domingo, 28 de junho de 2015

Mendigo letrado

Se o filho ou filha de algum conhecido diz que quer ingressar na carreira do magistério, seja por vocação ou por falta de opção, o meu conselho é que seja qualquer coisa, qualquer coisa mesmo. Pipoqueiro, peixeiro, feirante, camelô, motorista de ônibus, caminhão e afins, catador de papel, obreiro em igreja evangélica, segurança de boate, garçom de puteiro ou garçonete em restaurante de quinta, adepta de fornicações comerciais (puta mesmo!), frentista de posto de gasolina, lavador de carros, borracheiro, até mesmo vendedor de enciclopédias. Em qualquer ocupação profissional no Brasil o sujeito corre o risco de ganhar mais do que um professor, aquele palhaço que fica na frente de supostos aprendizes, fazendo de conta que ensina em troca de algo que chamam de pagamento que, no entanto, se assemelha mais a uma esmola.
Mesmo que não ganhe mais, mas não estará sujeito ao rol de abusos a que um professor está sujeito, tendo que aguentar insolência de aluno, má vontade de familiares de alunos e indiferença do resto da população, que prefere relinchar discursos de “coitadismos” para consolar a massa ignara que se frustra dentro das salas de aula a tentar resolver o problema da educação nesse buraco chamado Brasil. Enquanto isso, o professor assume sua posição de coitado, muito cômodo para quem não quer trabalhar e ser cobrado. “Ganho mal, trabalho mal e não sou cobrado por que ganho mal”, essa é a lógica perversa que norteia a relação entre a sociedade e o professor.
Sem contar que com a esmola no contracheque, a profissão só atrai aqueles que não têm outra opção a não ser a sala de aula. Profissionais que não conseguiram fazer mais nada, não conseguiram passar em nenhum concurso, restou-lhe a lida com crianças e jovens que não conseguem aprender a mais elementar das lições, seja por incompetência própria ou do professor.
Todos esses relinchos não são por acaso. Levantamentos recentes, feitas pelo G1,  mostram que o professor ganha, em média, 57% do salário de outros profissionais com nível superior. Ou seja, são necessários, no mínimo, dois professores pra cada engenheiro, médico, enfermeiro ou advogado. Como consequência, apenas 2% dos jovens que estão no ensino médio querem seguir a carreira de magistério, segundo pesquisa da fundação Carlos Chagas. Outra consequência é a carência de profissionais nas salas de aula: estima-se que haja um déficit de 300 a 400 mil professores no Brasil. Não está fácil ser um mendigo letrado no Brasil...


terça-feira, 9 de junho de 2015

Deus, a Cannabis espiritualis

Tudo começou com a Campanha do Dia dos Namorados do Boticário, que mostra casais heterossexuais e homossexuais trocando presente. Logo veio a histeria gospel! Protestos e ameaças de boicote aos produtos da marca estouraram nas redes sociais. Teve gente até que recorreu ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitário) para reclamar que a propaganda é “desrespeitosa à sociedade e à família”.
Outros recorreram ao Reclame Aqui, site de reclamações de atendimento online. Um desses reclamantes disse que "O Boticário perdeu a noção da realidade, empurrando essa propaganda que desrespeita a família brasileira. Não tenho preconceito (não?!) mas (o problema é a maldita conjunção adversativa) acho que a propaganda é inapropriada para a TV aberta, a partir de hoje não compro mais nem um só sabonete lá e eu era cliente". Imagine se tivesse preconceito o que não faria...
Mas vamos tentar desvendar o que poderia ser isso o que nossos caros cidadãos desprovidos de preconceitos chamam de “família brasileira”. Talvez fosse um homem e uma mulher que casam, colocam duas ou mais crianças no mundo, se desinteressam daquele sexo insípido que vinham fazendo uma vez por mês, aí ela arruma um e ele arruma uma. Mais tarde, eles pegam os “frutos do amor” e despejam naquele depósito que comumente chamamos de escola, na vã esperança de que o tal depósito faça o que eles nunca fizeram: educar os “frutos da família tradicional brasileira”. Como consequência, temos isso que chamamos de “sociedade brasileira”, um aglomerado de seres intelectualmente pouco dotados.
Depois do episódio da propaganda do Boticário, veio a Parada Gay, em São Paulo, em que uma transexual desfilou “crucificada” para protestar contra a homofobia. Não necessário dizer que ela foi xingada na web e o pastor metrossexual Marco Feliciano não deixou passar a oportunidade de, mais uma vez, atacar o movimento LGBT e fazer uma autopromoçãozinha básica. Ninguém se preocupa com o fato de que a cada 27 horas um homossexual foi assassinado ou cometeu suicídio no Brasil em 2014, segundo o Grupo Gay da Bahia, mas se sentem ofendidos quando alguém usa uma imagem supostamente “sagrada” para fazer um protesto contra essa violência.
É notório que a crença em um suposto deus ou equivalente não é salutar para sociedades que almejam um mínimo de crescimento intelectual e cientifico.  Crer numa divindade é cômodo e necessário para aqueles indivíduos desprovidos de recursos intelectuais, que temem viver por sua conta e risco e precisam da “tutela” de um ser imaginário. Por outro lado, é cômodo também para quem quer tirar proveito dos incautos e usar o “temor” a esse mesmo ser em benefício próprio.
Por isso que, para aqueles que realmente sentem a necessidade de frequentar uma igreja, sugiro a 1ª Igreja da Maconha, fundada em março último em Indiana, nos EUA, que tem como preceitos básicos o amor, a compaixão e a ajuda ao próximo. O primeiro dos 12 mandamentos da Igreja resume com precisão o que as outras igrejas deveria fazer: “Não seja um idiota. Trate todos igualmente e com amor.”
Que deus e a maconha são drogas igualmente prejudiciais ao ser humano, não duvido. Aquela afeta a capacidade de discernimento; essa ataca pulmões, coração e cérebro. Aquela, não só legal, mas protegida por lei; essa, vivendo num limbo legal, onde não é crime consumi-la, mas não está liberada. Em resumo, duas drogas que a humanidade viveria muito bem sem elas.
Cristãos e maconheiros se intoxicam com suas drogas. Porém, de qualquer forma, os maconheiros deixam um recadinho bem mais positivo para Felicianos e Malafaias...

quarta-feira, 3 de junho de 2015

O pior dos demônios é a burrice



Que a educação pública brasileira está falida isso não é segredo para ninguém. Que o aluno brasileiro tem uma capacidade intelectual sofrível, isso até as almas do além já perceberam. Que o desempenho acadêmico do professor brasileiro é risível, até os péssimos livros didáticos sabem. Que o ambiente escolar não é o lugar mais propício ao desenvolvimento de atividades intelectuais (ao contrário: é um ambiente que “emburrece”), isso até quem lá frequenta já notou. Mas agora chegamos ao fundo do poço, pelo menos até que algo pior aconteça, o que não muito difícil quando se trata de educação brasileira.
É “moda” entre adolescentes das escolas brasileiras uma brincadeira chamada de “Charlie Charlie”, que consiste em colocar duas canetas cruzadas e escrever as palavras “sim” e “não” nos quadrados formados por elas. Quando a pessoa “invocar” o espírito, chamando-o de “Charlie Charlie”, se a caneta se movimentar para a palavra “sim”, o dito está presente. Se a caneta se movimentar para a palavra “não”, obviamente o fantasma está para as bandas do além. É uma brincadeira estúpida, mas mais estúpida é a reação de adolescentes que participam da brincadeira.
Brasil afora, foram registradas as mais variadas reações: gente estrebuchando, incorporando, gritando, correndo, desmaiando, vomitando, brigando. Reações insanas! Mas é perfeitamente compreensível, já que adolescente consegue conciliar uma criatividade ilimitada com uma estupidez sem tamanho. Mas a estupidez que não se aceita, a burrice desmedida que é intolerável, é a forma como os adultos tem encarado essa bizarrice. Há escolas que estão chamando pastores para exorcizar os “incorporados”; em outras escolas, faz-se correntes de oração para espantar o “tinhoso”; é comum ver professores (?) e diretores manifestando temor diante da “presença” de tão incomum força sobrenatural.
E tudo isso num ambiente onde deveria predominar o conhecimento e não a superstição, a razão e não o misticismo, a ciência e não a ignorância. Mas vamos manter a tranquilidade! A escola ultimamente tem sido um ambiente tão tenso, carregado e obscuro, que nem o capeta se anima em frequentá-la.