sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O bom Jesus e o infame Cristo

Philip Pulman, ateu confesso, já havia enfrentado a ira dos fundamentalistas cristãos por causa das suas críticas à religião no livro A Bússola de Ouro, o primeiro volume da trilogia Fronteiras do universo. Não foi muito diferente agora, com o lançamento de O Bom Jesus e o Infame Cristo. Antes mesmo do lançamento do livro, o escritor já recebia cartas anônimas acusando-o de blasfêmia. Numa apresentação na Universidade de Oxford, Pullman teve que comparecer protegidos por seguranças. O autor do Bom Jesus... disse que, para escrever o livro, diversas versões da Bíblia, as epístolas de São Paulo e textos apócrifos. E, de fato, o texto é bem escrito, simples e de fácil leitura. Mas não restam dúvidas que é polêmico. E aí reside o grande trunfo do livro.

No livro de Pullman, Maria dá a luz a Gêmeos, Jesus e Cristo. Um forte e saudável e o outro de aspecto frágil e doentio. Essas diferenças ficarão mais evidentes co o passar dos anos. Jesus se torna um pregador inflamado com idéias revolucionárias e enquanto Cristo, sempre a sombra do irmão, se dispõe a observar e anotar os discursos e os feitos do irmão. Com o tempo ele passa a aumentar, manipular e até mesmo inventar os fatos referentes a Jesus. É aqui que está a tese central do livro: a visão do autor sobra a inconsistência dos relatos da Bíblia a sua distorção explícita. Um exemplo da manipulação feita por Cristo foi a transformação da água em vinho, operada por Jesus. A falta de vinho no casamento nada mais foi do que a desonestidade do mestre-sala, que escondeu o vinho para poder vendê-lo, sendo desmascarado por Jesus.

O maior de todos os engodos foi a ressurreição de Jesus. De acordo com o enredo do livro, Cristo teria tomado o lugar do irmão, após o sepultamento, perante os apóstolos (não esqueçamos que eram gêmeos). Pullman critica algumas práticas atuais dos religiosos. Afirma Jesus no livro: “Não sejais como os hipócritas ostentadores que rezam em alto e bom som para que toda a vizinhança saiba de sua devoção”. Isso me lembra determinadas igrejas que acham que Deus é surdo, colocam potentes sistemas de som e oram em altos brados. Não é um livro brilhante, que se tornará um clássico. Mas é uma leitura agradável e que suscita reflexões sobre os vários mitos que se criaram em torno do cristianismo e apresenta uma versão diferente (e plausível) de uma das histórias mais difundidas que conhecemos. Boa leitura!

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O chato

Não existe nada mais chato do que o chato. Tem chato em todo canto e pra todos os gostos, se é que existe gosto pra suportar um chato. O chato é aquele sujeito que sabe tudo, de fofoca de celebridades a física quântica. É aquele sujeito que se não for convidado se convida, mesmo contra todas as evidências de que ninguém o quer por perto. É aquele sujeito que, ao aproximar-se o seu aniversário, pede presente a todo mundo. É aquele sujeito que só fala cutucando ou quase beijando o interlocutor (piora um pouco quando o chato tem mal hálito). É aquele sujeito que só sabe conversar o “papo-cabeça intelectualóide”, mesmo quando a ocasião pede uma conversa mais descontraída. Todo chato começa a sua frase com “Fica chato dizer isso, mas...” se fica chato, cala a boca, porra! O IBAMA nunca precisará se preocupar com o chato. É uma espécie que nunca correrá o risco de extinção.

Existe um tipo de chato extraordinariamente chato. É o chato evangélico. Perdoem-me os conhecidos evangélicos que não são chatos, mas o chato evangélico é insuportavelmente chato. O cara bate na porta da tua casa pra dizer que “Jesus está voltando”. Se eu não tava nem aí pra ida dele, imagine a volta. Deixa o cidadão voltar! O cara te para no meio da rua pra dizer que “só Jesus salva”. Isso além de chato é, no mínimo, um desrespeito aos socorristas do SAMU e do Corpo de Bombeiros. E o chato evangélico não é um chato qualquer. Eles acreditam que sua chatice (que eles não acham chato) é respaldada pelo Onipresente, Onisciente e Onipotente. Pelo Todo Poderoso. Pelo Pai. Portanto é uma chatice pretensamente divina.

Ontem os chatos evangélicos deram mais uma demonstração de sua chatice. Um grupo postou-se na entrada da Cidade do Rock, no Rio de Janeiro, para questionar o slogan do Rock In Rio, “Por um mundo melhor”. Em a metaleiros com camisetas pretas, um grupo de religiosos exibia uma faixa com a frase: “Por um mundo melhor? Só Jesus.” Imaginemos a situação inversa: na porta de uma igreja, onde rapazes bem comportados de terno e Bíblia de baixo do braço e moças ainda mais comportadas com seus longos vestidos e cabelos amarrados entoam aqueles chatíssimos hinos, um grupo de roqueiros resolve instalar uma caixa acústica, ligar suas guitarras e bateria e cantar aquelas músicas não menos chatas que ninguém consegue entender patavina. Seria a guerra santa! A luta de Deus contra o capeta! Quem venceria? A chatice.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O coitadinho

A pior forma de tratar alguém é com misericórdia (pena causada pela miséria alheia). Tratá-la como uma “coitadinha”. Isso é diminuí-la. A melhor forma de mostrar a incapacidade e a inutilidade de alguém é dar-lhe esmolas. Pior do que a indignidade quem dá é a indignidade de quem aceita de bom grado a misericórdia alheia de forma passiva. A esmola é a pedra que destrói a dignidade de quem a recebe e a coloca uma máscara de bondade em quem a dá. O vereador paulistano Eliseu Gabriel (PSB) resolveu colocar a máscara da bondade: ele é o autor do projeto que concede meia-entrada aos professores da rede municipal em teatros, cinemas, casas noturnas e eventos culturais e esportivos.

Gilberto Dimenstein, em texto na Folha Online de hoje, concorda com a idéia. Seria uma forma dos professores terem acesso a cultura. Chega a sugerir descontos na compra de livros e banda larga de internet. Para ter acesso a cultura e livros, são necessários dois pré-requisitos: poder e querer. Professor (como grande parte da população) não pode devido ao poder aquisitivo. Mas também não quer. A cultura da maioria dos professores (afirmo isso sem ter medo de está cometendo uma infâmia com a categoria) resume-se ao livro didático, que é lido até as páginas ficarem amarelas e sebentas. E só!

Esse projeto é uma esmola! Nenhuma categoria profissional necessita de esmolas. Necessita de reconhecimento. A meia-entrada foi criada para atender a estudantes, como forma de contribuir na sua formação intelectual e profissional. Nada mais justo, afinal estudante, em tese, não trabalha e não tem renda. Professor tem renda (baixa, é fato). O que ele precisa não é da esmola da meia-entrada. Mas sim de uma boa preparação e de uma remuneração digna. Se a educação é uma área estratégica para o desenvolvimento do país, como afirma Dimenstein, o caminho indicado é formar bons profissionais, remunerá-los de forma adequada e cobrar resultados do seu trabalho. Esse projeto só vem corroborar a imagem do professor “coitadinho” que ganha mal, tão apreciada pelos maus profissionais, que se escoram nela para fazer um péssimo trabalho ou simplesmente não trabalhar.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A voz que mora em mim

Ontem foi o dia do sexo. Fui lembrado da data pelos amigos nas redes sociais da internet. Foi impossível lembrar sozinho por absoluta falta de prática. Não o pratiquei por falta de opções. Só me restaria o pecado solitário, para o qual não estava com estado de espírito. A data passou em branco. Alguns amigos na internet postaram algumas coisas ridiculamente poéticas, algo muito comum nas redes sociais, como “seja bacana, só faça sexo com quem você ama”. A voz que mora em mim diz que se você for fazer sexo somente com quem se ama, corre-se um sério risco de morrer virgem. Tem que fazer sexo com quem você sente tesão e quer transar com você.

Alguns associam o sexo ao amor. Fazer sexo com quem se ama é muito bom, não há dúvidas. Mas a voz que mora em mim diz que fazer sexo com a gostosona que você nunca mais vai ver na vida é bom também. Outros mais conservadores associam o sexo ao casamento, recomendando aquele para depois desse. A voz que mora em mim diz que o sexo tem que ser feito antes do casamento, por que depois ele declina vertiginosamente. O casamento é o túmulo da luxúria! Não há criatividade que sobreviva ao matrimônio. Já recomendaram o sexo apenas para reprodução. A voz que mora em mim recomenda apenas para recreação. Filhos representam o limbo da lascívia. As convenções sociais determinam que o sexo tem que ser a dois. A voz que mora em mim diz que tem que ser com quantos couberem na relação, inclusive sozinho (a única ocasião em que se tem certeza que estamos fazendo sexo com quem amamos). Só não pode ser com ninguém.

Há o sexo com amor, o sexo convencional (que horror), o sexo tântrico (tétrico), o sexo criativo, o sexo sacana (esse é bom!), o sexo coletivo, o sexo livre. Há sexo para todos os gostos. A voz que mora em mim diz que, mais importante do que o tipo de sexo que se faça, é ter vontade de fazer sexo. A castidade é a pior das perversões sexuais. Torna a vida amarga, cinzenta, sem brilho. O sexo é indecente? A voz que mora em mim fala que somente quando bem feito. Por isso recomenda-se a companhia dos indecentes. O sexo é tão fundamental nas nossas vidas que, mesmo depois de milhares de anos de uso, ainda desperta interesse. A voz que mora em mim tem sempre razão.