que a pergunta, doutor?
- Você é um homem jovem, poderia trabalhar e fica roubando.
- Mas eu trabalho, doutor! – exclamou M. indignado - O senhor acha que é fácil ser ladrão? Não tenho horário fixo de trabalho e não recebo hora-extra; às vezes trabalho a noite e não recebo adicional noturno; corro o risco de ser preso ou flagrado pelo meu cliente e ser espancado e o senhor ainda diz que isso não é trabalho.
- Você chamou a sua vítima de cliente? – o delegado fazia uma cara de incredulidade.
 - Sim. E um cliente especial! – respondeu M. convicto - Afinal não é ele que me escolhe, mas eu que o escolho.
- Você é um grandessíssimo cara-de-pau. O adicional que você merecia era uma boas porradas. – o delegado encosta-se na cadeira.
- Não gosto de violência, doutor. – M. aparentava muita autoridade ao falar. – Por princípio, sou um pacifista. Fico indignado quando vocês da polícia ou clientes nos pegam e batem. Temos que reivindicar melhores condições de trabalho.
- E a quem o senhor vai fazer tais reivindicações? – agora o delegado voltava a usar da ironia.
- Em Brasília, ué! – o bom ladrão fala como se isso fosse as mais óbvias das obviedades. – Afinal, lá estão nossos companheiros de luta. Lá estamos bem representados! – M. parecia que ia começar um discurso, mas foi interrompido pelo delegado.
- Seus amiguinhos...
- Não! – interrompeu o bom ladrão. – A nossa relação é meramente política. Mesmo por que, filosoficamente falando, discordo das suas práticas. Eu roubo no varejo! O que roubo não fará falta ao meu cliente. Se fizer falta, não é tanto como faz para os clientes deles, pois eles roubam no atacado.       
- Estou chegando a conclusão que cara-de-pau é pouco pra você! Você é mais do que isso: você é cara de laje!  
- E o senhor um ingrato.
- Eu? Ingrato? – o delegado volta a inclinar-se, apoiando os cotovelos na mesa.
- Claro!
- Por quê?
- Sou eu que lhe dou emprego, doutor. Não apenas ao senhor, mas ao escrivão que aqui está fazendo suas anotações, - nesse momento o escrivão olha o bom ladrão, com uma cara entre incrédula e irônica - aos outros policiais, advogados, agentes penitenciários, juízes, entre tantos outros.
Nesse momento, um repórter policial entreabre a porta e escorrega a cabeça pela brecha aberta e olha para a sala. M. sorri para o repórter e acena.
- Tá querendo ficar famoso, né, pilantra? – o delegado é irônico.
- Claro, doutor! O meu sonho é aparecer na televisão. – M. tinha um ar infantil, nada parecido com a cara que fazia quando estava em contato com seus “clientes”.  
- Bom – falou o delegado, resignado – Pelo menos você daria um bom comediante.   
- O senhor acha, doutor? – Empolgou-se M.
- Não! Não acho. A sua cara de pau não tem limites. Você não pensa nas suas vítimas? – o delegado já demonstrava irritação.
 - Penso, doutor, penso. Os meus clientes são mais pecadores do que eu. Se não fossem, Deus não permitiria que fossem meus clientes...

quarta-feira, 1 de maio de 2013

O cemitério de Praga – Umberto Eco


O italiano Umberto Eco é daqueles escritores que externam sua genialidade em cada página com uma escrita peculiar, inconfundível. Não é diferente de O cemitério de Praga, lançado em 2010 (no Brasil em 2011), uma sucessão de conspirações vistas pelos olhos de um personagem delirante, o capitão Simone Simonini. A histórica é contada na forma de um diário onde o capitão conta suas aventuras. No entanto ele parece esquecer, ou querer esquecer, detalhes horripilantes do seu passado. No entanto, nesses momentos aparece um personagem curioso: um abade supostamente morto pelo próprio Simonini, que insiste e quer lembra-lo desses detalhes.
Simonini odeia mulheres e judeus e é apaixonado por culinária. Mestre na falsificação de documentos e na cópia da assinatura alheia, o capitão presta serviços para o serviço secreto francês. Ávido por informações, para vendê-las por bom preço, não hesita em inventá-las para satisfazer seus empregadores, ou quem pagar por elas.  Envolve-se em complôs contra judeus e maçons, em falcatruas religiosas, conspirações, assassinatos, explosões, traições e engana quem cruza seu caminho, desde que tire disso alguma vantagem.
No transcorrer da história, Eco mistura realidade e ficção. Simonini cruza, no decorrer da vida, com Garibaldi, o herói da unificação italiana; com os seguidores de Giuseppe Mazzini, filósofo e político italiano; envolve-se na falsificação do documento de Dreyfus, o francês acusado injustamente de espionar para o inimigo; e torna-se pivô dos massacres provocado pela Comuna de Paris. Como os demais livros de Umberto Eco, este tem tudo para se tornar um clássico.