sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Granta


A revista literária inglesa Granta foi fundada em 1889 por estudantes da Universidade de Cambridge, inicialmente para publicar artigos sobre política e assuntos relacionados à universidade de autoria dos próprios alunos. O título da revista deriva do antigo nome do rio Cam, que corta a cidade de Cambridge. Em 1979, e revista passou por uma grave crise financeira, obrigando-a a se reformular e a focar escritores e leitores de fora da universidade.
Hoje, a revista Granta já extrapolou não apenas os muros da universidade, mas as fronteiras do Reino Unido: seus editores e escritores são de várias nacionalidades, sua principal benfeitora, Sigrid Rausing, é sueca, e em outubro, quando for lançada em chinês, terá sua presença nos quatro idiomas mais falados do mundo, além do búlgaro, do norueguês e do sueco.
Cada edição da Granta é organizada em torno de um tema único, geralmente um lugar ou assunto, que é tratado por vários autores em textos de ficção ou não ficção. Atualmente estou lendo o volume 8 da versão em português, que foi lançado no final de 2011, cujo tema é o trabalho. No dia 10 de outubro publicarei um texto sobre essa edição. É a partir da crise pela qual passou no final dos anos 70 que a revista adquire a importância que tem hoje para a literatura, abrigando nomes como Saul Bellow, Martim Amis e Milan Kundera.
A partir de 1983, a revista passou a publicar a lista dos 20 “melhores jovens romancistas britânicos”. Naquele ano, a lista tinha nomes como Salman Rushdie, Ian McEwan e Julian Barnes. Hoje a lista é redigida a cada dez anos e contém nomes de várias nacionalidades. Esse ano a revista lançou uma edição, em português, com os 20 “melhores jovens escritores brasileiros”, contendo nomes como Michel Laub e Antônio Prata.   

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Certos homens – Ivan Ângelo


Dizem que a crônica é a prima pobre entre os estilos literários. Apesar disso, a Arquipélago editorial lançou a série Arte da crônica, da qual Certos homens, do romancista e cronista mineiro Ivan Ângelo, é o terceiro volume (já foram publicados Nós passaremos em branco, de Luís Henrique Pellanda, e Esse inferno vai acabar, de Humberto Werneck). Apesar da “má fama” de prima pobre, a crônica, na maioria das vezes, sobrevive ao jornal que a publica, que é descartado no dia seguinte. Mas o que cabe numa crônica? Tudo, ou quase tudo, cabe numa crônica: fatos corriqueiros, grandes acontecimentos, uma experiência vivida, uma reflexão.
É o que acontece com o livro de Ivan Ângelo. A própria orelha do livro diz: “Quase tudo o que cabe numa crônica está nesse livro”. São cinquenta crônicas que foram publicadas na revista Veja São Paulo, com exceção de duas: Conversinha sobre o pum, inédita, e Um toque sem classe, publicada no jornal O Tempo, em fevereiro de 1997. Algumas crônicas tiveram seus títulos modificados pelo editor, seja por que a versão na revista exigia títulos mais curtos ou por que assim quis o editor.
O livro inicia com uma certa dose de nostalgia do autor ao falar de casos amorosos e dos conflitos deles oriundos, destaque para Foi engano, onde um fato corriqueiro (uma ligação feita para um número errado) pode interferir nos destinos de duas pessoas. A literatura também é tema de uma das crônicas, Já ouvi isso antes, onde um autor fala de um determinado pensamento que julgamos ser original ou de um certo autor, mas que foi repetida e recriada décadas a fio. Ivan Ângelo utiliza o diálogo para explicar alguns fatos, como a maravilhosa Conversinha sobre o pum. Um livro nostálgico, onde o autor não se furta em analisar o presente. Vale a pena ler...

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O mundo é um moinho*


Ainda é cedo amor, mal começaste... Não me perguntem o porquê, mas tudo estava degringolando. Se tratando de tempo, a coisa era até recente. Três meses de namoro e cinco de casamento. Éramos do tipo de pessoa que se entregava de corpo e alma. Pelo menos eu era do tipo de pessoa que se entregava de corpo e alma. Amor. Amor e sexo são as duas coisas que mais separam as pessoas. Todas as traições, as mentiras, os subterfúgios são consequência. Na raiz de tudo está o amor e por extensão, o sexo. Eu estava com aquela tremenda peixeira cravada nas costas, porque ela era baiana e não tinha piedade... e eu era homem e tinha que me humilhar... e ela era mulher e fazia pouco caso da minha humilhação. Antes dela, não conseguia entender esses caras que se subjugavam, pra mim não passavam de um bando de frouxos. Homem é homem, porra! E mulher é mulher. Mas ela fodeu a minha vida e a minha cabeça. Havia mais de um mês que eu não dormia, incomodado com a tremenda dor nas costas que a peixeira me causava. Era agora um frouxo, como todos os outros frouxos do mundo. E ela era negra e baixa, e eu era alto, e loiro, e quieto. Às vezes soltava algumas piadinhas, mas no fundo era um quieto. Eu estava...
Estava triste. Depois dela, vivia triste. Bosta, eu a amava, mas ela me entristecia e me desesperava. Talvez porque nunca tenha sabido quem ela era de fato. Mistério era o seu nome. Mistério é o seu nome.
Neste dia, ela chegou do trabalho nervosa, soltando um trilhão de palavrões por segundo. Não quis fazer amor. O que ainda me fazia sentir bem era o sexo. Todo o resto era domínio dela. A cama era domínio meu. Pelo menos eu pensava assim. Mas em breve isso ia mudar. Só que eu ainda não sabia. Cruzes e crisântemos entrelaçando-se às serpentes no jardim.
Começou a arrumar a mala nova que comprara há pouco. Já devia ter desconfiado.
- Onde é que você vai, querida? - Perguntei.
- Vou num samba e não volto mais.
- É?
- É.
Acendi um cigarro e enchi uma xícara de café. Ela continuou concentrada na mala.
- Você tem certeza?
- Tenho, não existe mais como a gente ficar junto. Até a tua risada me irrita ultimamente, Dan.
- É?
- É.
- Eu ainda acho que a gente podia tentar.
- Não tem como, a gente não tem mais nada a ver. Desculpe.
- É, mas o sexo pelo menos é bom, bom não, ótimo, ou não é?
Ela sorriu com desdém e enfiou a peixeira ainda mais fundo. Não existem mulheres piedosas, meu amigo.
- O sexo é bom? - Perguntou quase gargalhando. O sangue que escorria ao lado da peixeira, empapava minha camisa e algumas gotas começavam a cair no chão.
- Pra mim pelo menos era, pra você não?
- Ora Dan, deixa isto pra lá. Não tem mais importância. Acabou, meu bem.
- Como não tem importância, pra mim tem muita importância sim. Então pra você não era bom? Era tudo fingimento?
Ela deixou a mala por um momento e se levantou. Olhou no fundo dos meus olhos. Ela era forte. Tirou o cigarro da minha mão e tragou fundo.
- Olha, Dan, não é que tudo era fingimento, mas eu nunca cheguei ao orgasmo com você. Mulher é diferente, nunca goza durante a penetração.
- É, mas eu sempre te chupei. E até demais.
- Eu sei, querido, mas você ficava enfiando os dedos, me cutucando, aquilo me desconcentrava, repuxava, não era legal.
- É, mas você gemia alto.
- É gemia, mas e aí?
- Nada, deixa pra lá. - Falei acendendo um outro cigarro. Peguei mais um pouco de café. Bebi e então toquei no assunto que estava me incomodando. – Você já tem outro?
- Você quer saber a verdade ou a mentira?
- Sei lá eu, mas diz aí a verdade vai.
- Já tenho.
A ferida doeu ainda mais, ela sabia mesmo como manejar aquela faca.
- Como ele é?
- Não começa, Dan, isso não faz diferença, não fica se martirizando. Ninguém tem culpa.
- Ninguém tem culpa, mas eu quero saber como ele é, porra!
- Ah! Vai começar a gritar é? (Ela adorava gritar com os outros, mas odiava que se gritasse com ela) Se vai começar a gritar, então escuta também, se é o que você quer saber. Ele é alto, mais de um metro e noventa, acho que fica até desproporcional comigo, é negro, dança um samba como ninguém e eu me sinto bem com ele.
- Você se sente bem com ele?
- Me sinto.
- E ele te faz gozar?
- Para com isso. A gente não precisa falar dessas coisas.
- Não precisa uma porra! Ele te faz gozar? Ele tem um pau grande e gostoso assim como o meu? Sua vaca.
- Vaca é! Pois eu gozei com ele desde a primeira vez e olha, gozei como nunca tinha gozado antes nem com o meu ex-marido. Quanto ao pau dele? Dá dois do teu.
- Então tudo o que vivemos foi pura perda de tempo? - Falei apagando o cigarro.
- Não é que foi perda de tempo, com você a coisa foi mais espiritual, foi uma coisa de almas, entende?
- Eu quero é que se fodam os espíritos e as porras das almas. Entendeu? Eu quero é que se fodam!
- Tudo bem. - Ela disse muito equilibrada e foi pro quarto finalizar a mala.
Eu enchi outra xícara de café e procurei outro cigarro, mas o maço estava vazio.
Ela terminou com a mala e parou no meio da sala.
- Eu nunca soube dançar samba, né? - Falei.
- É, nunca, acho que você é branco demais.
- Mas tenho um bocado de discos do Cartola.
- Que que é Cartola? Algum mágico que canta? (Ela era jovem).
- Cartola é um sambista.
- Sei, é dessas músicas velhas que você ouve, né?
- Pois é.
- Tenho que ir. – Ela disse.
- Tudo bem. – Eu respondi.
Abri a porta. Ela me beijou no rosto. Vi-a desaparecendo no jardim de crisântemos, onde eu imaginara que seria feliz.
- O mundo é um moinho! - Gritei antes dela sumir.
- Não importa, eu quero ser moída até o final.
Voltei para casa. Tranquei a porta. Coloquei um Cartola e comecei a lavar a louça, olhando através da janela os crisântemos lá fora. Então me lembrei dos dois papéis que estavam guardados no bolso do meu paletó vermelho, havia mais de dois anos. Fui até o quarto, peguei a cocaína e estiquei a primeira letra do nome dela sobre o mármore da mesa da cozinha. Cheirei de uma vez só e me senti bem, mas lá fora garoava, e na vitrola o Cartola cantava seus sambas tristes... deixe-me ir,  preciso andar... e no quintal havia os crisântemos e ela nunca tinha gozado comigo. Eu me sentia vazio e dolorido como um dente furado. De cada amor tu herdarás só o cinismo. Meu pai havia me dito quando eu tinha onze anos.

*Daniel Lopes: Professor, contista, romancista e colaborador do Coletivo O bule (http://www.o-bule.com/

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Dia do amante


Amanhã é o dia do amante. Não sei quem criou ou por que criou, mas muitos vão querer atribuir ao termo “amante” em questão o significado de “aquele que ama”. Mas para isso já não existe o dia dos namorados? Se não é suficiente o 12 de junho, por que não criaram o dia do marido ou o dia da esposa? É por essas que a minha mente perversa só consegue atribuir esse dia àquela figura que chamam de “o outro” ou “a outra”, entre outras designações. A aplicação do gênero fica a cargo de quem ler, de acordo com suas preferências.
A homenagem é justa, afinal essa figura é o lado mais importante do triângulo do qual faz parte. Digo mais importante por que é essa figura quem dá sustentação ao casamento, afinal o cônjuge adúltero fica mais carinhoso e criativo após voltar dos seus encontros clandestinos, seja por inspiração motivada pelo encontro, seja por peso na consciência. É a figura mais importante por que é com ela que o cônjuge adúltero passa seus melhores momentos, sem precisar discutir orçamento doméstico, educação dos filhos, a relação, quem vai ao mercado, quem pega as crianças na escola, os problemas do trabalho. Nada! Com o terceiro vértice do triângulo, passa-se mais tempo na horizontal, o que é bem mais agradável.
Apesar da justa homenagem, dificilmente alguém vai ver amantes comemorando em bares, restaurantes ou casas noturnas. Só os mais descarados! Mas não se aproximem das alcovas clandestinas, como motéis, hotéis ou carros estacionados em locais ermos. Nas proximidades desses locais será possível ouvir sussurros, resfolegares e até mesmo gritos de gozo. Mas o mais comum será ouvir os espocares das garrafas de champanhe. Se não for possível comemorar no dia certo, por causa de obrigações conjugais, certamente os amantes escolherão outra data para isso. Portanto, amantes, hoje já invente uma viajem de trabalho, um plantão extra ou uma saída estratégica qualquer para amanhã. Ou comemorarem o ano inteiro, o que é mais agradável. 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Adeus, Columbus – Philip Roth


Adeus Columbus é o livro de estreia de Philip Roth, publicado originalmente em 1959. Mas não de um iniciante. Neste livro Roth já mostra ser um contador de histórias de primeira mão. São cinco contos e uma novela e em todas as histórias há a presença dos judeus e seus rituais. Na novela, que dá título ao livro, Roth conta a história de um jovem judeu pobre que vive no subúrbio de Nova York, Neil, que se envolve com uma jovem judia rica, Brenda. A descoberta do sexo pelo jovem casal foi a forma encontrada pelo escritor para mostrar como o assunto era tabu nos anos 50.
O primeiro dos contos, A conversão dos judeus, é uma sátira em que um garoto, humilhado pelo rabino durante a aula de religião, sobe no telhado e, de lá, obriga toda a comunidade a abjurar do judaísmo. No segundo conto, O defensor da fé, um soldado judeu utiliza-se da religião para escapar das durezas do quartel e da guerra. Para isso, conta com a ingenuidade do seu superior, também judeu. Em Epstein, também uma comédia, o personagem que dá título ao conto hospeda seu sobrinho e o flagra transando com a filha da vizinha no tapete da sala. Instigado pela cena, inicia um caso com a mãe da garota, provocando um escândalo doméstico.
No quarto conto, Não se julga um homem pela canção que ele canta, um jovem judeu se envolve com dois garotos barras pesadas, o que lhe trará consequências. o último conto, Eli, o fanático, Roth mostra o choque existente na sociedade americana entre os judeus assimilados e os protestantes, de um lado, e os judeus ortodoxos recém-chegados da Europa pós-guerra, do outro. Nessa obra de estreia, Roth consegue reunir temas que serão típicos de sua prosa no futuro: o judaísmo, a sexualidade e os ideais americanos. 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O encontro


Antônio pertencia a uma família tradicionalíssima do interior e casara-se cedo, muito cedo, antes mesmo de acabar a adolescência. Ainda se lembrava do dia em que seu pai, seu Francisco Damásio, o chamara na sala após o almoço.
- Tá na hora de você deixar de usar essas calças curtas e virar homem. – dissera com autoridade.
- Sim senhor.
- Ainda esse ano você vai casar com a filha do Firmino. – dissera o pai sem hesitação.
Aquela notícia abalara sobremaneira Antônio, que só tivera forças para perguntar:
- Qual delas?
- A mais nova. Pode ir embora. – respondera seu Francisco, mal olhando para o filho ao dá a ordem de retirada.
Tinha-a visto quando ela tinha seis anos. Chamava-se Ângela e era quatro anos mais nova que ele. Voltou a vê-la no jantar de noivado com as duas famílias. Ela não é feia, pensou Antônio à mesa ao avistá-la. A cerimônia de casamento se dera na propriedade do pai de Antônio e reunira a maioria dos fazendeiros da região.
Passaram dez anos casados e, nesse período, tiveram dois filhos, se mudaram para a cidade, abriram um mercado de secos e molhados e tornaram-se independentes do seu Francisco.
Era uma relação tranquila, de respeito mútuo, não se tinha notícias de brigas entre ambos, nem mesmo de uma leve discussão. Ângela era daquelas mulheres que aceitava tudo o que as circunstâncias lhe ofereciam. Sobravam elogios à conduta de sua conduta:
- É uma senhora séria – diziam uns.
- Uma mulher trabalhadeira. – diziam outros.
- Uma mãe de família exemplar. – complementavam outros.
Todas admiravam a postura de Ângela, menos Antônio. 
Com a morte do velho, Antônio viu a possibilidade de libertar-se próxima. Liberdade não só para ele, mas para ela também.
Depois de um dia de trabalho, o casal estava fazendo o que sempre faziam a noite: assistindo TV enquanto não chegava a hora de colocar as crianças para dormir e irem dormir também. Antônio aproveitou para tocar no assunto:
- Ângela, sei que você não casou comigo por que quis. Eu também não! Então por que não aproveitamos que o meu pai e o seu já morreram e começamos uma vida que gostaríamos de ter tido desde o inicio?
- O que você quer dizer com isso? – Ângela mostrava fragilidade na voz. Ela sabia o que ele queria dizer com aquilo.
- Por que não nos separamos? – Antônio falou de supetão.
- E eu e as crianças? Como ficaremos? – ela demonstrava menos aflição do que uma simples dúvida.
- Quanto a você, continuamos sócios no mercado. Você terá seu dinheiro para sobreviver. Quanto às crianças, continuo pai delas, darei toda a assistência necessária.
Ângela relutara por alguns dias, mas acabara concordando com o arranjo que Antônio lhe propusera. Deram uma desculpa qualquer para as crianças, ele pegara suas roupas, alugara um pequeno apartamento e mudara-se.
Mas as desculpas dadas aos filhos não serviram para os parentes de ambos. A mãe de Ângela passou três dias de cama, com a pressão nas alturas; a mãe de Antônio disse que aquilo era coisa do capeta e encomendou um missa ao padre Borba para tirar o tinhoso da vida do filho. Para não perder a viajem, apesar de ser mulher de rígidos princípios católicos, encomendou um culto ao pastor Severiano. Se não fizesse bem, mal não faria!
Mas nada demoveu Antônio do seu propósito: o passamento da sogra, as rezas da mãe, os apelos das irmãs, os xingamentos dos irmãos. Antônio queria a sua liberdade!
A concordância de Ângela representava um sinal verde, uma verdadeira carta de alforria. Era somente começar a viver!
E ele fez isso com vontade! Passou a comprar roupas e sapatos com mais frequência e saía todas as noites com amigos ou sozinho, mas quase não bebia, apenas um copo de cerveja era suficiente para deixa-lo tonto. O seu negócio era as companhias femininas. Passou a frequentar não locais de reputação duvidosa, mas locais de reputação reconhecidamente negativa. Eram bares, boates, prostíbulos, saunas, inferninhos e tudo o que lhe proporcionasse algum tipo de prazer.
A separação também fez bem à Ângela. Passou a maquiar-se levemente, a usar roupas discretamente mais sensuais, brincos e outras joias. Antônio gostava de vê-la daquele jeito, mas não cogitava reatar o casamento.
Mas a vontade de viver de Antônio esbarrava na sua ingenuidade em relação às mulheres e o sexo.
- Quando chegou a hora de aprender algo sobre o assunto, tive que casar. O casamento não é o lugar mais adequado para aprender sobre sexo. – costumava dizer aos amigos, que o aconselhava:
- Cuidado rapaz, tem muita vigarista por aí.
- Fica tranquilo, eu me viro. – sempre respondia Antônio, com ar de felicidade.
Antônio costumava frequentar uma boate de nome sugestivo, “Potência máxima” às sextas-feiras. Sempre chegava por volta das 22 horas e ficava por ali, fazia de conta que bebericava uma cerveja, chamava alguma garota para dançar, circulava e conversava com alguns conhecidos.
Naquela sexta-feira ele percebeu que havia uma cara nova na área. Uma morena de corpo perfeito, cabelos longos, que usava uma calça justíssima, despertando sua imaginação lascivamente.
Aproximaram-se. Meu nome é Antônio! Meu nome é Angélica! Dançaram, beberam, beijaram. Voltaram a dançar, a beber e a dançar. Foram para o apartamento de Antônio e dormiram. Antônio estava embriagado!
Nos dias seguintes não se desgrudaram. Andavam de mãos dadas para todos os lados. Logo os amigos de Antônio se pronunciaram:
- Antônio toma cuidado, essa mulher não vale nada. – falava um.
- Antônio, metade da garotada das redondezas perdeu a virgindade com ela. – falava outro.
- Tanto que a chamam a boca miúda de “Angélica tira selo” – complementara um terceiro.
Todos tinham uma crítica a fazer sobre a vida de Angélica, menos Antônio.
Antônio só ouvia com a fisionomia impassível. Estava feliz!
Não que os amigos de Antônio não tivessem razão sobre a vida pregressa de angélica. Associar a sua vida sexual a animais como tradicionalmente é feito nessas ocasiões não era suficiente. Associá-la a cachorra, galinha ou piranha não diminuía o ímpeto com que todos queriam julgá-la. Se procurassem um animal para comparar com a vida sexual da amada de Antônio, esse animal seria uma mistura de quero-quero com pica-pau. Mas para Antônio nada disso estava importando. Ele estava feliz!
Angélica era inteligente, muito bonita, um corpo sinuoso e tinha aquela carinha de menina que sempre está aprontando alguma coisa de errado. E quase sempre estava!
Logo os amigos a acorreram novamente à Antônio.
- Fulano viu Angélica com um cara no bar do Miro. – dizia um.
- Sicrano viu Angélica entrando num motel com um sujeito. – alertava outro.
- Beltrano falou pra quem queria ouvir que saiu com Angélica ontem à noite. – proclamava um terceiro.
Todos tinham uma palavra negativa para falar sobre Angélica. Menos Antônio!
Antônio nada ouvia. E se ouvia não estava nem aí. Somente um sorrisinho no canto de boca denunciava que ele não estava alheio a tudo.
Ele estava feliz.
Ele era feliz.    
   

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Silvério Sombra


Um escritor talentoso com um futuro promissor na literatura, lança dois romances e dois livros de contos e depois anuncia, misteriosamente, que estava abandonando a literatura e que todos devia esquecer a ele e a sua obra, afirmando que não acrescentaria “uma linha que seja a uma obra que espero ver esquecida para sempre”. Refugia-se num sítio em local incerto e ignorado. A sua atitude passa chamar mais a atenção do que seus livros. De fato, sua obra foi esquecida sem demora. Esse é Silvério Sombra.
No entanto, o escritor volta a ser alvo da curiosidade no mundo literário. Não pela sua obra, repito, que foi sumariamente esquecida. Mas pelos motivos que o levaram a tomar essa drástica decisão. Principalmente depois que cunharam para ele o apelido de “Raduan sem lavoura”, uma referência ao escritor Raduan Nassar, que depois de escrever uma das obras-primas da literatura brasileira Lavoura arcaica, abandonou a literatura em 1985. Com a diferença que Raduan não pediu que esquecessem a sua obra, composta também por vários contos.
No blog, Toda Prosa, o jornalista Sérgio Rodrigues publicou uma entrevista com o escritor (links abaixo), feita em seu sítio, localizado em local não divulgado (uma das cláusulas restritivas que ele impôs para conceder a entrevista). O tema central da entrevista não foi a sua obra, mas as razões para que ele abandonasse a literatura. O escritor não foi claro, mas deu a entender, depois de certa relutância, que o ego inflado das pessoas do meio literário, a quem ele chama de “urubus”, “hienas”, “comerciantes frios”, “menininhos lânguidos e ciumentos”, “uma gente sem alma e com idade emocional de nove anos”, teria sido o motivo da sua decisão.
Silvério Sombra resolveu levar uma vida reclusa e abandonar a literatura, uma decisão extrema, sem dúvidas. Mas outros escritores também tomaram a mesma decisão e passaram a levar uma vida reclusa, mesmo que tenham continuado a escrever. Além de Raduan Nassar e de outro escritor brasileiro, Rubem Fonseca, um caso célebre é o do escritor americano J. D. Sellinger, autor de O apanhador no campo de centeio, que viveu num rancho até a sua morte. Thomas Pynchon, autor de O arco-íris da gravidade, também vive recluso e não se conhece mais do que duas ou três fotografias dele. Será que viver no mundo literário é tão difícil assim?  

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Fome – Knut Hamsun


O personagem de Fome, do norueguês Knut Hamsun, prêmio Nobel de 1920, é intrigante e instigante. Apesar de possuir uma inteligência singular, vive numa miséria extrema. Não se sabe como o personagem foi parar na mais absoluta miséria. Mas não abre mão de seu orgulho e da sua honestidade. Segundo ele próprio “honesto nas profundezas da minha miséria”. Pedir esmola nem pensar, roubar, menos ainda. Escreve para comer e come para escrever. O problema é quem nem sempre tem o que escrever nem o que comer. Aí ele entra num ciclo de devaneios que variam da lucidez a insanidade numa rapidez difícil de acompanhar. Nunca sabemos qual o seu estado mental.
Quando tem o que escrever e, por consequência, o que comer continua na miséria por que distribui os parcos recursos que possui. E quando come, vomita. O personagem tem consciência de que não está no seu juízo perfeito. Que está na fronteira entre a loucura e lucidez, quando passava longos períodos sem comer, “era como se o cérebro lentamente me escorresse para fora da cabeça”. Mas não muda o seu modo de vida. Hamsun conduz a obra com maestria, colocando os devaneios do seu personagem no centro das atenções. Alguns consideram o autor norueguês como um dos criadores do fluxo de consciência (onde os pensamentos do personagem são retratados sem interrupção).
É uma obra atemporal, com poucas ações. O que prevalece são as reflexões do personagem-narrador. Por isso Fome é considerado um livro de vanguarda, para a época em que foi escrito, 1890, com ingredientes inéditos e cheios de paradoxos. É uma obra repleta de amarguras, sonhos e descrenças. Mas também, paradoxalmente, de alegrias, otimismo e esperança. Apesar da miséria reinante na vida do personagem, ele não desperta no leitor pena, mas admiração e, até mesmo, inveja.  

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Felicidade no casamento


Martins está pensativo e exausto, olhando através do espelho no teto aquele corpo esbelto que jaz ao seu lado na cama, quando ouve a voz suave dela:
- Você faz tudo isso com ela?
Martins acorda dos seus devaneios:
- Claro que não! Ela é a mãe dos meus filhos.
Martins tinha 35 anos, era casado há dez e tinha dois filhos. Publicitário bem sucedido, tinha encontros esporádicos com Luciana, a morena estonteante que estava ao seu lado na cama, há cerca de cinco meses.  
- E isso é impedimento? – pergunta Luciana.
- Claro que é!
- Simples assim?
- Simples assim.
- Cuidado, moço. A maternidade não é um atestado de frigidez e falta de imaginação.
Luciana levantara-se da cama e caminhara para o banheiro, enquanto Martins contemplava cada curva daquele corpo escultural e lembrava-se da esposa. Apesar do corpo rechonchudo devido às gravidezes, ainda não era uma mulher totalmente desprovida de encantos. Martins sabia que a sua mulher atraia olhares masculinos e isso não o incomodava. Afinal, ele era o pai dos seus filhos e ela não iria traí-lo, pensava, com um leve sorriso nos lábios.  
Ainda sou um homem desejável e cheio de vida, pensava Martins. A minha criatividade na cama é ilimitada e isso pode chocá-la. É uma pena, ainda divagava Martins, que a sua esposa via o sexo apenas como uma obrigação conjugal e uma necessidade procriativa. Não posso desperdiçar tanta criatividade, concluía Martins. 
- Somos felizes assim – falou, em voz alta, para Luciana.
E voltava a pensar na esposa. Era uma mulher virtuosa. Buscava satisfazê-la na cama dentro dos limites que a decência permitia. Temia ofendê-la se tentasse algo mais ousado.
- Se são felizes assim, ótimo. Mas me responde uma coisa: depois de casar e serem felizes, o que vocês fizeram com a necessidade de desejar? – Luciana voltara do banheiro e se vestia.
- Eu procuro você.
- E ela?
- Ela se contenta com a maternidade.
Martins, preguiçosamente, levanta-se e também vai tomar banho para vestir-se.

***
Carmen estava pensativa e exausta, olhando através do espelho no teto aquele corpo escultural, de músculos bem definidos que jaz ao seu lado na cama, quando ouve aquela voz máscula que a excitava:
- Você faz tudo isso com ele?
Carmen desperta dos seus sonhos eróticos recém-realizados pelo deus grego que está lhe fazendo a pergunta. 
- Claro que não! Ele é o pai dos meus filhos.
Carmen tinha 34 anos, era casado há dez e tinha dois filhos. Dentista bem sucedida, tinha encontros esporádicos com Diego, o garotão malhado que estava ao seu lado na cama, há cerca de um ano.
- E isso impede alguma coisa?
- Claro que impede!
Diego levantara-se e fora ao banheiro enquanto Carmen contemplava seu andar com aquela opulência nadegal e lembrava-se do marido. Apesar da barriguinha proeminente inevitável com a idade, ainda era um homem desejável. Mas nunca tivera grandes arroubos sexuais, nem manifestara nenhuma fantasia sexual mais elaborada. Ter um amante não despertava nela nenhum remorso. Acreditava que a felicidade estava na variedade.
Carmen ainda se achava uma mulher atraente e os olhares e “cantadas” de colegas e pacientes confirmavam isso. Sou uma mulher muito criativa na cama, pensava ela. É uma pena que o marido visse o sexo apenas como uma obrigação inerente ao casamento e o único meio de procriar. Não posso desperdiçar toda essa minha criatividade, concluía Carmen. 
- Somos felizes assim. – falou em voz alta para Diego, que estava no banho.
E voltava a pensar no marido. Era um homem trabalhador, decente. Tentava satisfazê-lo na cama, mas se sentia insatisfeita. Temia tentar algo mais e ofendê-lo. Ele era um homem muito conservador!
- Se são felizes assim, ótimo. Mas me responde uma coisa: você não se sente culpada por trai-lo? – Diego voltara do banho e se vestia.
- Não. No meu caso o adultério não é uma vingança contra o meu marido. Mas uma vingança contra a mediocridade da vida conjugal.
- E ele, o que pensa disso?
- Ele não pensa nisso. – riu com cinismo.
Carmen levantou-se preguiçosamente e foi tomar banho.

***

Luciana e Diego estavam estendidos na cama, exaustos.
Ele admirava as formas perfeitas do corpo dela, a pela macia e os cabelos negros e compridos. Admirava-a por associar uma beleza estonteante com uma inteligência suave e um raciocínio prático.
- Como foi lá? – perguntou ele.
- Normal. – respondeu ela, sem entusiasmo. – Sempre penso em você nessas horas.
- Quem bom que você sempre se lembra de mim. – falou ele com um sorriso nos lábios. 
Ela gostara de Diego desde que o conhecera, há três anos. Era um homem realista e prático, além de portador de uma beleza devastadora.
- Claro que sim. Sempre serei leal a você. Nunca prometemos fidelidade um ao outro, mas lealdade.
- É verdade!
- E você? Como foi lá?
Diego lembrava-se de Carmen. Uma mulher cheia de fantasias e tendo seus prazeres refreados por força de pudores inexplicáveis.
- Foi bom. É como eu já te falei...
- Sei. – interrompeu Luciana - Mas eles são felizes assim, né?
- Verdade! Eles são felizes... 

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A influência de Cervantes na literatura brasileira


Muito bom o artigo do poeta, ensaísta, tradutor e membro da Academia Brasileira de Letras Ivan Junqueira na REVISTA DE HISTÓRIA DA BIBLIOTECA NACIONAL, do mês de agosto. Intitulado O salvador da ilusão, o texto trata da influência da obra Dom Quixote, do espanhol Miguel de Cervantes, na literatura Ocidental e, mais especificamente, na literatura brasileira. Ivan Junqueira enfatiza a contribuição do escritor espanhol à gênese do espírito moderno, somente comparável à contribuição de Shakespeare. A obra-prima de Cervantes foi escrita num momento de transição, entre a Idade Média e a Renascença, numa momento de dualidade histórico-filosófica, onde o embate entre a fé e a razão, o idealismo e o realismo são frequentes. E essa dualidade estará presente no personagem Dom Quixote de La Mancha.
A influência do livro na literatura brasileira começa no século XVII com Gregório de Matos, num poema escrito entre 1684 e 1687: Uma agulhada por lança/Trabalhava a meio trote/Qual o moço de Dom Quixote/A que chamam Sancho Pança. No século seguinte, o dramaturgo Antônio José da Silva, conhecido como “O Judeu”. Escreveu a ópera jocosa Vida de Dom Quixote de La Mancha. No século XIX, Machado de Assis faz referência ao personagem de Cervantes num poema de 1856 e, por várias vezes, alude o autor e sua obra no romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 1881, e nos contos Teoria do medalhão, de 1882, e Elogio da vaidade, de 1889.
No século XX, vários escritores vão sofrer a influência de Cervantes nas suas obras. Na década de 30, Monteiro Lobato publicou o seu Dom Quixote para crianças. Em 1951, o folclorista Luís da Câmara Cascudo publica o ensaio Com Dom Quixote no folclore brasileiro. Antes dele, José Lins do Rêgo, em 1943, deixa transparecer a influência do mestre espanhol no livro Fogo morto, onde o personagem Vitorino Carneiro da Cunha é uma espécie de Dom Quixote do sertão nordestino. Entre os poetas do século XX a influência não é menor, estando entre os poetas que pagam algum tributo a Cervantes Manoel bandeira e Carlos Drummond de Andrade. A obra de Cervantes veio para ficar, não apenas pela sua beleza estética e inovação de estilo, mas por que ela marca um período de ruptura entre dos mundos e suas mentalidades: o mundo da Idade Média e o mundo Moderno.      

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O eterno marido – Dostoievski


O eterno marido é uma novela de Dostoievski, escrita em apenas três meses no ano de 1869. O termo que empresta seu nome ao livro refere-se aquele tipo de homem que nasceu unicamente para casar e, uma vez casado, existe apenas para ser parte complementar da sua esposa. Esse é o caso de Páviel Pávlovitch Trusótski, que depois de nove anos encontra Aleksiéi Ivânovitch Vieltchânimov, o ex-amante da sua falecida esposa. O viúvo é agressivo e alcóolatra, o ex-amante, fútil, frívolo e indeciso. Os dois vão manter uma relação difícil, com altos e baixos, alternando rispidez e demonstrações de amizade.
Para Vieltchânimov, o senhor Trusótski e sua esposa, Natália, faziam parte de um passado que ele queria esquecer quando tinha sido preterido por esta, nove anos antes. Mas os dois se reencontram em São Petersburgo, onde o senhor Trusótski tinha ido a negócios acompanhado de Lisa, filha dele com Natália.  Vendo a criança e fazendo as contas dos anos em que manteve um romance com a falecida, Vieltchânimov acredita que a filha é dele e não do senhor Trusótski, mas é ter a certeza.
Aos depois Vieltchânimov encontra o senhor Trusótski casado com uma jovem do campo, mas igualmente bufão e tolo.  O eterno marido não figura entre as grandes obras do escritor russo, mas nos leva a refletir sobre a natureza humana, entrando em méritos psicológicos e emocionais. Acima de tudo, o livro traz um relato doloroso sobre como as coisas não dão certo no final, sobre como o tempo não cura e sobre como o amor não salva.  

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O perdão que nunca veio


- Você é um canalha! - Isolda gritou com todas as forças. Andava na cozinha como uma leoa numa jaula.
- Mas eu não fiz nada. – suplicava Luiz, praticamente encolhido numa das cadeiras da mesa.
- Você sabe que fez. – agora falava mais baixo, mas com o dedo indicador voltado apontado para Luiz. – Eu não sei exatamente o que você fez, mas você sabe.
Luiz olhava perplexo para Isolda enquanto ela abria a geladeira, pegava uma lata de cerveja e tomava um gole longo.
- Você está bêbada?
- Se é possível ficar bêbada com um gole de cerveja, eu estou. – falou Isolda com sarcasmo.
- Você não está falando coisa com coisa.
- Eu sou a bêbada, a louca, a histérica! – voltou a gritar Isolda.
- Eu não estou dizendo isso...
- E está dizendo o que? – interrompeu Isolda aos gritos.
- Nada. – Falou Luiz acabrunhado.
Luiz e Isolda estavam casados há cinco anos e não tinham filhos. Dividiam a casa e o aluguel com Isabel, irmã de Isolda e proprietária de um corpo de tirar o fôlego, razão para grande parte do ciúme da irmã.
- Mas eu tenho muito que falar. – Isolda toma outro longo gole de cerveja e praticamente esvazia a lata. 
Luiz tinha trinta e um anos, trabalhava como atendente numa farmácia e há muito tempo desistira de estudar, parando no ensino médio. Isolda tinha vinte e nove anos, trabalhava como secretária de um dentista bonitão durante o dia, razão de desconfianças de Luiz e fazia pedagogia numa faculdade particular à noite.
 - Faço sacrifícios para que você possa estudar, meu amor. – costumava dizer Luiz para justificar a sua preguiça em estudar, quando era cobrado pela esposa.
- Então pare de fazer sacrifícios e vá estudar. – ela sempre retrucava.
Agora estavam ambos na cozinha de casa, em mais uma discussão por causa dos ciúmes de Isolda. Isabel estava na faculdade de ciências contábeis que fazia no período noturno. 
Luiz estava de cabeça baixa, fazendo bolinhas com migalhas de pão. 
- Você nem se digna a pedir perdão pelo que faz! – falou indignada Isolda.
- Mas o que eu fiz? – Luiz larga as migalhas e põe as duas mãos no peito, em súplica.
- Você sabe! – grita ela, apontando, mais uma vez, o dedo na direção de Luiz. - Deve-se pedir perdão até pelo que não fez.  
- Você está se referindo ao episódio do banheiro? 
- Já tá começando a aparecer! Que episódio do banheiro? 
Luiz observava com aflição as veias da testa e do pescoço de Isolda, que estavam a ponto de explodir.
- Mas foi sem querer, Isinha. – apressou-se em dizer.
- Isinha um cacete! Sem querer um cacete também! Fala logo! E você está errando de pessoa. Isinha não sou eu!
- Eu ia passando em frente ao banheiro quando vi, pela porta entreaberta a sua irmã no espelho. E através do espelho eu vi o seio dela. Mas foi sem querer! – apressou-se em dizer e pensou: “E que peitinhos”.
Isolda estava vermelha. Parecia que ia explodir.
- E o que você fez?
- Eu não fiz nada... – apressou-se em dizer Luiz.
- Esse é o seu problema, seu idiota.  – interrompeu Isolda – você nunca faz nada.
- Não entendi.
- Esse é seu outro problema, seu imbecil. Você nunca entende nada!
Luiz estava de boca aberta, sem saber o que dizer.
- Você lembra no churrasco de aniversário do Amílcar, quando a mulher dele, a Carla, deu em cima de você depois que estava bêbada?
- Mas eu não fiz nada! - Apressou-se em dizer, mais uma vez, Luiz.
- Esse é seu problema, Luiz. – Isolda parecia resignada. Dirigiu-se à geladeira. Ao abrir a porta, virou-se para Luiz.
- Você nunca faz nada.
Abriu mais uma latinha de cerveja e deu um grande gole.