quarta-feira, 31 de agosto de 2016

A dama da internet – Neville d’Almeida

“O movimento repetitivo dos passos da valsa – para um lado e para o outro – remetia Marcos a futuro monótono e previsível”.
Tem livros que vendem uma imagem para o leitor, mas entrega outra coisa. A dama da internet, do cineasta e escritor mineiro Neville d’Almeida é um desses livros. Logo no prefácio, assinado pelo empresário e jornalista Ricardo Amaral, a obra chega a ser comparada ao conto de Nelson Rodrigues A dama da lotação. Diante de tal comparação me empolguei, afinal Nelson Rodrigues para mim é uma lenda. Aí é que me senti logrado. Comparar Nelson e seu conto, publicado numa coluna que o dramaturgo tinha no jornal A Última Hora entre 1951e 1961, com o livro de Neville é, no mínimo, uma heresia. Talvez tal comparação se deva ao fato do cineasta mineiro ter feito a adaptação para o cinema do conto de Nelson Rodrigues. E qualquer comparação para por aí.
“Enquanto os homens de bem estão pensando em como agir, o canalha age”.
Luísa é bonita, jovem e atraente. Fora isso, a imagem que a personagem passa é de uma completa desocupada que só pensa em casar e, depois, vingar o falso príncipe (e todos os homens do planeta) que destruiu seus sonhos de um casamento perfeito. Marcos, o noivo de Luísa, é um sujeito bem sucedido cuja mãe acha que ele ainda não saiu da adolescência e que todas as mulheres do mundo querem tirá-lo de perto das suas asas. Logo na noite de núpcias o sonho de Luísa é destruído por Marcos que, embriagado, comete estupro contra ela. Os sonhos de Luísa continuam a ser destruídos quando descobre que Marcos tem uma amante. Aí começa a saga de Luísa para vingar-se de todos os homens que encontra pela rente.
“Quando o dinheiro sai pela porta, o amor pula pela janela”.

 Compará-lo às obras menos inspiradas de Nelson Rodrigues já seria um disparate. Mas a história deixa a desejar mesmo sem a comparação por que possui um enredo tolo. Quem espera um suspense com erotismo se decepcionará! O pouco erotismo que dá para ver com muito esforço e boa vontade é meio forçado. O grande mérito do livro é a capa na cor vermelha, detalhe que atrai os leitores que buscam coisas que Neville, infelizmente, se recusou a entregar nas páginas de A dama da internet. 

domingo, 28 de agosto de 2016

O pintassilgo – Donna Tartt

“Imaginar algo acontecendo com minha mãe era particularmente assustador, porque meu pai não era muito confiável”.
Lançado em 2013 nos Estados Unidos e na Europa, O pintassilgo, da americana Donna Tartt, chegou ao Brasil no ano seguinte com status de best-seller, com 1,5 milhão de exemplares vendidos somente na terra do Tio Sam e a conquista do prêmio Pulitzer de ficção. A obra atraiu opiniões extremadas e apaixonadas, tanto negativas como positivas. Num calhamaço de mais de 700 páginas, Donna Tartt elaborou uma história intrincada e prolixa, com muitos personagens e tantas idas e vindas que podemos compara-la a um conto de fadas. Porém, isso não faz de O pintassilgo um livro ruim e cansativo.
“O champanhe fazia cócegas no céu da minha boca – uma alegria distante e empoeirada, engarrafada num ano mais feliz em que minha mãe ainda estava viva”.
Theo Becker tem 13 anos e mora com a mãe, Audrey. Numa visita a um museu em Nova York mãe e filho são vítimas de um ataque terrorista que mata Audrey, mas Theo consegue escapar dos escombros levando consigo um quadro do pintor holandês Carel Fabritius, pintado 1654, intitulado “O pintassilgo”.  Sem ter para onde ir, já que tinha sido abandonado pelo pai alcoólatra, Theo vai morar na mansão da família de um amigo da escola, onde se sente deslocado e triste. Atormentado pela ausência da mãe e sentindo solitário, Theo se apega a pintura retirada do museu.
“É um mito a ideia de não se pode funcionar à base de narcóticos: injetar era uma coisa, mas pra alguém como eu (...) as pílulas eram a chave para que fosse não só competente mas altamente funcional”.
Com o aparecimento do pai, mais interessado nos lucros que a morte da ex-mulher poderia lhe trazer, Theo vai viver em Las Vegas, onde conhece Boris e com quem comete pequenos crimes e consome drogas em escala industrial. Negligenciado pelo pai trambiqueiro e pela madrasta desleixada, resta a Theo se atirar às aventuras da adolescência na companhia de Boris. Com a morte do pai, Theo foge da madrasta e retorna para Nova York, onde irá encontrar algum conforto emocional num antiquário, mas continuará atuando à margem da lei.
“Para os humanos – aprisionados na biologia – não havia misericórdia: vivemos por um tempo, fazemos um pouquinho de cena e morremos, apodrecemos no chão como lixo”.
Inicialmente, a narrativa é bastante arrastada. Mas superada essa etapa, a leitura assume contornos mais fluidos e vontade de descobrir qual será o destino de Theo prende o leitor. É um livro que deve ser lido com respeito, apesar das escorregadelas da autora. Como disse Stephen King, o livro é uma raridade que aparece meia dúzia de vezes por décadas. Não sou eu que vou questionar...  

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Só por hoje e para sempre: diário de um recomeço – Renato Russo

“Eu me adoro, eu não gosto é do mundo”.
O apetite dos fãs da banda Legião Urbana é insaciável. Qualquer coisa que se publique sobre a banda ou sobre qualquer um dos seus ex-integrantes vai vender. Por mais que se pense que todos os assuntos referentes à banda estão esgotados, sempre há algo mais a ser revelado ou um boato a ser confirmado. E quem cuida do espólio de Renato sabe disso. Seu filho, herdeiro único, anuncia já no prefácio, intitulado O homem por trás do mito, que Só por hoje e para sempre: diário de um recomeço, publicado em 2015, é apenas o primeiro de uma série de livros que reunirão diários, poemas, letras, obras de ficção e desenhos deixados pelo ex-líder da Legião Urbana.
“O mundo lá fora me causa um misto de medo e indiferença (se isso é possível)”.
Não que não seja importante saber pelo próprio Renato das suas angústias, de detalhes da sua vida pessoal, de momentos importantes durante as turnês da banda, da sua relação com seu filho, Giuliano. Indiscutivelmente, tudo isso é importante para quem é fã. Mas percebe-se certa voracidade de todos aqueles que se envolveram, direta ou indiretamente, na carreira da Legião Urbana em tirar algum proveito dessa vivência. Por isso, fãs da legião Urbana, preparem-se, pois muita coisa ainda irá sair sobre a Legião e, principalmente, sobre Renato Russo.
“Raramente beleza vem acompanhada de inteligência e charme”.
O diário de um recomeço começa quando Renato toma a decisão de se livrar do vício em álcool, maconha, heroína e cocaína. Estamos no ano de 1993 e a internação na Vila Serena dura 29 dias entre os meses de abril e maio. O tratamento envolvia várias dinâmicas e escrever sobre si mesmo e sobre o tratamento estava entre elas. O que se vê nos diários é uma pessoa só, angustiada e desorientada, que possuía uma descrença generalizada no mundo e nas pessoas, descambando para a autodestruição.
“O maior conflito que vivia na ativa era o de só me sentir bem comigo mesmo quando alcoolizado ou drogado. (...) Achava o mundo cruel e sem sentido, e as pessoas estúpidas ignorantes, falsas e más”.
Mas a sua genialidade aparece até nesses momentos tortuosos. As marcas desses dias de confinamento podem ser vistas no CD da banda lançado no final daquele ano, O descobrimento do Brasil. Na canção Vinte nove, cujo título se refere à quantidade de dias que ele ficou confinado na clínica, Renato coloca o sintético verso “decidi começar a viver”. O fato é que, independente dos interesses por trás dos lançamento de livros sobre a Legião e sobre Renato, o fato é que fã não quer saber disso e eu sou fã! Por isso, a leitura do livro foi um deleite para mim.  

domingo, 21 de agosto de 2016

Apartamento 41 – Nelson Luiz de Carvalho

"Certo de que havia um desvio moral em meu caráter, passei da infância à adolescência aprendendo a mentir, como na vez em que comecei a namorar Berta só para ficar próximo do irmão dela, meu querido Dori."
Podemos afirmar com segurança que o escritor Nelson Luiz de Carvalho amadureceu muito a sua narrativa no intervalo de sete anos que separa O terceiro travesseiro, seu primeiro romance, e Apartamento 41, publicado em 2007. No seu segundo romance, o principal personagem da trama deixa de ser jovens descobrindo a sexualidade e passa a ser um homem maduro que reprimiu por anos a sua verdadeira identidade sexual em nome da família.
“Envolvido demais nesse admirável mundo novo, já não consigo só me masturbar pensando em alguém; tenho de me realizar nesse universo de corpos em que beijos e olhares insinuantes predispõe um inusitado balé de falos”.
Leonardo trabalha numa editora de revistas, casado há mais de uma década e pai de uma criança de cinco anos.  O cidadão modelo para os padrões tradicionais se não fosse por um detalhe: Leonardo é homossexual e sente o vazio de quem não suporta mais levar uma vida dupla, fazendo papel de pai e marido por um lado e, por outro, buscando prazeres com homens em lugares obscuros e marginais.
“Não quero que o futuro me seja indiferente, por eu interpretar com a máscara da obediência meus verdadeiros sentimentos”.
As dificuldades para quem está numa situação semelhante à de Leonardo não são poucas. A primeira delas é contar para a esposa e enfrentar a sua frustração por se sentir enganada em seus sentimentos. Decidido a assumir a sua verdadeira personalidade, Leonardo se depara com outros dilemas: como encontrar novos parceiros? Que lugares frequentar? Vencida mais uma etapa, vem a exposição e Leonardo, antes o queridinho do patrão conservador, perde o emprego depois que esse descobre a sua condição sexual. As provações não para por aí: Leonardo sofre com a falta de compromisso de vários parceiros e com as desilusões com o gueto homossexual.    
“Acostumado ao cabresto social, nunca sei se estou mais próximo de Deus ou do Diabo”.
E Nelson consegue retratar todo esse drama com maturidade entremeado de momentos quentes e eróticos (e bastante interessantes...)

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O terceiro travesseiro – Nelson Luís de Carvalho



“Por que um sentimento tão verdadeiro podia incomodar tanto os outros?”
Livro de estreia do escritor Nelson Luís de Carvalho, empresário nascido e criado em São Paulo, publicado pela primeira vez em 2000, O terceiro travesseiro é uma obra cultuada principalmente no universo homossexual. Sinceramente não vejo motivos para tanto. É um livro, no máximo, “bonzinho”. Nelson é ainda o autor de Apartamento 41, publicado em 2007, livro com a mesma temática, sobre o qual falarei no próximo post.
“Deus teria que ser insensível para me condenar ao inferno”.
Marcus e Renato são dois jovens que estudam na mesma escola e se apaixonam um pelo outro. Era de se esperar que os dois enfrentassem aquela reação negativa típica da classe média quando descobrem que seus filhos “bem criados” não saíram ao que os seus zelosos pais esperavam. Não é o que acontece. Fora uns “chiliques” aqui ou acolá, até que as famílias assimilaram bem a notícia. O ponto central da trama, na verdade, é a chegada de Beatriz, ex-namorada de Renato, no romance dos dois jovens, provocando ciúmes a princípio, mas depois fazendo o “terceiro travesseiro” do título.
“O próprio ser humano constrói o seu inferno”.
Mas por que acho que O terceiro travesseiro é apenas um livro “bonzinho”? O autor, que tinha um tema bem interessante nas mãos, podendo focar na construção dos personagens e no relacionamento dos namorados, se atém a descrever as cenas de sexo entre os dois (algumas bem interessantes, vá lá!). O problema é que a proposta do autor não era escrever um livro erótico, mas uma história de amor entre duas pessoas que estão dispostas a enfrentar todas as barreiras em nome dessa relação. O resultado é uma narrativa imatura e pueril, com aquele ritmo de novela em que tudo acontece no último capítulo.        

domingo, 14 de agosto de 2016

Bom crioulo – Adolfo Caminha



”Como é que se compreendia o amor, o desejo da posse animal entre duas pessoas do mesmo sexo, entre dois homens?”
Quando foi publicado, em 1895, Bom crioulo, do escritor cearense Adolfo Caminha causou polêmica, pois trazia como personagem principal Amaro, um ex-escravo homossexual que se torna marinheiro. Essa obra pode ser considerada a primeira obra com temática gay da literatura brasileira. De físico avantajado, bom trabalhador e obediente (daí o apelido “Bom crioulo”), Amaro se transforma quando bebe, tornando-se agressivo.
“E consumou-se o delito contra a natureza”.
Aleixo, um grumete loiro (marinheiro de posição inferior), ainda imberbe, de apenas 15 anos, chega para servir na mesma corveta em que Amaro trabalha, mexendo com o coração do ex-escravo. Ingênuo e ligeiramente afeminado, o jovem grumete termina se tornando amante de Amaro, que o leva para morar num quartinho na pensão de D. Carolina, amiga do Bom Crioulo. Em um dos longos períodos em que Amaro fica embarcado, D. Carolina seduz o jovem Aleixo, despertando a fúria do amante traído.
“Agora compreendia que só no homem, no próprio homem, ele podia encontrar aquilo que debalde procurara nas mulheres”.
Pertencente à escola literária do Naturalismo, que destaca os ambientes sujos e sórdidos (numa clara contraposição ao Romantismo, em que tudo era perfeito e ideal) e defende a teoria do determinismo, onde a personalidade do ser humano é definida pelo meio em que ele vive, não havendo livre arbítrio, Bom crioulo foi um livro de conteúdo explosivo para a época por retratar não apenas um romance entre dois homens (o que, por si, já seria um escândalo), mas por trazer a história de um amor inter-racial, o negro Amaro e o loiro Aleixo.