segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Ateu perante o Criador*


Acordei invocado porque me lembrara do pesadelo.
Tinha morrido e reaparecido num limbo azulado imerso em nuvens espessas. Pensei: então existe um pós-morte? Pequepê… Mas de repente a neblina se dispersou em uma região e, ali, surgiu a cara de um velhinho de barba. Gigante e severo:
— Shhhhhhhhh… sabe quem eu sou? — disse com voz retumbante e ameaçadora.
— O Deus do Velho Testamento, eu presumo. — respondi, sincero.
— SIM. E por que não acreditaste em mim?
Abri os braços:
— Ausência de evidências, Senhor, ausência de evidências…
E foi então que fiquei sabendo, diretamente da Boca Divina que, na verdade, a mudez metafísica do universo infinito nada mais é do que um teste. Um plano divino elaborado para os seres humanos, para separar o joio do trigo, para Deus poder selecionar os seus.
É tudo um estrategema para analisar o quão crédulo e estúpido pode ser o homem. Desta forma, os supersticiosos, os espíritas, os crentes, os beatos e demais almas carneiras terminam a passagem da vida reprovados, pois optaram pelo caminho diabólico do consolo, da esperança, da preguiça mental e da submissão. Já os infiéis, apóstatas, hereges, ateus —, mesmo alguns ateus que se proclamam agnósticos por falta de personalidade — esses cumpriram a vocação humana da dúvida e assim ascenderam ao estado de graça, realizando o projeto ultraterreno.
E Deus mesmo, Ele me contou, não deseja que os ímpios inaugurem uma Igreja em seu nome. Pelo contrário, tem horror a isso. Explicou-me que os espíritos livres, em geral, tendem a não obedecer a sistemas de autoridade moral, e pensam por si mesmos sobre os mistérios e desafios do universo.
— Como Eu queria que fosse! imaginar um rebanho de ateus é tão absurdo quanto tentar formar um rebanho de gatos — animais independentes e de personalidade, que não costumam ir pra onde os mandam.
E então as portas do Céu se abriram e eu entrei, franqueado por São Pedro.
·          
·          
·          
·          
·          
·          
·          
·          
·          
·          

Nenhum comentário:

Postar um comentário