quarta-feira, 30 de março de 2016

O perfume – Patrick Süskind

A vida de Jean-Baptiste Grenouille é difícil desde o nascimento, quando vem ao mundo em meio a entranhas e ao fedor de peixe morto. Rejeitado pela mãe, tinha o dom de atrair a repulsa de todos que colocavam os olhos sobre ele, ou o nariz, já que, por ter nascido sem cheiro, todos diziam que era a encarnação do demônio. A história se passa na mal cheirosa e supersticiosa Paris do século XVIII, onde Jean-Baptiste passa por vários orfanatos ou é criado por várias amas de leite sem, no entanto, atrair a afeição de ninguém.
Além da ausência de cheiro, Jean-Baptiste tinha outra peculiaridade: possuía o melhor nariz do mundo, conseguindo identificar e armazenar todos os tipos de fragrâncias, tanto as boas como as ruins. O nariz dele era tão sensível que era capaz de caminhar pela cidade de olhos fechados, sendo guiado pelo nariz. Com tanto talento olfativo, vai trabalhar para o decadente perfumista Baldini. Com a ajuda do poderoso olfato de Jean-Baptiste, o perfumista refaz sua fortuna. Com a ambição de desenvolver o melhor perfume do mundo que seria extraído das mais belas mulheres, o jovem começa a cometer uma série de assassinatos.
Publicado em 1985 pelo alemão Patrick Süskind, até então um escritor desconhecido, O perfume foi logo considerado um dos romances mais importantes da década, sendo traduzido para 42 idiomas e em 2006 foi adaptado para o cinema. Com uma reconstituição histórica perfeita dos ambientes e dos odores da Paris oitocentista, Süskind faz o com que o leitor não apenas se ache na França do século XVIII, mas tenha a sensação de sentir os cheiros, bons e ruins, mencionados.

domingo, 27 de março de 2016

A senhorita Simpson – Sérgio Sant’Anna

Publicado originalmente em 1989, A senhorita Simpson é o 11º livro do escritor carioca Sérgio Sant’Anna. Coletânea de seis contos e a novela que dá título à obra, esse livro confirma a principal característica do autor: a narrativa curta, apesar de ter na carreira quatro romances e uma peça de teatro. Outra característica de Sérgio Sant’Anna se sobressai, principalmente na novela A senhorita Simpson: a sua incansável obstinação em menosprezar as formas romanescas, a exemplo de Simulacros, romance de 1977 sobre o qual falei no post anterior.
Na novela A senhorita Simpson o assunto é o choque de valores entre a protagonista, a professora de um curso de inglês; e seus alunos, profissionais, na maioria das vezes, mal sucedidos tanto em casa como no trabalho. O narrador é Pedro, funcionário do Tribunal de justiça que é expulso de casa quando a esposa descobriu seu caso com a empregada Lucélia. Pensando em ir morar com Lucélia, es decepciona ao descobrir que ela tem um namorado e que fazia com ele apenas sexo casual.
Ao matricular-se no curso de inglês, conhece a senhorita Simpson, professorinha sobrevivente de Woodstock, na casa dos 40 anos e costuma ter envolvimentos ocasionais com seus alunos. Por um arranjo dos colegas de curso, Pedro se envolve com a professora. No entanto, a frieza dela no dia seguinte faz com que Pedro passe a encarar as relações amorosas de forma diferente. Daí em diante, Pedro se envolve com várias mulheres, inclusive a esposa de seu pai, até voltar para o casamento, onde descobre que sua esposa tem um envolvimento com a nova empregada, Ana.
O envolvimento de Pedro com cada mulher representa uma mudança de percepção da vida, até voltar para o casamento e encara-lo de outra forma. 

quarta-feira, 23 de março de 2016

Simulacros – Sérgio Sant’Anna

“O pior é que se a gente não consegue o que quer, continua querendo para sempre. Então, para se deixar de querer, é preciso obter. É preciso conseguir as coisas para saber que elas nada valem”.
O doutor Philip Harold Davis, o PhD, é um “cientista do comportamento” que “notabilizou-se internacionalmente por seus estudos visando resolver os problemas da fome mundial através do canibalismo”, resolveu recrutar quatro cobaias para os seus “experimentos”: o Jovem Promissor, um aspirante a escritor que narra toda a história; Vedetinha, bela jovem, mas de intelecto limitado, por quem Jovem Promissor se apaixona desde as primeiras páginas; Prima-Dona, misteriosa senhora de meia idade; e Velho Canastrão, funcionário público aposentado e alcoólatra.      
“A fantasia é sempre mais excitante que a realidade”.
O livro começa com uma das “experiências” de PhD que consiste em fazer Jovem Promissor, vestido de padre, caminhar por regiões movimentadas da cidade de mãos dadas com Vedetinha, vestida com roupas insinuantes.  O poder que PhD exerce sobre seus recrutados não tem limites, chegando ao ponto de exigir ser tratado por “Deus” e que todos fizessem seus pedidos que seriam aceitos. Tanto poder termina se voltando contra ele próprio.
“A ideia de Deus parece-me uma bolha de sabão”.
Publicado em 1977, Simulacros é o quarto livro do carioca Sérgio Sant’Anna, onde ele evidencia sua intenção nada modesta de “destruir as formas romanescas”.  E de fato, Simulacro é o romance antirromântico, onde os personagens se destroem uns aos outros ao mesmo tempo em que demonstram uma natureza autodestrutiva. Fantástica a narrativa em que PhD se autoproclama “Deus” e tem sua autoridade “divina” contestada por Prima-Dona.
  

domingo, 20 de março de 2016

Sangue quente: contos com alguma raiva – Cláudia Tajes

Nono livro da Gaúcha Cláudia Tajes, publicado em 2013, Sangue quente contém 22 contos curtos divididos em duas partes: Raiva do mundo e Raiva específica: TPM. Como é de praxe em suas histórias, Cláudia mostra o quanto há de grave e sério nas coisas engraçadas. Ou seria o contrário: graça nas coisas graves e sérias? Tanto faz! Quem ler vai rir do mesmo jeito.  Do fim de relacionamentos à problemas de família, da qualidade (ruim) do serviço de uma empresa telefônica às dificuldades de gerenciar um negócio, Claudia Tajes passeia sobre vários temas com a hilaridade que lhe é peculiar.
Chamo a atenção para o conto Marido, na segunda parte do livro. O sujeito chega do trabalho reclamando de tudo. Nada que a esposa professora (“40 horas semanais, vida ganha, que inveja dessa moleza”) faça o deixa satisfeito. Depois de muita reclamação, um suspiro da mulher e leva-o ao desabafo: “ Mas que azedume, hein? Quando é que termina essa TPM?”. Ainda na segunda parte, em Sem amor em tempos de cólera, Cláudia nos mostra as agruras de uma solteira numa sociedade onde todos tem que ter um par.
Na primeira parte, logo no primeiro conto, Cláudia aborda a solidão feminina em Cyberlove, desembocando numa sala de bate papo virtual onde um sujeito escreve “lejítimo”, com J. mas servia mesmo assim. O conto Tendências para a cama fala sobre os namorados de Alice: o sensível, o feminista, o metrossexual. Leiam... e riam muito.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Só as mulheres e as baratas sobreviverão – Cláudia Tajes

A maioria das mulheres se identificará com Dulce, a personagem de Só as mulheres e as baratas sobreviverão, pequena novela de Cláudia Tajes, publicada em 2010. Ou melhor, se identificará com a fobia de Dulce: as baratas. Dulce é a personagem clássica da escritora gaúcha: na casa dos trinta, ainda solteira, vivendo de romances esporádicos e com uma visão pessimista/irônica dos homens e da vida. E com um medo avassalador de baratas.
“Até bem pouco tempo, as mulheres queriam ser médicas, professoras, arquitetas. Hoje elas querem posar nuas, é uma verdadeira vocação”.
Num sábado à noite qualquer, Dulce está se arrumando para sair com um sujeito que, quem sabe, venha a ser a sua cara metade pelo resto dos seus dias. Ao tentar alcançar no closet aquele vestido preto que “foi comprado no sistema rotativo, juro em cima de juro, e é uma das razões de eu nunca conseguir quitar a fatura do cartão de crédito”, ela se depara com uma barata bem cima da valiosa vestimenta. Estática, mas assombrosa! É o início do fim de um relacionamento que nem tinha começado com aquele sujeito que, quem sabe, viria a se tornar a sua cara metade pelo resto dos seus dias.
“Como se chama aquele pedaço insensível que fica na base do pênis? Homem”.
Trancada a porta do closet, Dulce, apenas enrolada numa toalha, passa a recorrer a todos que pudesse ajuda-la, da diarista a analista, passando por colegas que há anos não via e pelo pretendente que possivelmente a esperava no restaurante onde tinham combinado de se encontrar. Com uma escrita leve, fluida e muito engraçada, a história voa. É um livro para as horas de tédio, para quando o leitor tiver de ressaca de uma literatura mais densa. Para passar o tempo não há livro melhor.
“Por que os homens sempre dão nome ao seu pau? Porque não gostam que um estranho tome noventa por cento das decisões por eles”.