domingo, 13 de maio de 2018

O Conde de Monte Cristo – Alexandre Dumas


“Nunca estamos quites com os nossos credores pois, quando não lhes devemos mais dinheiro, lhes devemos a gratidão”.
Ao lado de Os três mosqueteiros, O Conde de Monte Cristo é o livro mais popular do escritor francês Alexandre Dumas. Da mesma forma que o primeiro, publicado em 1844, foi lançado em formato de folhetim entre 1844 e 1846, dividido em três partes. Foi publicado em formato de livro no mesmo no mesmo em que foi lançada a última parte. Diferente de Os três mosqueteiros, onde o autor usou do humor e do sarcasmo para contar as intrigas palacianas, Dumas faz uso do suspense para contar a história de traição e vingança do marinheiro Edmond Dantés.
“Em política, meu caro, não existem homens, mas ideias; não existem sentimentos, mas interesses; em política, ninguém mata um homem: suprime-se um obstáculo, ponto final”.
Em 1815, Dantés era um jovem marujo que vivia com o pai idoso e era noiva de Mercedes, com quem pretendia se casar. Seu mundo desaba quando é preso injustamente acusado de ser um conspirador bonapartista (Napoleão estava detido na ilha de Elba e tentava retomar o poder na França). Os três responsáveis pela denúncia têm motivos diferentes para trair Dantés: o Juiz de Villerfort, cujo pai era o destinatário da carta que Dantès levava; Danglas, que ambicionava ser capitão do navio cujo posto era ocupado por dantes; e Fernand Mondego, que era apaixonado por Mercedes.
“O monarca legítimo é o monarca amado”.
Dantés foi preso no dia do seu casamento e enviado para o Castelo de If, onde passou 14 anos incomunicável. Na prisão, conhece o abade Faria, amizade que transformará a vida de Dantés e criará as condições para a vingança que o marujo tramou durante o tempo em que esteve preso. O livro recebeu adaptações para o teatro, virou série de TV, anime, novelas. Somente no cinema foram mais de dez adaptações desde 1918, a mais recente em 2011, dirigido por Kevin Reynolds e estrelado por Jim Caviezel (Edmond Dantés), Guy Pearce (Fernand Montego), Richard Harris (abade Faria) e Dagmara Dominczyk (Mercedes).      

domingo, 6 de maio de 2018

Pornopopéia – Reinaldo Moraes


“A alma, como se sabe, é um organismo arcaico com três órgãos: miolos, estômago e genitália”.
Reinaldo Moraes é daqueles escritores cuja obra podemos enquadrar como “maldita” ou “marginal” (isso é um elogio!). É o que costumo chamar de literatura “neurótica” (outro elogio!), onde não há mocinhos e vilões, ou todos são mocinhos e vilões, os protagonistas vivem à margem de todas as convenções, mergulhados em vícios e loucuras.   Li  Pornopopéia, pela primeira vez em 2012, quando comprei o livro “às cegas”, nunca tinha ouvido falar nem da obra nem do autor. Um bom livro é aquele em que o autor diz o que quer dizer de forma acessível e ainda desperta a curiosidade do leitor para outros livros do mesmo autor. Pornopopéia é isso. O leitor não consegue desgrudar dele e ainda fica curioso em ler a obra de Reinaldo.  
“Quero morrer gordo e barrigudo, pesando de dois a três engradados de cerveja acima do peso ideal”.
O livro é uma baixaria de alto nível, inspirada, criativa e engraçadíssima. Zeca, o personagem-narrador, é um ex cineasta, à frente de uma produtora falida,  que vive na base do improviso, sem dinheiro, sem trabalho (ou quando consegue é de baixa remuneração e qualidade duvidosa), e com uma disposição indisfarçável e ilimitada para se meter em confusão. “Respeite o meu baixo nível, é o alto favor que lhe peço. Faça da minha vulgaridade um parque para as suas diversões”, diz Zeca. Extremamente crítico com relação a tudo e todos, menos com ele mesmo, só encontra a ternura ao lembrar-se do filho, Pedrinho. Mas a sua participação como pai resume-se a levar o garoto, esporadicamente, ao shopping para ficar subindo e descendo a escada rolante.
“Pra que nomes quando se está dentro de uma buceta? Tanto que só dão nome às pessoas quando elas saem de lá”.
Na primeira parte do livro, Zeca é incumbido da missão de fazer um roteiro para uma propaganda de enlatados e, entre uma “cafungada” e outra em busca de inspiração, decide ir, na companhia da deslumbrante adolescente Sossô e do amigo Ingo, à uma surubrâmane, uma sessão de sexo grupal “à luz da doutrina Zebuh Bhagadhagadhoga”. Imagine o que pode sair (ou entrar) dessa suruba espiritual nirvânica regada a ácido e pó. Aliás, “carreiras” é o que não falta na vida de Zeca, já que a sua como cineasta está em franca e irrefreável decadência, além de botecos underground, frequentado por prostitutas, travestis, cafetões e consumidores vorazes de drogas.
“- Não é legal ficar comendo mulher casada”.
“- Por que não? Elas têm buceta igual às solteiras. Só que usam bem menos”.
A vida de Zeca se complica de vez quando ele se vê envolvido, injustamente, na morte do seu traficante-fornecedor. O que já era um desbunde geral vira uma epopéia pornográfica, uma pornopopéia. Na segunda parte do livro, Zeca está escondido em Porangatuba, uma praia paradisíaca no litoral do Rio de Janeiro, onde ele não perderá a oportunidade de se meter com mulheres e em confusões.   Destaque para os neologismos, para os trocadilhos e para as frases geniais construídas por Reinaldo, como na ocasião em que Zeca está se afogando em Porangatuba: O vômito está boiando à minha volta durante um bom tempo. Se eu morresse afogado ali iria engolir parte do meu próprio vômito, num processo de autoreciclagem digno de algum prêmio ambientalista internacional. E completa: É doce morrer no mar o caralho. É salgado pra cacete. Para quem procura um romance contemporâneo de qualidade é uma boa pedida. E valeu a releitura!

domingo, 22 de abril de 2018

Os três mosqueteiros – Alexandre Dumas


“As mulheres foram criadas para a nossa ruína, e é delas que provêm todas as nossas misérias”.
Nos acostumamos a relacionar clássicos da literatura a livros enfadonhos com uma linguagem empolada que mais afasta do que forma novos leitores. Pois é, esqueça isso ao ler Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas, que numa prosa fluente usa do sarcasmo e do humor refinado para misturar romances improváveis, intrigas palacianas e batalhas, muitas batalhas. Publicado inicialmente em formato de folhetim entre março e julho de 1844, saiu em formato de livro ainda no mesmo ano. A obra já surpreende no título, pois os três mosqueteiros são, na realidade, quatro. E aquele que não é mosqueteiro de fato, mas apenas “honorário”, D’Artagnam, é o grande protagonista da história.
“Há na riqueza uma profusão de detalhes e caprichos aristocráticos que casam bem com a beleza”.
Em 1625, o gascão D’Artagnam chegou a Paris com um propósito: ser mosqueteiro do rei, uma espécie de tropa de elite real cuja missão principal era dá proteção à pessoa do rei Luís XIII. Com uma carta de recomendação endereçada ao conde de Tréville, capitão dos Mosqueteiros, o jovem se mete em trapalhadas que o levam a desafiar três mosqueteiros (Athos, Porthos e Aramis) ao mesmo tempo e no mesmo local (uma enrascada de proporções suicidas). Ao mesmo tempo em que as suas trapalhadas lhe metem em encrencas, também o salva. Foi o que aconteceu! Por trapalhadas, dessa vez do destino, os quatro se tornam inseparáveis, e D’Artagnam um mosqueteiro, digamos, honorário. 
“De todas as paixões, o amor é a mais egoísta”.
O professor da literatura da Universidade de Córsega, Pascal Marchetti-Leca afirma que Dumas foi o fundador do romance histórico com um método trivial: recriar fatos históricos com maestria. À quem o acusava de “violentar” a história para atender a seus caprichos de ficcionista, ele respondia: “Sim, reconheço que a violento, mas faço lindos filhos com ela”. E é verdade. Mas, afinal, os três mosqueteiros existiram? Segundo o historiador francês Jean-Christian Petitfils, sim, eles existiram, mas nunca atuaram juntos. E isso faz diferença?

domingo, 15 de abril de 2018

Enclausurado – Ian McEwan


“Considero-me um inocente, descomprometido com lealdades e obrigações, um espírito livre, apesar do pouco espaço de que disponho”.
Não é a toa que Ian McEwan é considerado o melhor escritor britânico em atividade. A ideia de escrever Enclausurado, seu mais recente romance, publicado em 2016, surgiu quando conversava com sua nora grávida. Chamado por vezes de “Ian Macabro” por causa da natureza das suas primeiras obras, publicadas em meados dos anos 70, McEwan usou do humor, da inteligência e de uma criatividade espantosa para transformar um feto no narrador da história desse livro. E não é um narrador qualquer, mas um narrador que tem opiniões refinadas sobre vinhos e guerras e que se defronta com questões éticas e existenciais antes mesmo de nascer.
“Nem todo mundo sabe o que é ter o pênis do rival do seu pai a centímetros do seu nariz”.
O humor refinado de Ewan se faz presente já nas primeiras linhas do livro: “Então aqui estou, de cabeça para baixo, dentro de uma mulher. Braços cruzados pacientemente, esperando, esperando e me perguntando dentro de quem estou, o que me aguarda”. Obviamente que o narrador, um feto que ainda não nasceu, não tem nome, mas conta a história de Trudy Caincross, sua mãe, que ao lado do amante e cunhado Claude Caincross, trama a morte do marido, John Caincross, que vem a ser o pai do feto-narrador. O objetivo de Trudy é ficar com a mansão que John recebeu como herança dos pais.
“Quando o amor morre e um casamento se desfaz, a primeira vítima é a lembrança sincera, a recordação decente e imparcial do passado”.
Do útero materno, o narrador pensa numa forma de evitar o assassinato do próprio pai. Mas como fazer isso? Se não conseguir evitar o crime, deve se vingar dos assassinos no futuro? Mesmo sendo a sua mãe a assassina? São dilemas shakespearianos como esses que povoam a mente ainda em formação do pequeno feto. Entre um dilema e outro, o narrador tece opiniões sobre os vinhos tomados pela mãe durante os fogosos jogos sexuais com o amante e cúmplice. Num tom notadamente irônico, McEwan tenta, e surpreendentemente consegue, passar ao leitor a experiência de ser um feto prestes a nascer envolvido numa trama de assassinato. 

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Pulp – Charles Bukowski


“O inferno era o que a gente fazia dele”.
Pulp é o ultimo e mais atípico dos romances de Bukowski. Não é autobiográfico e o protagonista não é o alter-ego do autor, Henry Chinasky.  Concluído alguns meses antes da morte do autor, em 1994, o romance é uma mistura de história noir de detetive, subliteratura e filmes B, porém é impossível não observar as marcas registradas do “escritor maldito”, como os palavrões, o humor ácido e as reflexões pessimistas sobre a vida.
“A insanidade é relativa. Quem estabelece a norma?”
No sexto e último romance de Bukowski somos apresentados a Nick Belane, um detetive beberrão, encrenqueiro e de maus modos, autointitulado o “melhor detetive de Los Angeles”. Com uma tendência para resolver casos no mínimo inusitados, Belane é contratado por uma certa Dona Morte para encontrar um homem chamado Celine, que vem a ser o escritor francês maldito, falecido em 1961, que influenciou Bukowski.
“A vida dos escritores era mais interessante do que os livros deles. Hoje, nem a vida nem a literatura são interessantes”.
Enquanto tenta achar o falecido escritor, Beline é contratado por um marido desconfiado para descobrir se a sua esposa é adúltera. Sendo o “melhor detetive de Los Angeles”, Beline só consegue flagrá-la uma vez na cama com um homem: o próprio marido. Outra missão inusitada de Beline é livrar um vendedor de caixões de um extraterrestre que o domina. O problema é que o extraterrestre é uma exuberante mulher que também domina Belane.
“Não era o meu dia. Nem minha semana. Nem meu mês. Nem meu ano. Nem minha vida. Porra”.
Mas a missão mais difícil de Belane é encontrar o Pardal Vermelho. Mas o que vem a ser o Pardal vermelho? Entre as bebedeiras e as trapalhadas de Belane você descobrirá. Mas antes verá a forma desdenhosa como Bukowski via a vida humana. A presença de um personagem que simbolizava a morte pode ser um indício de que o “velho Buck” sabia que estava em seus últimos suspiros.     

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Hollywood – Charles Bukowski


“Dinheiro é como sexo. Parece muito mais importante quando a gente não tem...”
Sem metáforas, sem alegorias. Assim são os diálogos de Bukowski. E é nessa simplicidade que reside a genialidade do velho Buk. Em Hollywood, quinto romance do autor, publicado em 1989, não é diferente. Nele, Henry Chinaski, um escritor de contos e poesias, recebe um convite para escrever um argumento para um filme de longa-metragem. Apesar de ter aversão ao cinema e à pompa Hollywoodiana, Chinaski topa o trabalho por causa dos vinte mil dólares prometidos e pagos. E não esconde isso de ninguém.
“Contar histórias repetidas vezes parece tornar elas mais reais do que devem ter sido.”
A reação dos fãs não é positiva. Muitos o acusam de ter se vendido. O que ele não nega. Bukowski tenta levar a discussão para o fato de seu alterego conseguir manter ou não sua autenticidade mesmo trabalhando por dinheiro. A linguagem e o estilo do próprio livro mostram que não. O velho Bukowski continuou o mesmo, com sua linguagem crua e desconcertante, o seu (mau) humor ácido e sua sinceridade que beira a deselegância.
“Meus inimigos são minha fonte de renda. Me odeiam tanto que se torna um caso de amor subliminar”.
É publico que Bukowski tinha aversão ao cinema e a Hollywood e o romance foi escrito a partir da experiência vivida por ele em meados dos anos 80, quando foi convidado a escrever para o cinema. O velho Buk aceitou por dinheiro. E não escondeu isso de ninguém. Não é preciso dizer que Hollywood, a exemplo de toda a sua obra, é extremamente autobiográfico. Independente do tema abordado, sempre vale a pena ler Charles Bukowski.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Misto-quente – Charles Bukowski


“Jamais haveria um jeito de eu viver confortavelmente entre as pessoas. Talvez eu me tornasse um monge. Fingiria acreditar em Deus e viveria num cubículo, tocando órgão e eternamente embriagado de vinho”. 
Bukowski é aquele sujeito que consegue transformar o bizarro, o degradante, o marginal em arte. E ele faz isso em Misto-quente, seu quarto romance, lançado originalmente em 1982 e, até agora, seu melhor romance. Nele, Bukowski é o “escritor maldito” que conhecemos, que com sua escrita simples e direta é capaz de dizer tudo o que quer sem meias palavras. Considerado o romance de formação do autor, muitos dizem que quem não leu Misto-quente não leu Bukowski.
“Com a bebida, a vida era maravilhosa, um homem era perfeito, nada mais poderia feri-lo”.
Henry Chinaski é o alterego do autor (o romance é praticamente uma autobiografia, com Bukowski na sua fase de juventude) que vive sua infância num ambiente viciado: o pai alcoólatra e violento, batia cotidianamente no filho; a mãe, apesar de carinhosa com o filho, é omissa diante da violência do marido por temê-lo.  É durante suas reflexões sobre esse período que Chinaski consegue manifestar o mais fidedignamente seus sentimentos com relação à vida, a sua infelicidade embaixo da casca de durão, como essa quando frequentava o jardim de infância:   
“Foi no jardim de infância que conheci as primeiras crianças da minha idade. Elas pareciam muitas estranhas, sorriam e conversavam e pareciam felizes. Não gostei delas.”
A acidez das palavras e das ideias de Bukowski, expressa através de Chinaski, transparece de forma límpida quando ele toca em temas sensíveis, como no trecho abaixo;
“Eu havia rompido com a religião alguns anos atrás. Se houvesse alguma verdade por trás dela, era uma verdade que idiotizava as pessoas ou atraía as mais idiotas. E se por acaso a religião não contivesse em si verdade nenhuma, os tolos que nela acreditavam seriam então duplamente idiotas.”
Chinaski (ou Bukowski) era um pessimista com relação à humanidade (alias, com relação a tudo), tanto que quase não se relacionava com colegas de escola. Seu único amigo era um marginalizado como ele:
“Joe não ia vir. Não valia a pena confiar em nenhum outro ser humano. O que quer que fosse preciso para estabelecer essa confiança, não estava presente na humanidade.”
Considero Bukowski melhor romancista do que contista, mas em Misto-quente ele supera até mesmo o romancista Bukowski de outros livros.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Mulheres – Charles Bukowski


“A pior coisa prum escritor é conhecer outro escritor, e, pior ainda, conhecer uma penca de escritores. Um bando de moscas em cima da mesma merda”.
A minha “Lua-de-mel” com Bukowski começou exatamente em 2014 com mulheres, romance publicado em 1978. Em 2012, li Crônica de um amor louco, de Charles Bukowski, e não consegui enxergar a sua genialidade nos contos do livro. Mas, como afirmei naquela ocasião, livro tem seu tempo para ser lido, acredito que tenha lido “o velho safado” no momento errado. Após ler Mulheres naquela ocasião, decidi que, definitivamente teria que reler Crônica de um amor louco e ler toda a sua obra. Foi o que fiz e agora reli.
“Eu não sei do que os outros escritores precisam, nem me interessa. Não os leio mesmo”.
 Como em vários de seus contos, em Mulheres Bukowski aparece como personagem, através de seu alter ego, Henry Chinaski, um escritor beberrão e viciado em corrida de cavalos que, aos 55 anos, está a 4 em jejum sexual. Depois de um relativo sucesso de suas poesias, a vida sexual do embriagado Chinaski começa a mudar. E muda radicalmente! Mulheres é uma sucessão de aventuras sexuais do escritor, onde ele entra e sai da vida de uma série de amantes dos mais variados perfis. A única constância é a bagunça que ele deixa ao sair de suas vidas.
“Eu era a soma de todos os erros: bebia, era preguiçoso, não tinha um deus, ideias, ideais, não me preocupava com política. Eu estava ancorado no nada, uma espécie de não ser”.
Nesse livro, a genialidade de Bukowski aparece na forma como ele mostra o mundo (dos desajustados) como ele realmente é, usando uma linguagem sem afetação. Com um olhar cru, Chinaski divide com o leitor detalhes sórdidos de sua vida sexual através de Chinaski. Por isso, Mulheres é um livro para ficar nas prateleiras mais altas da biblioteca, mas que deve ser lido, mais cedo ou mais tarde...     

segunda-feira, 12 de março de 2018

Jack Kerouac

Jean-Louis Lebris de Kerouac nasceu no estado norte americano de Massachusetts em 1922, filho mais novo de uma família de origem franco-canadense e ficou conhecido no mundo todo como Jack Kerouac, o pai e porta-voz do movimento Beat, títulos que rejeitava. Em 1943 foi dispensado pela Marinha por razões psiquiátricas e, entre idas e vindas para Nova York, escreveu seu primeiro romance, Cidade pequena, cidade grande, publicado em 1950.  Escrito de forma convencional, o livro foi bem recebido pela crítica, mas não lhe trouxe nem fama nem dinheiro. Devido à experiência com o primeiro livro, kerouac passou muito tempo sem publicar.
Durante as quase duas décadas em que ficou sem publicar, viajou pelos Estados Unidos e México na companhia de amigos, principalmente Neal Cassidy. Toas as suas experiências de viagem eram registradas e deram origem aos seus livros que seriam publicados no futuro. O principal deles, que lhe trouxe fama e dinheiro, foi On The Road, publicado em 1957, um relato da sua viagem por sete anos pela Rota 66 na companhia de Cassidy e que seria consagrado mais tarde como a “Bíblia Hippie”. Há muitas histórias em torno do livro, algumas condizem com a verdade, outras não passam de lendas. 
Usando um fôlego narrativo alucinante, que ele chamava de prosa espontânea, escreveu o livro em três semanas em folhas de papel manteiga coladas umas às outras para que ele não precisasse trocar de folha à todo momento. O material, tal como ele escreveu, foi rejeitado por vários editores. Quando o material bruto chegou à mãos do editor Malcolm Cowley, em 1957, deu muito trabalho para torna-lo publicável, já que Jack não se preocupou em cadenciar o fluxo de palavras com parágrafos nem utilizou pontos e vírgulas. Dizem as más línguas que Jack escreveu todo o livro sob efeitos de Benzendrina, o que ele nega. Segundo ele, a única coisa que ele tomou nas três alucinantes semanas foi café.
Os subterrâneos, publicado no ano seguinte, relata a experiência dele quando se envolveu com uma moça negra, em 1953. Em 1960, publicou Tristessa, o relato de sua paixão por uma prostituta mexicana viciada em morfina. No início dos anos 60 resolveu se isolar no alto de uma colina por vários dias a base de álcool e drogas, experiência relatada no livro Big Sur, publicado em 1962. Toda a obra de Jack Kerouac é marcadamente autobiográfica e criou, em torno da sua figura, uma mística libertadora.
No entanto, a biografia Jack Kerouac: king of the beats, do escritor britânico Barry Miles, publicado pela primeira vez em 1998, desmistifica essa imagem do escritor, retratando-o como alcoólatra, machista, antissemita, oportunista e insensível que não hesitava em procurar os amigos quando estava em dificuldades e esquecê-los por completo quando tinha dinheiro. No livro de Miles, chama a atenção dois aspectos da sexualidade de Kerouac: a paixão pela mãe (e dela por ele), o que atrapalhava os seus relacionamentos com as mulheres; e a sua insistência em negar aspectos da sua sexualidade, principalmente a sua tração por homens.

Kerouac morreu em 21 de outubro de 1969, aos 47 anos, de cirrose hepática. Se estivesse vivo, faria hoje 96 anos.

sábado, 10 de março de 2018

Factótum – Charles Bukowski


“As pessoas não precisam de amor. Precisam é de sucesso, de uma forma ou de outra. Pode ser que seja no amor, mas não necessariamente”.
O segundo romance de Charles Bukowski, Factótum, lançado em 1975, não é um livro para ser lido por qualquer um, como toda a sua obra. Mais uma vez está lá o alter-ego do autor, o anti-herói Henry Chinaski, com suas bebedeiras, suas confusões, seus empregos efêmeros e suas amantes idem. A sordidez presente em Factótum, que para muitos seria um demérito da obra, representa o seu ponto forte quando se trata de Charles Bukowski, “O velho safado” da literatura mundial.
“A alma de um homem está profundamente enraizada em seu estômago.”
Nessa obra, Chinaski é considerado inapto para o serviço militar, portanto não pôde combater na Segunda Guerra Mundial. Então, o que fazer quando todo o país está unido para o combate e você não está entre os “heróis”? Para Chinaski, o mais apropriado é beber muito, trepar muito e escrever muito. E de vez em quando arrumar um emprego para comprar muita bebida, pagar (atrasado) o aluguel e comer o suficiente para ter forças para escrever. É uma versão Bukowskiana do artista quando jovem.
 “Uma mulher é um emprego de turno integral.”
A cada livro, Bukowski exercita seu desapego levado ao extremo. E em Factótum não é diferente. Nada prende Henry Chinaski! Nem amores, nem trabalho, nem pai nem mãe. Nada! Como são comuns nas obras de Bukowski, os diálogos dessa obra são memoráveis pela simplicidade associada à profundidade. O Velho Buk fala sem rodeios tudo o que a maioria quer falar ou ouvir. O grande mérito de Bukowski é conseguir viver numa liberdade absoluta, mesmo estando na miséria.

domingo, 4 de março de 2018

Cartas na rua – Charles Bukowski

“Esse tipo de vida que levamos é comum demais: está nos matando.”
Em 2012 li um livro de Charles Bukowski pela primeira vez. Confesso que não morri de amores. Esperei três anos para ler de novo aquele mesmo livro que não havia gostado (no caso, o livro de contos Crônicas de um amor louco) e, inexplicavelmente, fiquei fascinado pelo autor. Desde então, li toda a sua prosa (não leio poesia) e meu fascínio aumentou a cada livro lido. Recentemente, resolvi reler os livros de Bukowski e, para meu espanto, redescobri novas facetas do Velho safado. Todos esses livros já foram comentados aqui, mas vou publicar novamente os textos com as novas impressões que tive.
“Provavelmente eu não passava de um retardado e tinha que agradecer apenas pelo fato de estar vivo”.
Primeiro livro de Charles Bukowski, publicado em 1971, possui o estilo histriônico e seco que vai caracterizar toda a obra do Velho Safado. Os diálogos com frases curtas se baseiam nas vivências do velho Buk, que usa seu alterego Henry Chinaski (que estará presente em quase toda a prosa do autor) para contar a vida de um quarentão beberrão e mulherengo, mas, ao mesmo tempo, para criticar a América desencontrada e suas instituições. Em Cartas na rua, Bukowski usa Chinaski para falar da época em que trabalhou nos correios, onde ficou até os 49 anos enquanto lutava para ser reconhecido como escritor. No livro, o emprego não dura tanto tempo assim. Quando se aproximava os três anos que lhe dariam estabilidade, Chinaski pedia demissão e ia viver das apostas nas corridas de cavalo.
“A comida é boa para o espírito e para os nervos. A coragem vem da barriga – tudo mais é desespero”.
Como nos outros livros de Bukowski que seriam publicados nos anos seguintes, seu alterego é obcecado pela instabilidade, não consegue passar muito tempo num emprego “normal”. De dose em dose, o velho Chinaski vai pulando de emprego em emprego sem que nenhum o satisfaça minimamente. Aqui ele conhece Joyce, uma jovem de 23 anos cheia da grana (detalhe que ele desconhecia ao conhecê-la) que quer provar para a família que consegue sobreviver sem depender de parentes e, para isso, obriga Chinaski a achar mais um dos empregos “normais” para que ambos consigam se sustentar sem recorrer ao auxílio da família de Joyce.
“mulheres nasceram para sofrer; não é de surpreender que peçam constantes declarações de amor”.
Como isso vai acabar todo mundo já sabe: num grande porre e o bebum saindo de casa e procurando alguma espelunca barata para morar. Essa é a vida de Chinaski em todos os livros de Bukowski em que ele aparece como protagonista: uma sucessão de empregos, porres e mulheres em que um obcecado pela insegurança busca aventurar-se, fugindo do que pareça convencional. A narrativa direta e hilária de Cartas na rua será uma constante na obra de Bukowski, um sujeito que não criava realidades e acontecimentos nos seus livros, ele apenas escrevia o que vivia.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Ademir Lemos: o pai do funk brasileiro


Não gostar de funk, hoje, é sinal de bom gosto musical. Ser chamado de funkeiro, para muitos, é xingamento. Em parte, têm razão. Como todo gênero musical, o funk foi “sequestrado” pela indústria cultural e transformado num mero item mercadológico. E como sempre acontece nesses casos, a apelação se torna mera estratégia de vendas.  Mas na sua origem, lá pelos anos 50 nos Estados Unidos, o funk tem nomes como Miles Davis e James Brown como seus precursores, que juntaram o Jazz e a Soul Music para criar um estilo mais dançante.  Alias, coube a esse último colocar o funk no mapa internacional.
Identificado com o movimento negro norte-americano, o funk deu origem a outros ritmos, como o hip-hop e o breakdance. Cabe dizer que, na minha concepção, o funk é ritmo, a chamada “batida”. Não espere de funkeiros, inclusive os clássicos, letras bem elaboradas, poesias. O funk, desde a sua origem, foi um ritmo feito para dançar!
Aqui no Brasil, muitos afirmam o ritmo aportou por volta de 1969 e teve como pioneiros Tim Maia e Tony Tornado, que adotaram o cabelo Black Power e fundaram o Movimento Black Rio. Mas antes disso, em 1966, um discotecário (como eram chamados os DJ’s na época) magro, alto, com um bigode vistoso e desprovido de beleza chamado Ademir Lemos já agitava a Boate Le Bateau, no Rio de Janeiro, com a batida frenética do funk. Inclusive dançando com os frequentadores da boate! Ele mesmo conta, em tom de brincadeira, que foi a primeira chacrete da TV, dançando rock na TV Continental. Ademir era um exímio dançarino!
Enquanto Tim Maia e Tony Tornado frequentavam os grandes festivais nas principais emissoras de TV do país, Ademir Lemos lançou o primeiro vinil nacional sem intervalos entre as músicas, o Le Bateuax Ao Vivo, e fazia os lendários Bailes da Pesada, que traíam cerca de 5 mil dançarinos todas as noites. Somente no final dos anos 80 é que se lançou como cantor de funk e em 1991 gravou o LP Um senhor baile, com o seu único sucesso, Rap da Rapa, com samples das músicas Money for nothing, do Dire Straits e Cocaine, de Eric Clapton.
Em 1996, Ademir sofreu um derrame que o deixou parcialmente paralisado, fazendo com que fosse morar com a sua filha, em são Paulo. Morreu há exatos 20 anos, no dia 24 de fevereiro de 1998, por complicações em decorrência de uma queda.