segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Vamos fazer de conta que todos os dias é o dia do professor

Domingo, dia 15, foi o dia do professor. As redes sociais “bombaram” com felicitações aos mestres, nas salas de aula os alunos fizeram festinhas com os indefectíveis salgados e refrigerantes (vão continuar passando o resto do ano enchendo a paciência do professor), algumas escolas vão passear com seus professores ou oferecem jantares ou almoços para comemorar o dia (igualzinho enganar criança) e na TV o ministro da educação veio parabenizar, em rede nacional, aqueles que ele não valoriza. A partir da segunda-feira, dia 16, tudo voltou ao normal: professores mal formados, salas lotadas, excesso de aulas e escolas mal equipadas. O Dia do professor é um faz-de-conta, um conto de fadas que dura 24 horas.  
Podem achar que sou um sujeito amargo. E sou mesmo! O que há para comemorar nesse dia? A falta de reconhecimento, a não valorização, a baixa remuneração, o descaso. Os discursos que ouvimos de que “educação é essencial”, que “o professor é a profissão mais importante” é pura balela. Ninguém dá a mínima para a educação. E não estou falando apenas do governo. Estou falando de TODOS. Muitas vezes até o próprio professor não valoriza a profissão. Em que país sério metade dos alunos de pedagogia, mais precisamente 52,4%, estão fazendo o curso à distância, segundo a IDados, empresa especialista em dados de educação?
Para dá um exemplo do quanto não valorizamos a profissão de professor, façamos três perguntas: existe curso de Medicina a distância? Existe curso de Direito a distância? Existe curso de Engenharia a distância? A resposta para as três perguntas é uma só: NÂO. Por uma simples razão: essas três profissões (médico, advogado e engenheiro) são verdadeiramente respeitadas no país.
Continuo a fazer perguntas: você já viu médico advogando? Ou engenheiro clinicando? Ou até mesmo advogados e médicos projetando prédios ou automóveis? As repostas continuam sendo não. Mas com toda certeza você já viu médico, advogado e engenheiro dando aulas.   
Não é a toa que 49% dos alunos que iniciam pedagogia ou outra licenciatura desistem do curso, segundo o movimento Todos Pela Educação. Também não é a toa que o número de matrículas trancadas nesses cursos aumentou 36% nos últimos cinco anos, de acordo com o Inep. Mas a sociedade brasileira prefere “valorizar” o professor chamando-o de “herói”, e que ser professor é uma “missão”, um verdadeiro “sacerdócio”. Professor não é herói, missionário ou sacerdote. Professor é um profissional como outro qualquer (ou pelo menos deveria ser) que espera ser valorizado financeiramente e socialmente como qualquer outro profissional.
Quem sabe transformando todos os dias em dia do professor a realidade torne-se um pouco melhor para os profissionais da educação. Mesmo assim, o professor não tem motivos para sentir vergonha da sua profissão por que, nos países civilizados, ele seria levado a sério.

domingo, 8 de outubro de 2017

Paulo Sérgio: o rei que não vingou

Creio que todos nós já tivemos aquela sensação de déjà vu (do francês, “já visto”). Para quem não sabe é aquela sensação de que já esteve naquele lugar, já viu aquela pessoa ou já viveu aquela situação. Eu vivo isso todas as vezes que escuto duas músicas do cantor Paulo Sérgio (1944-1980), A última canção e Quero ver você feliz. É escuta-las e me lembrar das paisagens áridas do Cariri Paraibano, região onde meu pai nasceu, mas não me pergunte qual a relação entre uma coisa e outra que eu não saberia explicar.
Outra imagem recorrente ao ouvir essas músicas é a sala da casa dos meus pais antes de uma reforma que deu origem a uma garagem. Sempre me vejo com minha mãe vendo meus irmãos indo para a escola. Como sou o irmão mais novo, ainda não frequentava a escola. Mas eu não posso afirmar que isso realmente tenha acontecido. Pelo menos não lembro que tenha acontecido de fato. Por fim, as músicas me lembram de um programa que existia na rádio chamado ”Postal sonoro”, em que as pessoas pediam músicas e dedicavam á alguém que estava partindo para outra cidade ou para alguém que estava ficando.
Paulo Sérgio de Macedo nasceu no Espírito Santo e iniciou sua carreira em 1968, lançando um compacto com a música A última canção (a mesma que me causa o déjà vu), vendendo 60 mil cópias em apenas três semanas.  Tornou-se um grande sucesso e, de imediato, foi comparado com uma jovem estrela em ascensão três anos mais velho e com mais tempo de carreira, Roberto Carlos, então um ídolo da juventude. Ambos eram jovens, bonitos e tinham o mesmo timbre de voz. Não demorou para que os críticos dissessem que ele não passava de  um simples imitador do futuro rei. Isso o perseguiu por toda a sua curta carreira. Segundo alguns jornalistas que acompanhavam o mundo das celebridades da época, qualquer tipo de comparação com Roberto Carlos o deixava extremamente irritado.  
Em público sempre deixou bem claro que era fã de Roberto Carlos e que a semelhança no timbre de voz era mera coincidência. Os dois cantores galãs chegaram, inclusive, a dividir o mesmo palco num programa de Silvio Santos. Mas a imprensa da época afirma que o episódio que o teria levado à morte também tem, indiretamente, relação com a comparação que se fazia entre ambos. Na tarde do dia 27 de julho, um domingo, Paulo Sérgio fez uma apresentação no “Programa do Bolinha” e na saída houve um incidente com uma fã, que o teria agredido verbalmente e fisicamente, inclusive afirmando que Roberto Carlos era melhor que ele. Alguns afirmam que ele já chegou à TV Bandeirantes com muita dor de cabeça, estado agravado pela confusão.
No mesmo dia, à noite, depois de não conseguir terminar o show que estava fazendo em Itapecerica da Serra, Paulo Sérgio foi levado ao Hospital São Paulo, onde já chegou em coma. Morreria dois dias depois, aos 36 anos, vítima de um derrame cerebral.  Durante sua curta carreira, que duraria 13 anos, Paulo Sérgio vendeu mais de 10 milhões de cópias. 

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Porto Velho: 103 anos

O município de Porto Velho completa hoje 103 anos. No entanto, a data de 02 de outubro de 1914 marca apenas a criação oficial do município, que foi fundado, na realidade, em 1907 pela Madeira Mamoré Railway Company (M.M.R.C.), empresa responsável pela terceira tentativa de construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, pertencente ao magnata norte-americano Percival Farcquar. A origem está associada à vila de Santo Antônio do Rio Madeira, pertencente à província do Mato Grosso, situada 7 quilômetros do centro da cidade de Porto Velho, que foi, durante todo o primeiro ciclo da borracha (1879-1912), o porto por onde era escoada a produção de borracha vinda da Bolívia e que se destinava aos mercados dos Estados Unidos e da Europa.
A história da pequena vila construída pela M.M.R.C para abrigar seus funcionários, e que daria origem á cidade de Porto Velho, é contada de forma magistral pelo professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) Dante Ribeiro da Fonseca em Uma cidade à far-west: tradição e modernidade na origem de Porto Velho, escrito com base nos relatos de viajantes que passaram pela vila, entre eles o sanitarista Osvaldo Cruz. O artigo está no livro Estudos da História da Amazônia (Volume I) e abrange o período de 1907 a 1914, ou seja, da construção da vila pela Companhia até a criação oficial do município. Um texto tão bem escrito que o leitor se sente na Porto Velho da época.
Segundo professor Dante, quando a M.M.R.C. chega na Vila de Santo Antônio encontra um cenário pouco convidativo para quem pensava em construir um ambiente de acordo com a “legítima tradição segregacionista anglo-saxônica”, um asséptico estabelecimento industrial. A vila de Santo Antônio era um pequeno aglomerado de pessoas (não mais do que 300 pessoas, a maioria indígenas bolivianos que vivia da carga e descarga dos navios que atracavam no pequeno porto da vila), sem esgoto, água canalizada ou iluminação, com casas de alvenaria ou taperas de bambu cobertas com palha, além dos estabelecimentos comerciais voltados ao lazer dos viajantes: mulher, jogo e bebida.
Alegando insalubridade da vila e problemas com o porto (pode colocar na conta também a presença de bares e prostíbulos), a M.M.R.C. decide iniciar o empreendimento em outro ponto, 7 quilômetros rio abaixo, onde hoje é a praça da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Para isso, construiu uma vila para seus funcionários, com abastecimento de água, luz e esgoto sanitário. A pequena vila era dotada até de hospital, um “luxo” que os moradores da Vila de Santo Antônio nem sonhavam. Mas era imposto aos moradores um rígido controle social, com a proibição de bebidas alcoólicas e a prostituição e um corpo policial próprio controlava a entrada de embarcações no porto. Só entrava na vila quem tinha autorização da companhia. Além do controle sobre o porto, foi erguida uma cerca na Avenida Divisória (onde hoje é a Avenida Presidente Dutra) para evitar a entrada de quem não era funcionário da M.M.R.C.
Os moradores da pequena Vila de Santo Antônio do Rio Madeira, vendo o povoado cheio de gringos (e dólares) surgir a apenas 7 quilômetros de distância, não hesitaram em erigir suas casas e seus comércios do outro lado da cerca,  dando origem à duas Porto Velho: uma organizada e planejada, com casas teladas, espaçosas e arejadas; outra insalubre e desorganizada, com casas de alvenaria ou adobe cobertas com zinco ou palha. Essa era a realidade de Porto velho no dia 02 de outubro de 1914, quando foi criado o município através da Lei nº 757 sancionada pelo governador do Amazonas Jonatas Pedrosa. Em dezembro do mesmo ano chega à Porto Velho seu primeiro superintendente (prefeito), o major do exército Fernando Guapindaia de Souza, que que irá administrar uma cidade dividida ao meio por uma cerca. Essa divisão permaneceu até 1931, com a nacionalização da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e a nomeação, pelo presidente Getúlio Vargas, do primeiro diretor brasileiro da companhia, o tenente Aluízio Ferreira.