domingo, 25 de dezembro de 2016

O turista acidental – Anne Tyler


“Macon era o tipo de homem para quem o silêncio era melhor do que música”.
Você já ouviu aquela história do sujeito que está numa livraria ou numa loja de departamentos e se depara com uma promoção de livros. Compra alguns por que estão baratos, põe na estante e esquece sua existência por meses. Até que certo dia, inexplicavelmente, o sujeito pega um deles para ler. E o livro cai como uma bomba na sua cabeça! Comigo isso aconteceu com O turista acidental, décimo livro da escritora norte-americana Anne Tyler, publicado em 1985. Confesso que não tinha nem mesmo ouvido falar da sua adaptação para o cinema em 1988, dirigido por Lawrence Kasdan com William Hurt, Kathleen Turner e Geena Davis no elenco e diversas indicações para o Oscar e o Globo de Ouro, já que não sou muito ligado em filmes.
“Estranho como se tornava subitamente tão claro, depois que uma pessoa morria, que o corpo era a menor parte sua”.
Macon Leary é um escritor de guias de viagem para quem não gosta de viajar como ele. Metódico, avesso ao contato social e às convenções, vê seu casamento de vinte anos com Sarah acabar após a morte do filho de 12 anos, Ethan. Depois de quebrar a perna num pequeno acidente doméstico, Macon se vê obrigado a voltar para a casa dos irmãos, acompanhado da gata Helen e do seu neurastênico cão Edward, que resolve atacar todos em sua volta. Pressionado pelos irmãos, Rose, Charles e Porter, resolve contratar uma treinadora de cães para domar a agressividade de Edward.
“Só temos liberdade de expressão, isso é tudo. Podemos dizer o que quisermos, e então o governo vai e faz exatamente o que quer. Você chama isso de democracia?”.
Muriel Pritchett é impetuosa, determinada, espontânea, extrovertida, fala demais, se veste de uma forma original, desorganizada, enfim, a antítese de Macon.  Mas é a única pessoa que consegue lidar com a fúria canina de Edward. Apesar de tão diferente de Sarah, com quem Macon estava acostumado a conviver, Muriel começa a mudar a forma como ele vê a vida. Aparentemente insensível, ele se vê tendo uma relação estreita e afetuosa com Alexander, o frágil filho de Muriel, de sete anos, um garoto vulnerável a todo tipo de alergias.  Quando a vida de Macon, após o divórcio, tinha tudo para continuar do jeito que estava, Muriel chega para transformar tudo. Macon terá que conviver com o que ele menos gosta: as mudanças de hábito.  
Esse é o último texto de 2016. A partir de hoje o blog entre de férias e retorna no dia 25 de janeiro de 2017.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Santuário – William Faulkner

“É por isso que a natureza é feminina e o progresso é masculino; a natureza fez a videira e o progresso inventou o espelho”.
Publicado em 1931, um ano depois de Enquanto agonizo, Santuário é fruto da determinação de Faulkner em escrever um romance policial. Quatro meses depois, livro concluído, o autor tinha em mãos uma ficção com o que há de mais sórdido e macabro. Mas não era um romance policial, era o que Malraux definiria como uma tragédia grega transplantada para o policial”. Uma obra dura, intensa que esquadrinha o que há de pior na natureza humana, cujo título ilude, já que o Santuário descrito nada mais é do que um mundo de lassidão moral maquiado por convenções sociais que são distorcidas de acordo com a conveniência de cada um. 
“Estou começando a acreditar o que dizem dos mais moços de hoje, que aprendem as coisas para poder casar-se, ao passo que no meu tempo era o contrário: casavam-se para aprender”.
Numa pequena cidade do sul dos Estados Unidos, Temple, uma mocinha da alta sociedade local, filha de um juiz abastado, sai para uma bebedeira com um dos seus namorados e, após um acidente vai parar numa destilaria ilegal de conhecidos do namorado da moça, um ambiente insalubre sob todos os pontos de vista. Lá vivem Lee Goldwin e Ruby, mulher que abriu mão de tudo por Lee e com quem tem um filho; Popeye, um gangster sádico marcado por uma infância traumática, que fica enfeitiçado por Temple; e um negro que ajuda nas tarefas cotidianas. Lee será acusado de assassinato e caberá ao sonhador advogado Horace Benbow livrá-lo da acusação.
“A igreja nada tem que ver com política, e as mulheres com nenhuma das duas, e muito menos com a lei”.    
A tarefa de Horace não será das mais fáceis. Numa sociedade conservadora a situação de Lee não era vista com bons olhos: era um criminoso, pois fabricava e vendia bebida alcoólica, o que era proibido pela lei Seca; tinha um filho e mantinha uma relação de concubinato com Ruby, uma ex-prostituta que fizera de tudo para tirar Lee da cadeia em outra ocasião. Popeye, o provável assassino, é uma figura curiosa. Frio e sanguinário, é impotente em decorrência dos traumas de infância, usando de amigos para satisfazer a jovem Temple, que o teme por saber da sua periculosidade. Está nas mãos da jovem o destino de Lee.   

domingo, 18 de dezembro de 2016

Enquanto agonizo – William Faulkner

“É preciso duas pessoas para fazer alguém, e uma para morrer. É assim que o mundo vai acabar”.
Prêmio Nobel de 1949, William Faulkner é considerado um dos maiores escritores norte-americanos do século XX, recriando, em suas obras, a decadência do sul dos Estados Unidos depois da Guerra de Secessão, através de personagens que vivem em situação desesperadora. Enquanto agonizo, seu quinto romance, publicado em 1930, é considerado um dos melhores romances da literatura do século XX. Segundo o crítico literário norte-americano Harold Bloom, “De todos os romances americanos do século XX, o que tem o começo mais brilhante é Enquanto Agonizo… o começo pressagia a originalidade do livro que mais surpreende de seu autor”.
“Acho que se a única salvação de um homem é o casamento, então ele está perdido de vez”.  
Distribuído por 59 capítulos, a história é narrada por 15 personagens diferentes, relatando a morte da matriarca da família Bundren que, antes de morrer, manifesta seu desejo de ser enterrada na cidade de Jefferson, sua terra natal. Começa a peregrinação da família para atender o desejo da matriarca contada sob diferentes pontos de vista, o que deixa transparecer vários pontos de conflitos entre os membros da família. Todos os sentimentos são dissecados durante a travessia do condado, mostrando que, naquela trama, não existe inocentes, nem a morta.
“A vida não foi feita para ser fácil para as pessoas: elas não teriam razão alguma para fazer o bem e morrer”.
Anse, o patriarca, de saúde frágil, mostra-se um chefe de família fraco na relação com os filhos e, ao concordar em enterrar a esposa em Jefferson, demonstra estar mais interessado em comprar uma dentadura nova do que atender ao último desejo da morta. Os irmãos Cash (mais velho), Darl (o mais articulado e narrador de 19 dos 59 capítulos) e Jewel (fruto de uma relação extraconjugal da matriarca com o reverendo Whitfield) não se entendem e vivem permanentemente em conflito. Dewey Dell, a única filha do clã, está grávida de um fazendeiro da região e seu desespero quase não lhe permite chorar a morte da mãe. O mais novo, Vardaman, associa a morte da mãe com a de um peixe que pescara naquele mesmo dia. “Minha mãe é um peixe”, resume.  

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

A letra escarlate – Nathaniel Hawthorne

“A natureza humana, tal como as batatas, não floresce quando plantada e replantada, por uma longa série de gerações, no mesmo solo cansado”.
Nathaniel Hawthorne é considerado por muitos críticos o primeiro grande escritor dos Estados Unidos e o maior contista que o país já teve. É autor de inúmeros contos e oito romances, entre outros escritos, sempre tendo a moral como tema principal. A letra escarlate, seu segundo romance, publicado em 1850, tido como o maior romance da literatura norte-americana, é classificado pelo próprio autor como um “romance psicológico” numa época em que ainda não se cogitava a psicologia na literatura. E, não fugindo ao seu estilo, nesse romance há o confronto do homem e seus pecados com a sociedade puritana em que vive. Ou melhor, os três personagens principais vivem em permanente conflito íntimo decorrente dos pecados que cometeram aos olhos da sociedade puritana.
“A vergonha está no ato pecaminoso, e não em seu reconhecimento”.
No século XVII, em Salem, uma comunidade puritana colonizada pelos ingleses, Hester Prynne é execrada publicamente e obrigada a carregar, pelo resto da vida, a “marca da vergonha”, a letra “A” na cor escarlate bordada em seu peito. Casada com um inglês que sumiu no mar há dois anos, Hester se envolve com um homem da comunidade e engravida, passando a ser evitada por todas as pessoas “de bem” da sociedade. Obrigada a criar sozinha a filha Pearl, Hester, que a principio se mostra indefesa, começa a mudar de atitude ao perceber que tudo o que aconteceu contribuiu para que ela tivesse a sua maior felicidade, a criança que é obrigada a carregar por todo canto, já que as outras crianças não podiam se relacionar com o “fruto do pecado”.
”Quando a turba ignorante tenta ver com os próprios olhos, as chances de engano são enormes”.
Enquanto era humilhada publicamente, o seu marido desaparecido chega anonimamente à cidade e, como ninguém o conhecia (só Hester), este assume a identidade de Roger Chillingworth, médico prático, e a obriga a guardar segredo sobre a sua identidade, prometendo-lhe que iria descobrir a identidade do pai da criança, que Hester mantinha em segredo absoluto. Os sete anos seguintes nos quais a história se passa, hester guardará, enquanto é espezinhada, humilhada e ignorada por todos os habitantes do lugarejo,  os dois segredos: a identidade do marido e do pai de Pearl, alvo da ira e da perseguição do Dr. Chillingworth. Em 1995, o livro foi adaptado para cinema, tendo Demi Moore interpretado o papel de Hester Prynne.           

domingo, 11 de dezembro de 2016

Clarice, - Benjamim Moser

“Não havia característica que Clarice Lispector mais quisesse perder do que o local de nascimento”.
Clarice Lispector completaria ontem 96 anos se não tivesse falecido um dia antes do seu 57º aniversário, em 09 de dezembro de 1977. Nada mais justo que o post de hoje seja dedicado a ela. Por isso, trouxemos hoje aquela que é considerada a biografia mais completa de Clarice. Clarice: uma biografia, publicada em 2009, fruto de cinco anos de pesquisa do historiador americano Benjamim Moser, não é apenas mais uma biografia da escritora, mas um estudo completo sobre muitas particularidades da sua origem judaica, do seu universo literário e sobre a sua vida privada.  Na edição da Cosac Naify, que ilustra essa página, a capa traz a imagem da escritora na máquina de escrever, de autoria de Cláudia Andujar, e o título “Clarice,” é uma referência ao estilo de escrever da autora, que adorava esse sinal gráfico.
“Tamanho era o fascínio da misteriosa figura de Clarice Lispector, e tão pouco o que se sabia suas origens, que ainda durante a sua vida todo um conjunto de lendas floresceu em torno dela”.
Chaya Pinkhasovna Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920 numa família judia na pequena aldeia de Chechelnyk, região da Podólia, então parte da República Popular da Ucrânia. Devido ao antissemitismo resultante da Guerra Civil Russa, a família (e muitos milhares de judeus) foge da região e, depois de vagar pela Europa se hospedando em albergues, emigram para o Brasil em 1922. Foi durante essa fuga (a família estava de passagem pela pequena aldeia de Chechelnyk) que nasceu a pequena Chaya. No Brasil, desembarcam em Maceió e trataram de substituir seus nomes russos por nomes parecidos em português: o pai, Pinkhas, passou a se chamar Pedro; Mania, a mãe, Marieta; Leah, a irmã, Elisa, Chaya, virou Clarice. A outra irmã, Tania, manteve seu nome eslavo. Três anos depois, a família se muda para o Recife, que tinha uma população judaica mais coesa. Após dez anos morando na capital pernambucana, a família se muda para o Rio de Janeiro.
“Uma pergunta de quando eu era pequena e que só agora me respondo: as pedras são feitas ou nascem? Resposta: as pedras estão”. (Clarice Lispector)
Um fato, acontecido pouco antes da fuga, marcará profundamente a vida de Clarice. Sua mãe, Mania, foi estuprada por soldados e contraiu sífilis. Uma tradição local dizia que a gravidez podia curar a doença e a pequena Chaya foi concebida com esse propósito. Mas Mania não ficou curada após o nascimento da criança e morreria em 1930, aos 42 anos. Clarice viveu toda a sua vida com o sentimento de frustração por não ter curado a mãe com o seu nascimento. Mas o livro não se atém apenas às particularidades da vida autora, mas faz uma contextualização histórica de cada período da vida de Clarice, desde os progroms, que forçaram a família a fugir da Ucrânia, passando pela Era Vargas, quando havia no Brasil um forte sentimento antissemita, e chegando à ditadura Militar, quando a escritora fez forte oposição aos governos militares.
“Mas há perguntas que ninguém me responderá: quem fez o mundo? E o mundo se fez? Mas se fez aonde? Qual era o lugar? E se foi Deus – quem fez Deus?” (Clarice Lispector)
Confesso que nunca li Clarice Lispector, tenha essa “mancha” no currículo. O livro de Benjamim Moser despertou a curiosidade de ler alguns deles, mas me trouxe também a convicção de não ler outros. Independente disso, é um livro fantástico não apenas por falar da vida privada de uma das maiores escritoras da literatura brasileira, mas fazer uma contextualização fantástica de quase sessenta anos de história e, principalmente, por trazer a crítica de cada um dos seus livros, sejam romances, contos, crônicas, novelas ou literatura infantil.      
“Acima dos homens, nada mais há”. (Clarice Lispector)