segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O encontro


Antônio pertencia a uma família tradicionalíssima do interior e casara-se cedo, muito cedo, antes mesmo de acabar a adolescência. Ainda se lembrava do dia em que seu pai, seu Francisco Damásio, o chamara na sala após o almoço.
- Tá na hora de você deixar de usar essas calças curtas e virar homem. – dissera com autoridade.
- Sim senhor.
- Ainda esse ano você vai casar com a filha do Firmino. – dissera o pai sem hesitação.
Aquela notícia abalara sobremaneira Antônio, que só tivera forças para perguntar:
- Qual delas?
- A mais nova. Pode ir embora. – respondera seu Francisco, mal olhando para o filho ao dá a ordem de retirada.
Tinha-a visto quando ela tinha seis anos. Chamava-se Ângela e era quatro anos mais nova que ele. Voltou a vê-la no jantar de noivado com as duas famílias. Ela não é feia, pensou Antônio à mesa ao avistá-la. A cerimônia de casamento se dera na propriedade do pai de Antônio e reunira a maioria dos fazendeiros da região.
Passaram dez anos casados e, nesse período, tiveram dois filhos, se mudaram para a cidade, abriram um mercado de secos e molhados e tornaram-se independentes do seu Francisco.
Era uma relação tranquila, de respeito mútuo, não se tinha notícias de brigas entre ambos, nem mesmo de uma leve discussão. Ângela era daquelas mulheres que aceitava tudo o que as circunstâncias lhe ofereciam. Sobravam elogios à conduta de sua conduta:
- É uma senhora séria – diziam uns.
- Uma mulher trabalhadeira. – diziam outros.
- Uma mãe de família exemplar. – complementavam outros.
Todas admiravam a postura de Ângela, menos Antônio. 
Com a morte do velho, Antônio viu a possibilidade de libertar-se próxima. Liberdade não só para ele, mas para ela também.
Depois de um dia de trabalho, o casal estava fazendo o que sempre faziam a noite: assistindo TV enquanto não chegava a hora de colocar as crianças para dormir e irem dormir também. Antônio aproveitou para tocar no assunto:
- Ângela, sei que você não casou comigo por que quis. Eu também não! Então por que não aproveitamos que o meu pai e o seu já morreram e começamos uma vida que gostaríamos de ter tido desde o inicio?
- O que você quer dizer com isso? – Ângela mostrava fragilidade na voz. Ela sabia o que ele queria dizer com aquilo.
- Por que não nos separamos? – Antônio falou de supetão.
- E eu e as crianças? Como ficaremos? – ela demonstrava menos aflição do que uma simples dúvida.
- Quanto a você, continuamos sócios no mercado. Você terá seu dinheiro para sobreviver. Quanto às crianças, continuo pai delas, darei toda a assistência necessária.
Ângela relutara por alguns dias, mas acabara concordando com o arranjo que Antônio lhe propusera. Deram uma desculpa qualquer para as crianças, ele pegara suas roupas, alugara um pequeno apartamento e mudara-se.
Mas as desculpas dadas aos filhos não serviram para os parentes de ambos. A mãe de Ângela passou três dias de cama, com a pressão nas alturas; a mãe de Antônio disse que aquilo era coisa do capeta e encomendou um missa ao padre Borba para tirar o tinhoso da vida do filho. Para não perder a viajem, apesar de ser mulher de rígidos princípios católicos, encomendou um culto ao pastor Severiano. Se não fizesse bem, mal não faria!
Mas nada demoveu Antônio do seu propósito: o passamento da sogra, as rezas da mãe, os apelos das irmãs, os xingamentos dos irmãos. Antônio queria a sua liberdade!
A concordância de Ângela representava um sinal verde, uma verdadeira carta de alforria. Era somente começar a viver!
E ele fez isso com vontade! Passou a comprar roupas e sapatos com mais frequência e saía todas as noites com amigos ou sozinho, mas quase não bebia, apenas um copo de cerveja era suficiente para deixa-lo tonto. O seu negócio era as companhias femininas. Passou a frequentar não locais de reputação duvidosa, mas locais de reputação reconhecidamente negativa. Eram bares, boates, prostíbulos, saunas, inferninhos e tudo o que lhe proporcionasse algum tipo de prazer.
A separação também fez bem à Ângela. Passou a maquiar-se levemente, a usar roupas discretamente mais sensuais, brincos e outras joias. Antônio gostava de vê-la daquele jeito, mas não cogitava reatar o casamento.
Mas a vontade de viver de Antônio esbarrava na sua ingenuidade em relação às mulheres e o sexo.
- Quando chegou a hora de aprender algo sobre o assunto, tive que casar. O casamento não é o lugar mais adequado para aprender sobre sexo. – costumava dizer aos amigos, que o aconselhava:
- Cuidado rapaz, tem muita vigarista por aí.
- Fica tranquilo, eu me viro. – sempre respondia Antônio, com ar de felicidade.
Antônio costumava frequentar uma boate de nome sugestivo, “Potência máxima” às sextas-feiras. Sempre chegava por volta das 22 horas e ficava por ali, fazia de conta que bebericava uma cerveja, chamava alguma garota para dançar, circulava e conversava com alguns conhecidos.
Naquela sexta-feira ele percebeu que havia uma cara nova na área. Uma morena de corpo perfeito, cabelos longos, que usava uma calça justíssima, despertando sua imaginação lascivamente.
Aproximaram-se. Meu nome é Antônio! Meu nome é Angélica! Dançaram, beberam, beijaram. Voltaram a dançar, a beber e a dançar. Foram para o apartamento de Antônio e dormiram. Antônio estava embriagado!
Nos dias seguintes não se desgrudaram. Andavam de mãos dadas para todos os lados. Logo os amigos de Antônio se pronunciaram:
- Antônio toma cuidado, essa mulher não vale nada. – falava um.
- Antônio, metade da garotada das redondezas perdeu a virgindade com ela. – falava outro.
- Tanto que a chamam a boca miúda de “Angélica tira selo” – complementara um terceiro.
Todos tinham uma crítica a fazer sobre a vida de Angélica, menos Antônio.
Antônio só ouvia com a fisionomia impassível. Estava feliz!
Não que os amigos de Antônio não tivessem razão sobre a vida pregressa de angélica. Associar a sua vida sexual a animais como tradicionalmente é feito nessas ocasiões não era suficiente. Associá-la a cachorra, galinha ou piranha não diminuía o ímpeto com que todos queriam julgá-la. Se procurassem um animal para comparar com a vida sexual da amada de Antônio, esse animal seria uma mistura de quero-quero com pica-pau. Mas para Antônio nada disso estava importando. Ele estava feliz!
Angélica era inteligente, muito bonita, um corpo sinuoso e tinha aquela carinha de menina que sempre está aprontando alguma coisa de errado. E quase sempre estava!
Logo os amigos a acorreram novamente à Antônio.
- Fulano viu Angélica com um cara no bar do Miro. – dizia um.
- Sicrano viu Angélica entrando num motel com um sujeito. – alertava outro.
- Beltrano falou pra quem queria ouvir que saiu com Angélica ontem à noite. – proclamava um terceiro.
Todos tinham uma palavra negativa para falar sobre Angélica. Menos Antônio!
Antônio nada ouvia. E se ouvia não estava nem aí. Somente um sorrisinho no canto de boca denunciava que ele não estava alheio a tudo.
Ele estava feliz.
Ele era feliz.    
   

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