segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Um pedófilo no paraíso


Inocêncio é filho do paradoxo. A começar pelo nome: Inocêncio nada tinha de inocente. Mas Inocêncio não habita mais esse mundo. Partiu para outro, desconhecido e inominável. Encontra-se nesse momento parado diante de um portal de madeira envernizada belíssimo, onde era possível ver muitos rostos esculpidos, todos eles com olhares serenos, tranquilizadores, transmitindo uma paz nunca antes imaginada.
Caminhou até um senhor de cabelos e barba grisalhos que Inocêncio imaginou ser o porteiro.
- Bom dia – falou Inocêncio, mais por não saber o que dizer do que por ser de manhã. Mesmo por que Inocêncio não sabia que horas eram.
Não obteve resposta, apenas uma discreta menção para que entrasse.
- Ainda bem! Melhor dizendo: graças a Deus! – pensou – sorriu por dentro. Um sorriso da alma de quem não se acha merecedor de tanta misericórdia. Um sorriso cínico, melhor dizendo. O sorriso de uma alma cínica.
Inocêncio, com seu passo trôpego, mas decidido, dirige-se a uma alameda de ruas largas, mas sem carros.
- Pra que ruas tão largas se não tem automóveis? – pensa o cínico. 
De um lado e de outro da alameda, casinhas de adobe, pintadas de branco. Parecem casinhas de bonecas. As calçadas também são largas, onde muitos pedestres caminham calmamente, parecendo ir do nada para lugar nenhum. Todos vestiam roupas brancas.
Inocêncio cruzou com vários tipos deles. O primeiro era uma senhorinha de aparência pia que andava com as mãos juntas a frente do corpo como quem reza.
- Bom dia, senhora! – cumprimenta Inocêncio. Nada de resposta.
- Bruxa mal educada! – resmunga Inocêncio.
Alguns passos adiante cruzou com uma figura esquisita, nem homem nem mulher, ou os dois. Vestia roupas justas que deixava perceber algo a mais entra as suas coxas.
- Bom dia, madame! – cumprimentou irônico. Nada de resposta. – Que povinho mal educado. Ao cruzar com um senhor com ares de lorde inglês, Inocêncio nem se deu ao trabalho de lançar lhe qualquer cumprimento.
A seguir, poucos passos adiante, uma bela jovem, morena, com um vestido justíssimo, decotado, de salto alto que fez a imaginação de Inocêncio acordar do estado de torpor em que se encontrava. 
- E aí, gostosa! – falou nosso cínico anti-herói com um sorriso debochado nos lábios – Agora tenho certeza do que já desconfiava: estou no paraíso!
Inocêncio percebeu que todos os que cruzaram por ele naquela alameda de calçadas largas andavam concentrados em algo que ele não tinha ideia do que era.
- Povo doido!
Inocêncio saiu da alameda entrou a direita numa rua mais estreita, mas calçadas igualmente largas. Os transeuntes continuavam a passar por ele. Vários tipos desinteressantes para Inocêncio e sempre vestidos de branco e em silêncio. Deve ter caminhado uns vinte metros quando se deparou com um grupo de três garotos que, ao contrário dos demais pedestres, conversavam. Baixinho, mas conversavam. O coração do anti-herói deu um salto. Não tinham mais do que treze anos.
- A impubescência cheira a âmbar. O cheiro da inocência me excita. – pensou Inocêncio.
Tentando dá um ar o mais pio possível, dirige-se aos garotos.
- Olá, queridos! Querem tomar um sorvete com o tio? Ou comprar uma balinha?
- Não, senhor. – respondeu um dos garotos – Não temos sorvete nem balinhas aqui.
- Lugar mais sem graça, né, crianças? – falou Inocêncio cinicamente.
Os garotos não pareceram ouvir esse último comentário. Simplesmente saíram andando como antes.
Inocêncio andou a esmo por algumas horas, vendo praças, jardins, novas pessoas, chafarizes, outras alamedas e ruas estreitas, tudo imaculadamente branco. Os galhos das árvores pouco se mexiam com brisa que soprava. Tudo transmitia uma paz infinita para aquela alma de pecados intermináveis. Cansado de deambular, resolveu entrar na única porta aberta que encontrou.
Era um templo apinhado de pessoas, todas de pé em oração, que participavam de uma efeméride.
- O que será isso? – perguntou-se em pensamento o inquieto pecador.
Passou a observar: a sua direita, um grupo de idosos compenetrados em suas orações; na sua frente, jovens e adultos se abraçavam e trocavam cumprimentos, ao mesmo tempo em que rezavam, em êxtase; olhou a sua esquerda e nessa hora sua alma estremeceu: um grupo de garotos, ainda imberbes, verdadeiros querubins, estava em discreta algazarra. Por alguns minutos ficou paralisado, em êxtase, mas por razões outras, a admirar o grupo.
Mas também percebeu um sujeito de aparência bizarra: apela branca da cor de cera, magérrimo e baixinho. O cabelo, outrora crespo, estava esticado, um nariz artificialmente afilado e vestia o que parecia ser um uniforme militar de opereta.  Olhava embevecido para os garotos
- Por que ele não está de branco como os outros?  Percebo o cheiro da concorrência de longe – pensou Inocêncio – sujeito esquisito! Conheço essa figura de algum lugar.   
De onde estava somente conseguia ver costas e nucas dos presentes (com exceção dos garotos e do sujeito esquisito). Resolveu dá uma volta na multidão para descobrir a razão de tanto êxtase (o seu ele sabia a razão). Empurra daqui, empurra de lá, conseguiu vislumbrar, lá na frente, um casal ladeando um chumaço de palha, acompanhado de três sujeitos barbudos e magricelas com presentes nas mãos.
- Pra quem seria? – pensou.
Tentou ver o que estava dentro daquele chumaço de palha que fazia às vezes de manjedoura. O que viu estremeceu não apenas a sua alma, mas outras partes menos confessáveis. O seu sangue quase rompeu as artérias!
De olhos esbugalhados de êxtase, que os mais desavisados poderiam interpretar como um sinal de fé, sussurrou o que via, o seu maior objeto de desejo.
- O menino Jesus! 

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