domingo, 26 de fevereiro de 2017

E a culpa é do capeta!

Essa semana, o pastor Silas Malafaia, da Associação Vitória em Cristo, Ligada à igreja Assembleia de Deus, foi indiciado pela Polícia Federal por lavagem de dinheiro num esquema de corrupção em cobranças judiciais de royalties da exploração mineral. O histriônico pastor é o mesmo que vivia vociferando contra os desmandos do PT durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff e conclamou os evangélicos a lutar pelo impeachment. O verborrágico pastor é o mesmo que, quando da eleição de Eduardo Cunha para presidente da Câmara, afirmou que aquela era uma vitória de um “homem de Deus”, e, segundo ele a pessoa, mais “inteligente e honesta do mundo”. E a culpa é do capeta!
Por falar em Eduardo Cunha, que até pouco tempo era um membro honorável da Assembleia de Deus, tendo inclusive usado a igreja para lavar U$ 250 mil recebidos de propinas, foi eleito presidente da Câmara com apoio da bancada evangélica e festejado pelo “povo de Deus” quase como um messias. Somente o “povo de Deus” não via que ele vinha se metendo em maus feitos desde o governo Collor. Marco Feliciano (PSC-SP), estrela pop da “bancada da Bíblia” chegou a afirmar, em abril do ano passado, que ele era seu “malvado favorito”. E a culpa é do capeta!
Por falar em Marco Feliciano, o metrossexual deputado da bancada evangélica, no ano passado uma jovem militante do seu partido o acusou de estupro. Tão mitomaníaca quanto o acusado, a jovem afirmou e negou sucessivamente a acusação. O caso está sendo investigado pelo STF e hoje ela se dedica a apoiar causas antes criticadas por ela e pelo deputado, como o empoderamento feminino. O plastificado deputado, numa das suas inúmeras sandices, afirmou que os atentados em Paris, que vitimaram 129 pessoas, eram culpa da própria França. Um país, segundo ele, defensor do aborto e da liberdade sexual. E a culpa é do capeta!
Em Ariquemes, o prefeito mandou suprimir (rasgar) as páginas dos livros didáticos da Rede Pública do município que continham qualquer referência a diversidade sexual ou casamento homossexual. O prefeito tomou a decisão após oito vereadores protocolarem ofício solicitando a suspensão e o recolhimento dos livros. A justificativa? Segundo o vereador Amalec da Costa (PSDB), que é radialista, existe uma lei municipal que proíbe tais assuntos nas escolas. Não sabe o “especialista” que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) têm como um dos temas transversais a “Orientação sexual” e o que ele (e outros imbecis) chama de “ideologia de gênero” nada mais é do que respeito à diversidade sexual, algo que qualquer pessoa civilizada conhece. Não sabe também que rasgar as páginas dos livros é dano ao patrimônio público. São esses tipos de políticos que governam a pequena e poeirenta Ariquemes. E a culpa é do capeta!
São sujeitos como o esbravejador Silas Malafaia, o presidiário Eduardo Cunha, o almofadinha Marco Feliciano e os desinformados vereadores de Ariquemes acompanhado do seu frouxo prefeito que querem decidir os destinos do país inteiro amparados em seus (pré) conceitos supostamente retirados da Bíblia. Amparados na ideia esdrúxula de que “deus fez macho e fêmea”, pessoas com conduta muitas vezes reprováveis querem criar um país de cidadãos com direitos diferentes de acordo com sua identidade sexual.
Os “homens de bem” não conseguem (ou não querem) entender que esse deus opressor que discrimina e persegue não é o deus de todo mundo; que o que eles chamam de “ideologia de gênero” nada mais é do que respeito à diversidade sexual, que está previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) como um dos temas transversais; que ninguém ensina a ninguém a ser homossexual, bissexual ou heterossexual, as pessoas apenas são, e independente do que sejam, tem o direito a viver com dignidade; que as pessoas são livres para escolher, ninguém pode impor suas ideias religiosas para toda a sociedade.

Mas a culpa sempre é do capeta!     

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

As sandálias do pescador – Morris West

“Tudo o que a humanidade quer saber é se existe ou não um Deus, qual é a sua relação com Ele, e como é possível a Ele regressar quando Dele se extravia”.
O escritor australiano Morris West (1916-1999) passou 12 anos da sua vida em um mosteiro e, embora não tenha sido ordenado padre por opção própria, o catolicismo nunca deixou de ser um assunto recorrente em sua obra, além da política internacional. Em As sandálias do pescador, seu décimo livro, publicado originalmente em 1963, West consegue unir as suas duas paixões. Em pleno auge da Guerra Fria, com a morte do papa, o vaticano, às vésperas do Concílio Vaticano II, elege como sucessor um cardeal vindo do Leste Europeu, recém-saído das masmorras do regime soviético.
“Quando estamos em situação de poder, não nos devemos mostrar humildes em público, pois uma das funções do governante é reafirmar-se com decisão e energia”.
Mas ter nascido no Leste europeu não será o único “pecado” de Kiril Lakota. Desafiando o tradicionalismo do Vaticano, manteve seu primeiro nome, as insígnias orientais e uma vasta barba que escondia uma cicatriz, fruto das torturas sofridas no cárcere. Além disso, estreitou relações com Jéan Télemond, um jesuíta censurado pelo Santo Ofício a longos anos de silêncio público por causa das suas ideias.  Ao mesmo tempo em que ascendia ao trono de São Pedro, seu torturador, Kamenev, assumia o poder no Kremlin, estabelecendo-se entre ambos em nome da paz mundial.
“Por que é que Deus onipotente fizera instrumentos humanos capazes de se revoltar, instrumentos que podia rejeitar os divinos desígnios, ou degradá-los, ou ainda impedir o seu progresso?”

Em paralelo à ascensão de Kiril, conhecemos o vaticanista americano George Faber, que luta para vencer a lentidão do processo de divórcio da sua namorada, Chiara, casada oficialmente com Corrado Calitri, influente ministro italiano de conduta moral duvidosa, aspirante ao cargo máximo italiano e muito próximo de figuras influentes do Vaticano. Confesso que quando li o livro, não consegui evitar uma comparação com Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco. Resguardando as devidas proporções, tanto Kiril quanto Francisco assumiu um discurso de rompimento com determinadas tradições católicas, mesmo que isso não tenha representado muita coisa na prática.   

domingo, 19 de fevereiro de 2017

O preço do pato ou: Você é o pato!

Durante as manifestações pelo impeachment da presidente Dilma, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) criou a campanha “Chega de pagar o pato”, que tinha como símbolo um pato amarelo de 12 metros de altura, instalado em frente ao prédio da entidade na Avenida Paulista. Um das principais articuladoras dos movimentos pró-impeachment (chegou a servir almoço com filé mignon para manifestantes de verde amarelo), a entidade não revela quanto gastou para conseguir tirar Dilma da Presidência, mas é inegável que o investimento teve retorno garantido.
A fatura começou a ser cobrada com a PEC 241 ou PEC 55, conhecida também como a “PEC do fim do mundo”, que congela os gastos públicos por 20 anos com o objetivo de tirar as contas do governo do vermelho. Como assim? Estamos em crise? Mas e o aumento de 41,4% dos salários do Judiciário que vai causar um impacto de mais de R$ 22 bilhões nas contas públicas em três anos? E cada deputado federal, que custa R$ 143 mil mensais ou R$ 1,8 milhão/ano? E cada senador, que custa R$ 160 mil mensais ou 2 milhões/ano? Não ouvi nenhum parlamentar (de direita ou de esquerda, de oposição ou de situação) falar em abrir mão de parte dessas mordomias. Tem certeza que há crise?
A fatura continuou sendo cobrada com a Reforma de Previdência, que foi enviada ao Congresso e deverá ser votada (com modificações ou não) em breve. A proposta prevê aposentadoria integral após 49 anos de contribuição e idade mínima de 65 anos para homens e mulheres se aposentarem. O objetivo é economizar R$ 678 bilhões em dez anos e estancar a sangria que a Previdência Social causa nas contas públicas. E a Previdência está em crise? Como assim? E os militares não foram incluídos? E os parlamentares? Em 2015, segundo a revista Exame, o governo deixou de arrecadar R$ 40 bilhões por causa de isenções previdenciárias concedidas a pequenas e médias empresas, entidades filantrópicas e exportadores agrícolas. Esse ano, a previsão é que o governo deixe de arrecadar R$ 62 bilhões, um terço do rombo previsto que é de R$ 180 bilhões.
Tem mais: O senador Hélio José (PMDB-DF) é o relator do Projeto de Lei do Senado (PLS 409/2016), de autoria do também senador Dalírio Beber (PSDB-SC), que cria mecanismos para permitir que a União, estados e municípios possam reduzir os percentuais de correção de pisos salariais nacionais, como o do magistério, os dos agentes de saúde e os dos agentes de combate às endemias. O senador Hélio José já deu parecer favorável à iniciativa na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e usa como argumento a “forte crise econômica”. Como se o cinismo não tivesse barreiras, pede a “compreensão” dos profissionais atingidos pela medida. Vamos pedir também a “compreensão” dos nobres parlamentares para baixar seus salários e a retirada das suas verbas de gabinete. Será que eles aceitariam? 
Em Rondônia, a Assembleia Legislativa acabou com o feriado na segunda-feira de carnaval, Dia do Comerciário, alegando o “momento econômico mundial”. Mas o comércio não abria na segunda-feira de carnaval? Sim! Mas por ser feriado, os comerciantes tinham que pagar dobrado aos seus funcionários. Agora não! Ou seja, o governo não abre mão da sua carga tributária, os lojistas não abrem mão da sua margem de lucro, mas o comerciário é obrigado a abrir mão do seu poder aquisitivo.
Em Porto velho, o problema não são as ruas esburacadas, enlameadas, fedorentas e escuras; muito menos as obras inacabadas, as nuvens de mosquitos, a inoperância da Câmara de Vereadores ou o excesso de cargos comissionados (mais de 1.400, que tiveram seus CDS reajustados). Para a prefeitura, o problema da cidade está no “Quinquênio” dos 13.000 servidores municipais, uma gratificação que dá 10% de reajuste a cada cinco anos. Pois bem, o prefeito, numa manobra na “calada da noite”, em conluio com os vereadores, retirou esse “privilégio” dos servidores e colocou o seu exército de comissionados para chamar os trabalhadores de “vagabundos” nas redes sociais. Diante das pressões dos servidores e dos próprios vereadores, que se disseram “enganados” pelo esperto prefeito, a medida foi suspensa por 90 dias.

Até os candirus do Madeira, o lixo despejado na Baía da Guanabara e os esgotos jogados no Rio Tietê sabiam quem ia pagar o pato. Você não?  E agora, ainda tem dúvida de quem é que vai pagar o pato?           

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Trumbo: a vida do roteirista ganhador do Oscar que derrubou a lista negra de Hollywood – Bruce Cook

"Posso não ser o melhor roteirista de Hollywood, mas sou de longe o mais rápido."      (Dalton Trumbo)
No início do ano passado, foram lançadas simultaneamente no Brasil a biografia e a cinebiografia de Dalton Trumbo. Roteirista mais bem pago de Hollywood nos anos 50, Trumbo assinou o roteiro de clássicos do cinema como Papillon, A princesa e o plebeu, Exodus e Spartacus. No livro Trumbo: a vida do roteirista ganhador do Oscar que derrubou a lista negra de Hollywood, o crítico, jornalista e escritor Robin Cook aborda a vida do roteirista desde a infância difícil, quando teve que se envolver em negócios ilícitos para sobrevir, até sua morte, em 1976, aos 70 anos, vítima de um ataque cardíaco.
“Nunca fiquei desempregado em toda a minha vida, nem durante a Depressão, nem durante a lista negra”. (Dalton Trumbo)
James Dalton Trumbo nasceu na pequena Montrose, no Colorado, em 1905, onde teve uma infância difícil, tendo que exercer vários tipos de profissão para sustentar a mãe e as irmãs após a morte do pai. Ainda adolescente, trabalhou em jornais locais, cobrindo tribunais e fazendo obituário. Seu primeiro romance, Eclipse, publicado em 1935, narrava, sob uma perspectiva realista, a história de uma pequena cidade e seus habitantes. O problema é que muitos moradores de Montrose se viram naquelas descrições, o que causou embaraços à Trumbo durante décadas.
“Todos aqueles anos de privações só serviram para aumentar sua estima pelo dinheiro”.
Começou a trabalhar em roteiros de filmes em 1936 e, três anos depois, publicou seu segundo romance, Johnny vai à guerra, um clássico pacifista inspirado num artigo sobre um soldado que ficou desfigurado na Primeira Guerra Mundial. No início dos anos 40, Trumbo já era um roteirista bem remunerado e requisitado em Hollywood e, em 1943, filia-se ao Partido comunista, fato que lhe trará problemas anos depois e marcará a sua biografia. O episódio, ocorrido em 1947, ficou conhecido como Os dez de Hollywood, quando Trumbo e mais nove cineastas foram convocados a depor numa comissão do Congresso americano que investigava uma suposta infiltração de comunistas na indústria do cinema.
“Ele (trumbo) é o homem mais desprovido de hipocrisia numa cidade de hipócritas”.

Trumbo recusou-se a falar nome de colegas que supostamente seriam comunistas e, três anos depois, é condenado por desobediência, passando onze meses na prisão, e foi incluído na Lista Negra, a relação de profissionais do cinema (atores, diretores, roteiristas) que estavam proibidos de trabalhar no setor. Mesmo preso e incluído na Lista negra não parou de escrever. E depois de solto foi para o México, onde escreveu mais de trinta roteiros sob pseudônimos ou usando nomes de colegas. Chegou a ganhar o Oscar desse jeito. Trumbo só foi reabilitado em 1960, quando assinou o roteiro do filme Exodus.          

domingo, 12 de fevereiro de 2017

O novo Ensino Médio

“Para implantar o novo Ensino Médio, irão os governos estaduais contratar mais profissionais ou partirão para as velhas e conhecidas ‘soluções’: aumentar a carga horária dos professores e superlotar as salas de aula?”
Terminei o Ensino Médio no longínquo ano de 1988 e já naquela época, apesar da imaturidade (ou por causa dela), questionava por que eu teria que estudar tantas coisas se não ia usar a maior parte desse conhecimento pelo resto da vida. Tínhamos que estudar TUDO de TODAS as matérias para fazermos vestibular. Como pretendia cursar História, me perguntava: pra que estudar de forma aprofundada química, física, matemática, biologia se nunca mais em minha vida profissional irei usá-las? Não bastaria estudá-las apenas o básico e usar meu tempo para me aprofundar em disciplinas com as quais iria trabalhar na minha futura profissão?
Na semana passada, o Senado aprovou a Medida Provisória que institui a Reforma do Ensino Médio. De acordo com o texto aprovado, as mudanças começam em 2018 e a meta do governo é que, até 2024, 50% dos alunos estejam matriculados no novo modelo. Uma boa notícia, mas com ressalvas.
A notícia é boa por que institui a escola em tempo integral, aumentando a carga horária de 800 horas/ano para 1.400 horas/ano, algo já adotado há décadas (em alguns países há mais de um século) por nações que levam a educação a sério e possuem índices educacionais altíssimos. A notícia é boa também por que cria áreas de conhecimentos que o aluno escolhe de acordo com suas aptidões, sendo obrigatório apenas um currículo mínimo, livrando o estudante de estudar inúmeras disciplinas que não serão preponderantes na sua vida profissional.
Mas nem tudo são flores, há ressalvas. Foi aprovado também que profissionais com “notório saber”, atestado pelo sistema de ensino, podem dar aulas nos cursos de formação técnica. Isso abre um precedente: quem garante que em breve, diante da falta de professores em determinadas áreas do Ensino Regular, pessoas com “notório saber” não sejam autorizadas a dar aulas? Sem contar que o projeto também define que profissionais graduados sem licenciatura possam fazer uma complementação pedagógica e ministrem aulas.
Esse detalhe demonstra o descaso com que a profissão de professor vem sendo tratada historicamente. Qualquer um pode dar aula, desde que demonstre “notório saber”! Existe alguém com “notório saber” jurídico atuando nos tribunais? Não! Existe alguém com “notório saber” médico atuando nos hospitais ou consultórios? Não! É exercício ilegal da profissão. Mas ser professor pode...
Também causa estranheza a forma como a proposta do novo Ensino Médio foi apresentada: através de Medida Provisória. Qual o problema em discutir a proposta com os maiores interessados: estudantes, pais de estudantes e profissionais da educação? É unanimidade que o Ensino Médio precisa ser reformulado, nada mais natural que as partes interessadas, incluindo o governo, tivessem contribuições a dar.    
Por fim, vejo com preocupação o fato de o aluno poder usar créditos adquiridos no Ensino Médio para eliminar disciplinas no curso superior. Sabemos das deficiências da Educação Básica no Brasil. Muitos alunos terminam o Ensino Médio com graves deficiências de aprendizado. E podendo aproveitar disciplinas do Ensino Médio no curso superior existe a possibilidade real de queda da qualidade dos profissionais que saem das universidades, que já não é lá essas coisas...  
Além das boas notícias e das ressalvas, existem as dúvidas. Será que os estados terão recursos para implementar o novo modelo de Ensino Médio. Não basta querer, têm que ter dinheiro, afinal novas escolas terão que ser construídas ou as atuais ampliadas; novos professores e outros profissionais que atuam nas escolas terão que ser contratados; os recursos da merendar escolar terão que ser aumentados; equipamentos terão que ser adquiridos (há a formação técnica).
O Governo Federal garantiu que apoiará financeiramente os estados na implantação do novo sistema. O problema é que os estados terão que entrar com contrapartidas. Terão dinheiro para isso? Mesmo havendo recursos, será que os estados terão disposição para gastar tanto dinheiro com o sistema educacional? Ou partirão para a velha e conhecida “solução” de aumentar a carga horária dos professores e superlotar as salas com alunos?

Tenho dúvidas...

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A última tentação de Cristo – Nikos Kazantizakis

“Minha principal angústia e a fonte de todas as minhas alegrias e sofrimentos desde a juventude tem sido a incessante, impiedosa batalha entre o espírito e a carne... e minha alma é a arena onde esses dois exércitos têm lutado”.
Publicado originalmente em 1951, A última tentação de Cristo, do escritor grego Nikos Kazantizakis, não para de causar polêmicas. Em 1954 entrou para o Index Librorum Prohibitorum, a lista de livros proibidos pela Igreja Católica Apostólica Romana e no ano seguinte seu autor foi excomungado pela Igreja Ortodoxa Grega. Em 2015, o crítico literário Rodrigo Gurgel, na Folha de S. Paulo, afirmou que a obra é um exemplo perfeito de “livro famoso pelos motivos errados”, não se tratando de uma “heresia, mas de terrível insensatez”. Ainda segundo Gurgel, Kazantizakis é “um autor de segunda linha que produziu obra variada” e que, ao retratar um Jesus exageradamente hesitante diante das decisões a serem tomadas, transforma-o “num tolo perplexo e sem vontade própria”.   
 “- Ele é o Senhor, não é? Pode, portanto, fazer o que bem entender. Se ele não fosse capaz de cometer injustiças, que tipo de Onipotência teria?”
O motivo para tantas polêmicas é o perfil de Jesus Traçado por Kazantizakis na obra. Nele, o Nazareno é demasiadamente humano, com sentimentos típicos dos simples mortais, como hesitação, medo, desejos, insegurança e vulnerabilidade. Exercendo o oficio de carpinteiro especializado em fabricar cruzes para os romanos, Jesus ouvia vozes (e por isso as pessoas pensavam que ele era louco) que diziam ser ele o escolhido e temia esse destino messiânico. Um dia parte para o deserto para tornar-se monge na companhia de Judas, que havia sido contratado para mata-lo, mas que tornara-se seu melhor discípulo. Exatamente por isso é dada à ele a mais difícil de todas as tarefas: trair o mestre, já que os demais discípulos, retratados como fracos e dispostos a desertar diante da primeira ameaça, não teriam coragem para tanto.
“Pilatos sorriu:
- O que quer dizer verdade?
- O coração de jesus contraiu-se de tristeza. Assim era o mundo. Assim são os governantes. Eles perguntam o que é a verdade e riem”.
Enquanto é crucificado, recorda das tentações ás quais resistiu e um anjo ordena-lhe que pare de sofrer e desça da cruz, onde encontra Maria Madalena. Após a morte de Madalena, Jesus casa com Marta, formando uma família e vivendo como um homem comum. É por essa época que encontra Paulo, que pregava sobre o Messias que havia sido sacrificado para salvar a humanidade e o desmente. Mesmo assim, Paulo prossegue com sua pregação. Anos depois, Jesus é procurado pelos apóstolos, que o recriminam por não ter aceitado o seu destino de ser o escolhido. Retratar Jesus cristo como um ser passional e falível representa uma “heresia” imperdoável para os mais ortodoxos, estando aí parte da polêmica provocada pelo livro. Outra parte da polêmica consiste nas qualidades literárias do escritor, manifestada por alguns críticos literários. O fato é que, por despertar tantas paixões, já vale a pena ler o livro...     

domingo, 5 de fevereiro de 2017

O Cristo recrucificado – Nikos Kazantizakis

“Existe apenas uma mulher no mundo. Uma mulher, com muitas faces”.
Nikos Kazantizakis (1883 – 1957) é considerado o maior escritor e filósofo grego do século XX. Nascido na ilha de Creta, na época sob domínio turco, escreveu, além de romances, relatos de viagem, ensaios filosóficos, poemas e peças de teatro. Seus romances tratam de temas universais como o amor, a solidão, o pecado, a violência e a hipocrisia. Tornou-se mundialmente conhecido em 1964 quando teve um dos seus romances, Zorba, o Grego, adaptado para o cinema. Kazantizakis viveu a maior parte da sua vida fora da Grécia, falecendo em 1957, na Alemanha.
“As portas do céu e do inferno são adjacentes e idênticas”.
Em O Cristo recrucificado, publicado em 1948, a história se passa numa pequena aldeia da Anatólia, Licóvrissi, onde o Conselho Paroquial tem como tradição, a cada sete anos, na época da Páscoa, escolher os moradores que encenarão a Paixão de Cristo. Manolius, um pacato pastor é escolhido para representar Jesus; seus amigos Michelis e Costantis serão os apóstolos João e Tiago; Panayotes, um aldeão irascível, será Judas; Ladas, um proprietário de terras avarento e invejoso será Caifáz; e uma viúva alegra da aldeia será Madalena. O critério para a escolha era não apenas a semelhança física, mas também o comportamento moral do escolhido.
“Um homem precisa de um pouco de loucura. Ou então nunca conseguirá quebrar as regras e ser livre”.

Nessa época, chega à aldeia um grupo de refugiados vindo de uma aldeia vizinha que fugia dos turcos que haviam saqueado sua cidade. Influenciados pelo pároco da aldeia, todos se recusam a receber e ajudar seus semelhantes, com exceção de Manolius, o “Cristo”.  No conflito entre os que tem, os habitantes de Licóvrissi; e os que não tem, os refugiados que, ao serem rechaçados se abrigam nas cavernas al redor da aldeia; fica Manolius, que é morto no embate, dando sua vida em sacrifício como um cordeiro. É a Paixão de Cristo tonando-se realidade...  

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

A mulher de trinta anos – Honoré de Balzac

“Uma das armas mais fortes do homem é esse poder terrível de dominar por sua presença uma mulher cuja imaginação naturalmente impressionável se aterroriza ou se ofende com uma perseguição”. 
O escritor francês Honoré de Balzac é conhecido por suas agudas observações psicológicas na construção de personagens. Extremamente produtivo, em seus mais de cem escritos, entre romances e ensaios, abordou temas como o dinheiro, a usura, a hipocrisia familiar, os costumes sociais, a política francesa, a pobreza no ambiente rural, entre outros. A mulher de trinta anos é um conjunto de fragmentos publicados de forma dispersa e somente reunidos e publicados sob esse título em 1842. Dividido em seis partes, a obra tem como personagem principal Julie, a dita mulher a que se refere o título.
“Tanto a infelicidade como a felicidade verdadeira nos levam ao devaneio”.
Na primeira parte, Primeiros erros, Julie, contra a vontade do pai, casa com o primo e coronel do exército napoleônico Vítor, com quem tem uma filha, Helena. O casamento só lhe trará dissabores e Julie conhece e se apaixona pelo nobre inglês Lorde Artur Grenville, médico, que promete ao marido da amada que irá curá-la da melancolia. O problema é que o jovem amante morre num acidente inusitado, aprofundando a tristeza da moça. Na segunda parte, Sofrimentos desconhecidos, Julie se retira para um castelo no interior da França na busca da cura. Em vão.
“Uma mulher incapaz de evocar os acontecimentos mais graves lembrar-se-á por toda a vida das coisas que dizem respeito a seus sentimentos”.
Na terceira parte, Aos trinta anos, a madura (e ainda melancólica) Julie conhece Carlos de Vandenesse, que se apaixona por ela. Na quarta parte, O dedo de Deus, Helena mata afogado o irmão menor, Carlos (filho legítimo ou ilegítimo de Julie?). A quinta parte, Os dois encontros, é a mais cheia de reviravoltas. Julie, mais velha, abandona a família, num lance folhetinesco, com um foragido da justiça. A sexta e última parte, A velhice de uma mãe culpada, mostra Julie com cinquenta anos e desprezada pela filha, Moina. A morte é o seu destino.
“Na mulher de trinta anos agitam-se indecisões, terrores, perturbações e tempestades que jamais se encontram no amor de uma mocinha”.

Quer saber? É um livro chato! O ponto positivo é a descrição da sociedade francesa do século XIX e o que era ser uma mulher naquela época, mas a história é confusa. Talvez por ela fazer parte de uma obra maior, A comédia humana, o que, às vezes, deixa a história desconexa. E não apenas isso! Julie é uma personagem chata com sua interminável melancolia e infindável infelicidade. Mas Balzac é clássico e deve ser lido. Mesmo com uma linguagem difícil (mas nem tanto) e uma personagem nem um pouco carismática, A mulher de trinta anos é um livro a ser lido.