quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Martin Eden – Jack London

“O realismo é necessário à minha natureza e o espírito burguês odeia o realismo. A burguesia é covarde. Receia a vida.”
Jack London ganhou fama de escritor de aventuras. Nada mais injusto! Martin Eden, romance publicado em 1909, tem fortes tons autobiográficos e é considerado por muitos críticos a sua obra mais importante. Á exemplo de London, o personagem que dá título à obra, Martin Eden, era marinheiro e resolveu, por razões meramente financeiras, virar escritor. Da mesma forma que o seu criador, Martin Eden estudou por conta própria e alcançou o sucesso. Porém, criador e criatura tem uma diferença: enquanto que London foi um ferrenho socialista, Martin se declarava um individualista a la Nietzsche.      
“Piedade e compaixão haviam-se gerado nos barracões subterrâneos dos escravos e nada mais eram do que a agonia e o suor de uma multidão de fracos e miseráveis.”
O marinheiro Martin Eden se apaixona por uma jovem de classe média, Ruth. Esnobado pela família da jovem por não ter dinheiro nem dotes intelectuais, Martin chega a estudar 19 horas por dia com o objetivo de ascender socialmente e poder casar com a sua pretendida. Passa a ser alvo da incompreensão da família da jovem e de seus próprios familiares por querer ser escritor, em detrimento de uma carreira mais convencional, como advogado. Com uma sede interminável de saber, Martin acumula um nível extraordinário de conhecimento e passa a escrever contos e romances. O problema é que seus escritos são reiteradamente recusados pelas editoras.
“Fora uma Ruth idealizada que amara, uma criatura etérea por ele próprio criada, espírito brilhante e luminoso de seus poemas de amor. A verdadeira Ruth burguesa, com todos os seus defeitos burgueses, com todas as irremediáveis arestas de uma psicologia burguesa – essa ele nunca amara.”
Sem paciência para esperar que os escritos de Martin fossem descobertos pelos editores, os pais de Ruth a obrigam a romper o noivado com Martin, que não desiste dos seus propósitos. Até que um golpe de sorte faz com que sua obra saia da sombra e ele se torna um escritor rico e famoso, sucesso de crítica e público. Uma celebridade bajulada por todos aqueles que o desprezaram, inclusive sua família e de Ruth, que tenta reatar o relacionamento, mas é rejeitada. Martin não consegue uma reaproximação com a classe operária, mas o abismo intelectual impede. A classe alta, que abre as portas para ele, não o interessa, pois vive uma vida vazia de propósitos. Depois de alcançar seus objetivos, a vida de Martin se enche de vazios.  

domingo, 25 de setembro de 2016

Antes de Adão – Jack London

A forma como Jack London teve a ideia para escrever Antes de Adão, publicado em 1907, é no mínimo curiosa. Segundo ele, um antepassado seu de milhões de anos aparecia nos seus sonhos e mostrava-lhe como era a vida na Pré-história. Na obra, a narrativa se dá exatamente dessa forma: o narrador dorme e sonha com Dentuço (um ser pré-histórico, que ele acredita ser seu antepassado) e suas aventuras. Esse narrador acredita que há um “poder” no nosso DNA que nos permite lembrar fatos acontecidos com um antepassado nosso há milhões de anos.
Dentuço era um habitante da Tribo, seres mais evoluídos do que o Povo das Árvores, (que ainda viviam num estágio semelhante aos macacos), mas menos evoluídos que o Povo do fogo, que tinha como principal diferencial dos outros povos o fato de já ter o controle sobre o fogo. Todos esses povos viviam em conflitos por comida e território. Na tribo, conhecemos Olho Vermelho, um sujeito cruel que tinha mais características do Povo das Árvores e se tornou o maior desafeto de Dentuço que, abandonado pela mãe e pelo padrasto, resolve conhecer o mundo ao lado de Orelha-de-Abano, seu fiel amigo e se evolverá em uma série de aventuras.
Nas suas andanças, além de aventuras, Dentuço vais conhecer Ligeira, por quem se apaixona. Além do amor, o antepassado andante também vai conhecer o perigo na forma de feras pré-históricas, que tinha em indivíduos como Dentuço uma dos seus “pratos prediletos”. O local onde a história se passa é indeterminado e chamado apenas de “Continente”, com rios, florestas e pântanos. Quando a história se passa também é uma incógnita, sabemos apenas que “há milhões de anos”. O fato é que, com uma narrativa vívida e ágil, Jack London consegue fazer com que o leitor sintam os sons e os cheiros da Pré-história.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Caninos brancos – Jack London

“É que, por detrás de cada desejo do homem, existia sempre o poder que vinha reforçá-lo, um poder que sabia magoar e cujos meios de expressão eram pancadas, pedradas e vergastadas dolorosas”.
Depois de O apelo da selva (1903) e O lobo do mar (1904), Jack London publica seu terceiro sucesso consecutivo em 1906, Caninos Brancos que segue a mesma linha do primeiro romance, ou seja, a história de um cão (que vem a ser o bisneto de Buck, personagem do O apelo da selva), só que seguindo um caminho inverso. Enquanto que no primeiro romance Buck é um cão doméstico que se transforma num lobo selvagem, em Caninos Brancos o lobo selvagem será transformado num cachorro domestico. O que há em comum é que, em ambas as histórias, o homem será o responsável pelas transformações.
“A sua submissão ao homem parecia superar tudo o mais: o amor à liberdade, à espécie, à família”.
Mais uma vez o cenário é a corrida do ouro no Alasca no século XIX. Kishe, uma cachorra metade loba, lidera uma alcateia num período de comida escassa, quando até o homem pode se transformar em presa. Após se retirar para ter a primeira ninhada, da qual fará parte o nosso protagonista, Kishe é encontrada por índios que levam o filhote para a tribo. Começa aí a saga daquele que os índios batizaram de Caninos Brancos, um lobinho que sentirá pelos homens um misto de admiração e medo, humilhação e raiva. Submetido ao poder do seu “deus” homem, Castor Cinzento, Caninos Brancos passou a temer a mão do homem.
“O objetivo da vida era a carne. A própria vida era carne. A vida vivia da vida. Havia os que comiam e os que eram comidos”.
Nesse ambiente de dor e medo, o pequeno lobo cresceu e transformou no animal mais temido da tribo. Mas Castor Cinzento tinha problemas com a bebida e, para pagar dívidas, vendeu o seu animal para um dono, o perverso Beleza Smith, que o utilizou para lutar em rinhas. Caninos Brancos ficava cada vez mais feroz e aprendia que, para sobreviver, teria que se adaptar sempre. Sua sorte só começa a mudar depois de estar às portas da morte. Um livro que fala da capacidade de homens e animais de se adaptarem aos mais variados ambientes, que mostra que todos os animais, inclusive os humanos, respondemos à violência com violência e ao amor com amor.    

domingo, 18 de setembro de 2016

O lobo do mar – Jack London

A vida é como o fermento, uma levedura que se move por um minuto, uma hora, um ano, um século, um milênio, mas que por fim terá paralisado os movimentos. Para manter-se em movimento, o grande come o pequeno. Para manter-se forte, o forte come o fraco. O que tem sorte prolonga o seu movimento por mais tempo- eis tudo.
Em 1893, pouco antes de completar dezessete anos, Jack London quase morreu afogado após uma bebedeira. Foi resgatado por um pescador e logo depois desse episódio embarcou num navio de pesca rumo ao pacífico. Onze anos depois, London retratou essas experiências em O lobo do mar, publicado um ano depois de O apelo da selva, obra que vinha fazendo um estrondoso sucesso de público e crítica. A obra, que tem um viés autobiográfico já que o autor, por mais de uma vez, esteve embarcado, aborda temas como a ética e valor da vida.
“Não sabe por acaso que o único valor que a vida tem é o próprio valor que essa vida se atribui? E ela se superestima, já que por necessidade deve defender a si mesma.”

Humphrey Van Weyden é um acadêmico bon vivant que vive às custas do dinheiro do pai. Durante a travessia da Baía de São Francisco, quando voltava para casa depois de visitar um amigo, a balsa naufraga e Humphrey é resgatado inconsciente pelo barco de pesca Ghost. Quando recobra a consciência, o náufrago descobre que está a caminho do Japão para uma temporada de caça e o capitão se recusa a retornar para São Francisco. E essa não é a única má notícia: o capitão é Wolf Larsen, um homem frio, bruto e cruel, que não hesita em espancar até a morte quem ousa desobedecer aos seus comandos.
“O prazer é o preço da vida. Sem ele, não vale a pena viver. Trabalhar pela vida e não ser pago é pior do que morrer. Aquele que sente mais prazer é quem vive mais”.
Wolf Larsen não apenas se recusa a retornar para são Francisco como vai obrigar Humphrey a pagar com trabalho duro a sua “estadia”. Isso representará um pesado golpe para Humphrey, um sujeito acostumado com uma vida de luxos e que nunca tinha trabalhado na vida. Nessa relação de medo e intimidação, o “hóspede” descobre que Larsen, apesar da sua brutalidade, é um autodidata que tem como hobby ler obras dos mais diversos pensadores. A partir daí, a relação entre os dois se estenderá para discussões sobre o bem e o mal, a existência da alma e a busca pela felicidade.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O apelo da selva – Jack London

Buck não lia jornais, caso contrário teria sabido que se adivinhavam problemas não apenas para si, mas para todo o cão de Tidewater, de músculos fortes e com pêlo quente e longo, de Puget Sound a San Diego.
Buk é um cão mestiço, filho de um São Bernardo com uma Collie, que vivia na fazenda do juiz Miller, numa existência luxuosa num ambiente de comida farta até que é vendido pelo jardineiro da fazenda como forma de pagar uma dívida de jogo.  Levado para o Alasca para servir de cão guia de trenós em plena corrida do ouro, Buk vai aprender, da pior forma possível, sobre o comportamento dos homens e dos outros animais. Começa o gradativo processo de mutação de um cão doméstico e dócil num lobo selvagem.
"- Então? Que é que eu disse? Não falei a verdade, quando disse que esse Buck valia por dois demônios?!"
A história se passa no ano de 1897, quando homens e mulheres se atiravam na busca de desenfreada por ouro nas regiões mais inóspitas e selvagens do Alasca. É nesse ambiente que Buk vai mudar várias vezes de dono, mas o tratamento dispensado a ele e seus colegas de infortúnio será o mesmo: fome, frio, trabalho exaustivo e maus-tratos. A convivência e o embate com outros cães vão levando Buk de volta às suas origens de lobo, desenvolvendo a força e astúcia como armas para a sobrevivência. Mesmo amando o homem, como cão domesticado, passa a se isolar cada vez mais no obscuro da selva até virar uma lenda viva, um cão de respeito e um lobo por direito. 
E, como Buck entendia as pragas como palavras de amor, assim também o homem entendia essa falsa mordida como uma carícia.
Publicado em 1903, O apelo da selva, do escritor norte-americano Jack London, faz claramente uma crítica à chamada civilidade, que necessariamente perde espaço quando a ordem do instinto é sobreviver. Todos os valores ensinados à Buck pelos seus primeiros donos deixam de existir quando o cão se vê diante de um ambiente cruel e implacável com os mais fracos. À Buck não restará alternativa a não ser se transformar num animal selvagem e mortal com outros cães e com os humanos. Isso fará de Buck uma lenda!