terça-feira, 29 de novembro de 2016

Tristeza F. C.

Hoje vou dá uma pausa na literatura e falar sobre outra das minhas paixões, o futebol. Infelizmente, num momento triste, muito triste. Quem me conhece sabe que sou patologicamente apaixonado por livros e alucinadamente louco por futebol. Acordei hoje com a notícia de que o avião que transportava a delegação da Chapecoense e jornalistas para a Colômbia para o jogo final da Sul Americana tinha caído e que mais de setenta pessoas tinha morrido. Entre elas, a maioria do elenco do time catarinense. Meu coração apertou, a garganta fechou, o dia nublou, ficou cinza. Para alguns pode parecer exagero, para mim não.
Assisto futebol pelo menos duas vezes por semana. E o hábito de ver os mesmos atletas disputando várias competições (Brasileirão, Copa do Brasil, Libertadores, Sul Americana), trocando de time, comemorando na vitória e chorando na derrota me dá a sensação que aqueles sujeitos são meus conhecidos com quem cruzo na ida ao trabalho ou no supermercado. Não sei se mais alguém tem essa sensação. Eu tenho! E por isso que senti o golpe quando vi a notícia da morte por atacado desses “conhecidos”.
Tenho meu time de coração, mas sempre torço por aquele time considerado “pequeno”, menos tradicional, de menor projeção, como queiram falar (Será que essa é uma característica daqueles humanos que amam o futebol?). E o time da Chapecoense era um deles. Torci em muitos momentos quando o time de Santa Catarina enfrentou times de maior projeção, como torci também por Sport, Vitória, Figueirense, Santa Cruz, entre outros. Na semana passada quase enfartei com a defesa do goleiro Danilo no último minuto da partida contra o San Lorenzo, da Argentina. Danilo agora está morto!
A Associação Chapecoense de Futebol é um fenômeno. Fundado em 1973, há apenas sete anos estava na quarta divisão do futebol nacional e somente em 2014 estreou na elite do Brasileirão, para não mais sair. Ou seja, em cinco anos o clube foi da série D à A. E em três temporadas na elite, nunca ficou sob a ameaça de rebaixamento. Com a bagunça que são as finanças dos clubes brasileiros, a Chapecoense, com seu planejamento à longo prazo, salários realistas e orçamento enxuto, se transformou num príncipe entre sapos, num cisne entre patinhos feios.
Nesse momento de profunda tristeza, minha solidariedade aos torcedores da Chape. Minha solidariedade aos amantes do futebol. Minha solidariedade aos verdadeiramente humanos.     

domingo, 27 de novembro de 2016

O médico e o monstro – Robert Louis Stevenson

“Refrear a curiosidade é uma coisa; vencê-la é outra”.
Ao lado de Drácula (1897), de Bram Stoker, e Frankenstein (1818), de Mary Shelley, O médico e o monstro, do escocês Robert Louis Stevenson, publicado em 1886, forma o trio de ouro do romance de terror. Mas o que faz dessa novela de Stevenson um clássico? O livro é reflexo das teorias psicanalíticas que eram debatidas pela sociedade inglesa da Era Vitoriana, abordando questões como o bem e o mal e a possibilidade de um indivíduo ter dupla personalidade a ponto de viver duas vidas paralelas. Inclusive, Stevenson buscou inspiração no caso real de um marceneiro que durante o dia era um cidadão modelo e à noite entrava nas casas da vizinhança para roubar.
“Foi a partir do meu lado moral, e em meu próprio ser, que aprendi a reconhecer a completa e primitiva dualidade humana”.
Tudo começa quando o renomado Dr. Henry Jekyll pede ao seu amigo e advogado Mr. Gabriel Utterson elabore seu testamento deixando tudo para um misterioso Mr. Hyde. Preocupado com a estranha decisão do amigo, Mr. Utterson começa a investigar e chega até um amigo do Dr. Jekyll, o também médico Dr. Lanyon, que lhe indica um pequeno laboratório perto da casa do Dr. Jekyll onde Mr. Hyde era visto com muita constância. De vigília no local indicado, o advogado consegue ficar frente a frente com a misteriosa figura, chamando a sua atenção a aparência física grotesca e deformada do eventual herdeiro do renomado médico.
“Toas as coisas têm seu final, mesmo o maior receptáculo acaba por encher-se, e essa breve rendição ao meu mal finalmente destruiu o equilíbrio de minha alma”.
Intrigado, o advogado indaga Dr. Jekyll sobre a sua decisão de deixar tudo para tão estranha figura, este apenas afirma que é necessário. Um ano depois, um cidadão londrino é assassinado e a arma do crime é uma bengala que pertence ao Dr. Jekyll e que estava com um sujeito com as mesmas características de Mr. Hyde, segundo uma testemunha. Alertado por Mr. Utterson sobre o perigo que estava correndo, o médico falou que o seu herdeiro tinha sumido e deixado uma carta de despedida. Muitos são os mistérios que só serão desvendados ao final da história, como também muitos são os questionamentos sobre a dicotomia que compõe a personalidade humana. Estes, até hoje sem respostas.   

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Um conto de Natal – Charles Dickens

“O que ele mais gostava neste mundo era passar através da multidão sem precisar demonstrar qualquer simpatia humana”.  
Escrito às pressas com o único objetivo de juntar dinheiro e pagar dívidas, Um conto de Natal, o sexto romance do escritor inglês Charles Dickens, foi publicado pela primeira vez em 1843, em forma de folhetim numa Inglaterra que já conhecia os efeitos da Revolução Industrial e que tinha o jornal impresso como único meio de comunicação (o livro era artigo de luxo). Desde então, tornou-se uma das mais célebres obras de Dickens, foi traduzido para vários idiomas e recebeu algumas adaptações para o cinema. Além de ter inspirado o personagem Tio Patinhas (em inglês, Uncle Scrooge), o pato avarento criado pelo cartunista Carl Barks, em 1947.
“A escuridão era de graça, e Scrooge gostava disso”.
Ebenezer Scrooge é um velho rico e avarento insensível à pobreza que o rodeia. Solteirão e solitário, tinha como único parente um sobrinho, cujas tentativas de aproximação com o tio eram recebidas com escárnio pelo velho ranzinza. Bob Cratchit é funcionário de Scrooge e tem esperanças de passar o feriado com a esposa e seus quatro filhos (um deles paralítico), mas o velho o obriga a trabalhar no feriado. Scooge odeia o Natal e não vê motivos para comemorações. Às vésperas do Natal, recebe a visita de dois homens que pedem uma ajuda ao velho mal-humorado para realizarem boas ações para os pobres onde ele se nega terminantemente a ajudar por achar que já faz demais ao pagar os impostos.
“Os caminhos humanos fazem prever seus próprios destinos”.
Nesse mesmo dia, depois de negar o feriado à Bob e a ajuda aos pobres, ao chegar em casa, um casarão escuro e mal cuidado, a versão fantasmagórica do seu ex-sócio, Jacob Marley, falecido sete anos antes e tão avarento quanto ele, lhe aparece e avisa da visita de três fantasmas que mostrarão para o velho rabugento o passado, o presente e o futuro. Depois disso, Ebenezer Scrooge não será mais o mesmo. Um conto de Natal é um clássico, sem dúvidas, mas não vejo justificativa para colocá-lo no mesmo patamar de Conto das duas cidades, por exemplo. Talvez seja por que histórias edificantes e de superação não sejam as minhas predileções.

domingo, 20 de novembro de 2016

A irmandade da uva – John Fante

“Meu velho nunca quis ter filhos. Queria estucadores e pedreiros assistentes”.
Publicado em 1977 depois de 25 anos de jejum no mercado editorial, A irmandade da uva é um livro pouco citado de John Fante. Diferente de outras obras de Fante em que o protagonista é seu alter ego mais famoso, Arturo Bandini, A irmandade da uva, ao lado de 1933 foi um ano ruim, lançado postumamente em 1985, traça um panorama de várias gerações dos Molise, também uma família de ítalo-americanos que vive às voltas com a pobreza, a escassez de trabalho e o alcoolismo. No entanto, a relação entre os Molise dos dois romances nunca é esclarecida, o que não tem a menor importância, os dois livros podem ser lidos na ordem que interessar ao leitor.
“Era deplorável, miserável embaraçoso, revoltante, desavergonhado, estúpido, grosseiro, feio e bêbado – o pior pai que um homem podia ter (...)”.
Enquanto que em 1933 foi um ano ruim o protagonista é Dominic Molise, um adolescente que luta contra o desejo do pai de torna-lo pedreiro e sonha em ser jogador de baseball, em A irmandade da uva vemos Henry Molise, um escritor de sucesso de 50 anos que retorna para a casa paterna para evitar o divórcio dos pais depois de mais de meio século de casamento. Henry foi o único dos quatro irmãos que conseguiu sair da pequena San Elmo e ser bem sucedido, o que já era motivo de conflitos entre os irmãos, todos eles carregando uma relativa dose de frustrações por sonhos não alcançados. Para complicar um pouco mais as relações familiares, o pai tinha uma personalidade difícil e tirânica.
“Quando sua fraqueza é sua força, você chora. O choro desconcerta as pessoas, elas não sabem lidar com ele, estão esperando violência e subitamente ela desaparece numa poça de lagrimas”.
Nicholas Molise, o irascível Nick, era um pedreiro bem sucedido na pequena cidade da Califórnia, mulherengo, alcoólatra, cujo único objetivo na vida foi, ao que parece, frustrar os sonhos dos filhos. Já idoso, pressiona Henry a acompanha-lo no seu último trabalho como pedreiro, exatamente aquilo de que Henry fugira a vida toda. Ironicamente, isolados nas montanhas carregando pedras e misturando argamassa, esse último trabalho irá aproximar de forma inédita pai e filho.  Para quem conhece a obra de Fante não passa despercebida uma das características dos seus escritos, o caráter autobiográfico das suas histórias.     

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O verso do cartão de embarque – Felipe Pena

“Essa história de príncipe encantado foi criada para confundir os hormônios femininos”.
A crônica, de autoria de Antônio Pastoriza, é publicada no jornal pouco antes dele entrar no avião. O título dela é o mesmo do livro e se inspira no momento em que o personagem coloca o número do telefone e o nome no verso do cartão de embarque para o caso de uma emergência. A crônica é dedicada a uma personagem misteriosa: Nina, uma ex-namorada que ninguém conhecia pelo apelido íntimo. Mas quem é Nina? Esse é o ponto de partida de O verso do cartão de embarque, terceiro livro do jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense Felipe pena, publicado em 2011.    
“Caos não é desordem. É a criação de uma nova ordem no interior da própria desordem”.
O primeiro capítulo do livro traz a misteriosa crônica. Os demais capítulos se dividem entre a narrativa de Antônio Pastoriza sobre a sua viagem; as divertidas e patéticas atas de reuniões dos professores da universidade onde Pastoriza trabalha, que tentam desvendar o mistério da identidade de Nina e do paradeiro do professor, mas que nunca chegam a uma conclusão; e as histórias da jornalista Berenice e a nutricionista Nicole, as duas ex-namoradas que atribuem a si o misterioso apelido de “Nina”. Ambas serão alvos da “investigação” levada a cabo pela comitiva de professores que querem descobrir, afinal, quem é Nina.
“As frases não ditas são eternas”.
Curiosamente, a orelha do livro é escrita pelo misterioso personagem Antônio Pastoriza, algo incomum. Mas o autor justifica: “A orelha é um exercício de hipocrisia na literatura, sempre é um amigo que a escreve. Então em vez de pedir a um amigo para escrever, aliás, eu até pedi, mas alguns recusaram – acho que não são muito amigos,  eu pedi para o personagem,  o personagem escreveu e me elogiou. E eu sou muito grato ao personagem por ele ter feito a orelha para mim”. O verso do cartão de embarque não é uma obra para se levar na lembrança por toda a vida, mas é um bom passatempo.