segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Cinema nacional: A última estação

Uma co-produção entre Brasil e Líbano, A última estação (2012), do produtor e diretor Márcio Curi e roteiro de Di Moretti, retrata a história de imigrantes árabes no Brasil. Com muita sensibilidade, poesia e humor, o filme conta a história do jovem libanês Tarik (quando jovem interpretado por Mohamad Rabah, quando adulto, pelo veterano ator libanês Mounir Maasri) que, na companhia do irmão Karim, embarcam num navio rumo ao Brasil, em meados dos anos 50, em busca de uma vida melhor.
No navio, os irmãos conhecem outros jovens árabes, com quem faz amizade. No desembarque no Brasil, cada um segue seu destino, uns com sucesso, outros nem tanto. Em 2001, enquanto terroristas muçulmanos derrubam as torres Gêmeas, nos EUA, Tarik fica viúvo e decide procurar os amigos que há tanto tempo não via nem tinha notícias. Na companhia da filha, Samia, uma jovem que nem de longe cultiva os traços da cultura árabe, percorre várias cidades em busca do seu sonho.
Além de rever os companheiros da viagem de 51 anos antes, Tarik ainda vive um idílio com Cissa (Elisa Lucinda). Filmado no Brasil e no Líbano, o filme é uma inédita produção conjunta entre os dois países e mostra o quanto a sociedade brasileira é aberta à diversidade cultural e religiosa. Um filme que vale a pena assistir...

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Jean-Paul Sartre (1905-1980)

Jean-Paul Charles Aymard Sartre nasceu em Paris em 1905, mudando-se logo após a morte do pai, aos quinze meses de idade, para Meudon, onde viveu até os seis anos, retornando a Paris. Ainda na juventude, se declara ateu, posição que manteria até o final da vida. Em 1929, conhece Simone de Beauvoir, parceira e colaboradora de toda a vida sem, no entanto, casarem-se nem nunca formarem um casal monogâmico, mantendo sempre uma relação aberta. Além da relação amorosa, os dois tinham uma grande afinidade intelectual.
Já escritor, parte para a guerra em 1939 e é feito prisioneiro no ano seguinte. Em 1941 é libertado e ingressa na Resistência, movimento de combate à ocupação nazista na França, onde conhece o também escritor Albert Camus. Em 1943, publica o mais famosos dos seus livros, O ser e o nada, que condensa todos os seus conceitos importantes da primeira fase do seu sistema filosófico.
Apesar de ser conhecido como filósofo, Sartre também era romancista, acreditava que a literatura tinha que ser engajada e não apenas entretenimento. Sua primeira obra de ficção, A náusea, um romance existencialista, foi publicado em 1938. Em 1945 começa a escrever a trilogia Os caminhos da liberdade, da qual falaremos nas próximas três quartas-feiras, composta por: A idade da razão (1945), Sursis (1947) e Com a morte na alma (1949). Em 1964, Sartre recusou o Prêmio Nobel de Literatura por acreditar que “nenhum escritor pode ser transformado em instituição”. Morreu em 15 de abril de 1980 e está enterrado em paris no mesmo túmulo que a sua companheira de toda a vida, Simone de Beauvoir. 

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A menina de cá – Carlos Nascimento Silva

A menina de cá é o primeiro livro de contos do escritor mineiro Carlos Nascimento Silva, gênero com o qual iniciou a carreira, que ficou conhecida por seus romances. Não conheço os romances do escritor, mas com relação aos contos, espero que seja o primeiro e o último livro dele. São 20 narrativas curtas, cuja temática geral é a mulher. Apesar de ser um tema que dá “panos pra manga”, a temática repetida gera uma sensação de monotonia.
Os textos são leves e bem escritos, mas o narrador masculino, que dá a impressão de ser o mesmo em todos os contos, torna o tema, o desgaste das relações homem/mulher, uma obsessão trabalhada com pouca intensidade e distanciamento, transformando-se em pura descrição dos fatos e sentimentos. O autor tinha um bom enredo e um tema explosivo ( a relação entre homens e mulheres sempre rende boas histórias), mas não soube desenvolvê-los de forma adequada.
Outra falha de Carlos Nascimento Silva foi buscar inspiração em escritores como o poeta argentino Jorge Luís Borges e o mineiro João Guimarães Rosa. Este último é possível ver a sua influência no conto-título A menina de cá, parafraseado de um conto de Guimarães Rosa chamado A menina de lá (1962). Em Ciranda, observa-se a influência do poeta argentino na linguagem do texto. O que se conclui dessas duas tentativas de se aproximar de mestres da literatura é que eles são únicos e não aceitam imitação.          

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Cinema nacional: O concurso

Se O concurso (2013), do diretor de televisão Pedro Vasconcelos e roteirizado por L. G. Tubaldini e Leonardo Levis, tivesse sido feito para ser um programa da Rede Globo, talvez tivesse dado certo. Mas como produção cinematográfica não deu certo. A linguagem do cinema é diferente da TV, os planos em close, abundante no filme, é típico da TV. Se não bastassem esses erros, O concurso está repleto de clichês, caricaturas e estereótipos ao invés de personagens, o que não deixa de ser uma característica da TV também.
Quatro candidatos no concurso para juiz federal, vindos de lugares diferentes do Brasil, se encontram no Rio de Janeiro para mais uma etapa da seleção para tão cobiçado cargo. São eles: o nerd do interior paulista Bernardo (Rodrigo Pandolfo), o beato cearense Freitas (Anderson Di Rizzi), o malandro carioca Caio (Danton Mello) e o gaúcho de Pelotas, gay enrustidíssimo, Rogério Carlos (Fábio Porchat). Vejam que os personagens principais dão um show de clichês e estereótipos batidíssimos.
Completam o elenco figuras de talento como Pedro Paulo Rangel, Jackson Antunes e Carol Castro, que mesmo assim não conseguem salvar a produção, com suas atuações fracas, talvez pela qualidade do próprio roteiro. Dá pra rir com o filme? Dá! Se você é capaz de rir com Zorra Total, por que não conseguiria rir com O concurso?


quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Alta fidelidade – Nick Hornby

Primeira obra de ficção do inglês Nick Hornby, escrita em 1996, Alta fidelidade foi recebido com entusiasmo em todo mundo e representou um retrato sensível e bem humorado da geração pós-Beatles. Mas Hornby já não era mais um desconhecido, o seu livro anterior, de 1992, Febre de bola, suas memórias de torcedor fanático por futebol, foi adaptado para o cinema e lhe rendeu prêmios literários.
Em Alta fidelidade, Rob Fleming é um sujeito de 35 anos cuja idade metal estacionou lá pelos vinte anos, é apaixonado por música e por mais nada nessa vida, tem uma lojinha de discos usados que não vende nada ou quase nada e anda na companhia de sujeitos com idade mental compatível com a sua. No diz respeito às mulheres, Rob continua sendo um amante da música e coleciona fracassos amorosos.
O livro começa com a atual namorada dele, Laura saindo de casa. Para provar que é um homem maduro, Rob elenca os “cinco términos de namoro mais memoráveis de todos os tempos” e, por vingança, deixa Laura fora da lista. Não que isso faça muita diferença para ela. Mas faz para ele! O livro foi adaptado para o cinema em 2000, tendo John Cusak no papel de Rob. Com humor sardônico e leitura leve, Hornby mostra como um trintão tem medo de virar adulto.    

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Cinema nacional: Em teu nome

Com roteiro e direção de Paulo Nascimento, Em teu nome (2009) inspira-se na vida real de José Carlos Bona Garcia, estudante gaúcho que entrou na luta armada para combater a Ditadura Militar. A história se passa entre os anos de 1969, quando a ditadura se tornou mais fechada, e 1979, ano da anistia, que trouxe os exilados de volta ao país. Ao lado de Lenora (Silvia Buarque), Onório (Marcos Verza), Higino (Sirmar Antunes) e Professor (Nelson Diniz), Boni (Leonardo Machado) faz parte da VPR (Vanguarda Popular revolucionária) e adota a via armada e a estratégia do assalto e do sequestro para combater os militares.
Após uma ação de “expropriação” (assalto), todos são presos pelo DOPS (Departamento de ação política e social), onde passam por interrogatórios e torturas, até serem trocados pelo embaixador suíço, sequestrado por colegas da VPR. Vão para o Chile, onde três anos depois vão passar pelas mesmas agruras após o golpe que derrubou Salvador Allende. Começa o périplo de Boni por vários países, como Argentina, Argélia e, finalmente, França, onde Boni ajuda a fundar o comitê pela anistia.
O filme tem um lado positivo: os medos e as dúvidas de Boni se a luta armada seria realmente o melhor caminho para se combater a ditadura, mostrando um personagem mais humano, que aprende no exílio, através do trabalho, que para se mudar a sociedade é necessário compreendê-la. Mas escorrega no maniqueísmo, onde os estudantes “bons” pegam em armas para combater os ditadores “maus”. Mas não deixa de ser um bom filme para entender a Ditadura Militar no Brasil.   

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Trem noturno para Lisboa – Pascal Mercier

Um livro que foi escrito para ser um clássico. Essa poderia ser uma pequena definição de Trem noturno para Lisboa, terceiro romance do suíço Peter Bieri, professor de filosofia em Berlim, que assina o livro com o pseudônimo Pascal Mercier. Considerado um fenômeno literário, o livro já vendeu mais de dois milhões de exemplares desde que foi lançado na Alemanha em 2004 e foi traduzido para mais de 15 idiomas. O sucesso foi tamanho que, na época, o título do livro virou expressão idiomática em alguns países para se referir a alguém que deseja mudar radicalmente de vida.
Raimund Gregorius é um homem culto, de 57 anos, professor universitário que leva uma vida certinha, previsível e monótona. Certa manhã, depois de um encontro com uma suposta suicida, Gregorius se apaixona pela língua portuguesa e resolve pegar um trem para Lisboa. Sua paixão aumenta quando, antes mesmo de pegar o trem, entra numa livraria e conhece o livro de um médico português chamado Amadeu de Prado. O médico e seu livro viram uma obsessão para Gregorius, que refaz seus passos e aprende o português, levando o leitor para vários mundos, inquietações e dúvidas.
Não é uma história de ação ou suspense, mas prende a atenção do leitor com a possibilidade do inesperado, apesar de tudo ser previsível. Confuso, não? Mas o livro é aparentemente confuso, sem ser cansativo. Um livro que nos leva a introspecção, a meditar sobre a nossa vida e as nossas escolhas. É um livro para quem gosta de ler, mas é, principalmente, um livro para quem gosta de pensar. 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Cinema nacional: A casa da mãe Joana 2

Após serem despejados do apartamento em Copacabana, os três heróis tomam rumos diferentes no final de A casa da mãe Joana. Logo no início de A casa da mãe Joana 2 (2012), Montanha (Antônio Pedro Borges), que ficou rico com o livro em que conta as aventuras com seus amigos, recebe um pedido de ajuda de Juca (José Wilker) que está preso no Cafiristão; e PR (Paulo Betti), que segue dando golpes em viúvas ricas, resolve também ir para a casa do amigo Montanha. O trio vai se juntar novamente para se meter em confusão.
 Com direção do veterano Hugo Carvana e roteiro de Paulo Halm, A casa da mãe Joana 2 é a continuação desnecessária do longa homônimo de 2008 também dirigido por Carvana. Desnecessário por que a primeira versão já mostrou ser uma comédia de humor caduco e ultrapassado a la Zorra Total, o que a continuação só veio confirmar. É engraçadinho? Sim! Graças, principalmente, ao bom elenco que também tem Betty Faria, Fabiana Karla e o estreante Caike Luna (por coincidência, trabalha no Zorra Total) que interpreta o fantasma gay Zazie.
Apesar de “engraçadinho”, o filme é repleto de situações sem nexo e surreais, como o rastreador colocado na bolsa da personagem Laurinha (Leona Cavalli), que não percebe a luz vermelha do objeto, o barulho que ele faz e passa o filme inteiro sem mudar de bolsa, mesmo frequentando festa de milionário. O estreante Caike Luna salva algumas cenas: quando seu personagem gay aparece as coisas ficam um pouco mais interessantes. Vão lá, assistam...

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Nelson Mandela (1918-2013)

Quando vi aquela imagem pela primeira vez devia ter vinte anos ou um pouco mais do que isso. Várias pessoas dançavam (sem muito molejo, para os nossos padrões) com os braços dobrados a frente do corpo. No centro do grupo um senhor de cabelos brancos, olhos apertados, vestindo terno e um sorriso ao mesmo tempo terno e radiante. Era Nelson Mandela! Aquela imagem nunca mais saiu da minha memória e transformou-se na mais emocionante e simbólica imagem que já vi desde então.
Aquele que é considerado se não o maior, mas pelo menos uns dos maiores líderes de todos os tempos morreu ontem aos 95 anos. Já era de se esperar, afinal estava com idade avançada e saúde frágil. Mas mesmo assim é de sentir um nó na garganta por tudo o que ele representou não apenas para o povo sul africano, mas para a humanidade, a ponto da ONU instituir o dia do seu nascimento como o Dia Internacional Nelson Mandela, dedicado a luta pela liberdade, pela justiça e pela democracia.
Nelson Mandela nasceu na cidade de Mvezo, em 18 de julho de 1918, e transformou-se no maior líder sul africano ao se destacar na luta contra o Apartheid, o regime de segregação racial que vigorou na África do Sul de 1948 até 1994. Por causa das suas posições antissegregacionistas, passou 27 anos na prisão, de onde saiu para assumir a presidência da Republica, cujo mandato, de 1994 a 1999, se caracterizou pelas medidas antirracistas. Em 1993, antes mesmos de ser presidente, Mandela foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz.
O legado de Mandela para a humanidade ficou expresso num discurso, em julho de 2008, durante as comemorações dos seus 90 anos, em Hyde Park, Londres: "Onde quer que haja pobreza e doença, onde quer que os seres humanos estejam a ser oprimidos, há trabalho a fazer. Após 90 anos de vida, é tempo de novas mãos empreenderem a tarefa. Agora, está nas vossas mãos".

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O fim de semana – Bernhard Schlink

Na juventude, Jörg fez parte do grupo terrorista Fração do Exército Vermelho, também conhecido como Baader-Menhof, e passou 24 anos na prisão acusado de terrorismo. Após receber o indulto e ser libertado, sua irmã Cristiane resolve reunir os seus amigos de juventude como forma de reintegrar Jörg à vida fora da prisão.  Mas duas décadas e meia separam essas pessoas, que durante esse tempo tomaram rumos diferentes, apesar de terem compartilhado pensamentos revolucionários na época de estudantes.
Mas a reunião, que seria uma forma de familiarizar Jörg com o mundo social, transforma-se numa lavagem de roupa suja onde todo mundo tem o que revelar e o que esconder. Revelações chocantes vêm à tona, cobranças pelas mortes em nome da causa revolucionária e a omissão de alguns deles tornam-se o centro das discussões. Para Jörg, fica o dilema entre continuar sendo o ícone da luta revolucionária, mas correr o risco de voltar para a prisão, ou se tornar um cidadão comum e ser visto como um covarde que passou duas décadas na cadeia para nada.
Muito além de tratar de uma mera reunião de amigos que há tempos não se viam, O fim de semana trata de questões como responsabilidade, culpa e perdão num mundo pós 11 de setembro e pós guerra do Iraque. Num ambiente tenso e claustrofóbico, permeado por amargas nostalgias, Jörg enfrentará um segundo julgamento...

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Cinema nacional: Corações sujos

Adaptado do livro homônimo de Fernando Morais, vencedor do Prêmio Jabuti de livro do ano de não ficção em 2001, Corações sujos (2011), dirigido por Vicente Amorim e roteirizado por David França Mendes, é uma verdadeira miscigenação cultural, trazendo, às vezes na mesma cena, falas em português e japonês. Na verdade, cerca de 70% do filme é falado em japonês. A história é contada por uma professora primária que fugiu da guerra no Japão, que ver seu marido, um pacato fotógrafo japonês, transformar-se num assassino e por à perder a história de amor deles.
Nos anos imediatamente após a rendição do Japão aos estados Unidos, havia um grupo no Brasil chamado Shindo Renmei, formado por japoneses que não admitiam a hipótese de seu país ter perdido a guerra. Os que aceitavam essa verdade irremediável eram chamados de corações sujos e considerados traidores, cujo castigo era a morte. Começa assim, depois do conflito mundial, uma pequena guerra dentro da comunidade japonesa no Brasil.
Com produção conjunta entre Brasil e Japão, o elenco do filme é formado por atores veteranos do Japão e por atores descendentes de japoneses que vivem no interior de São Paulo e do Paraná, além de atores brasileiros consagrados como Eduardo Moscovis, no papel do delegado de polícia. O grande mérito de filme é mostrar de forma não maniqueísta a dificuldade de adaptação do imigrante japonês aos novos tempos pós-guerra e à cultura brasileira. Um filme que vale à pena ser assistido...