quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Guantânamo Boy – Anna Perera



Ele é um típico garoto britânico de quinze anos que mora num bairro de classe média, gosta de futebol e vídeo game e tem uma namoradinha na escola. O que o torna diferente, mesmo numa Europa multicultural, é o fato dele se chamar Khalid e ser muçulmano. Filho de paquistaneses, Khalid nunca pensou no país dos seus pais. Para ele, seu país é a Inglaterra e ele não se sente diferente dos demais garotos da sua idade que mora na vizinhança.
Tudo isso acaba com os atentados de 11 de setembro de 2011, quando ser muçulmano na Europa se tornou um fardo perigoso. Em uma viagem ao país dos seus pais, Khalid é preso e acusado de terrorismo em circunstâncias nebulosas. Levado para um campo de prisioneiros no Afeganistão, logo depois é transferido para a prisão de Guantânamo, em Cuba. Começa aí os dois anos de tormento de Khalid e sua busca incansável para provar sua inocência.
Passados 14 anos dos atentados que abalaram o mundo e derrubaram os símbolos do poder econômico dos Estados Unidos, a prisão de Guantânamo ainda é uma realidade e alvo de protestos de setores da sociedade americana. Em Guantânamo boy, quarto romance da escritora britânica Anna Perera, o assunto é tratado com crueza, relatando as privações de sono, as torturas psicológicas, o isolamento e os espancamentos a quem submetidos os presos em Guantânamo.  

domingo, 4 de outubro de 2015

A galinha degolada e outros contos – Horácio Quiroga

Se há algo para o qual o ser humano se sente arrastado com cruel fruição, este algo é terminar de humilhar alguém depois de já ter começado. ( A galinha degolada)
O que não faltou na vida pessoal do escritor uruguaio Horácio Quiroga foram tragédias. Os suicídios do pai, do padrasto, da primeira esposa, do amigo e ex-presidente Baltazar Brum e das duas filhas (estas, depois da morte do escritor); a morte dos dois irmãos; o assassinato (por acidente) do melhor amigo e, por fim, a descoberta do câncer que o levou ao suicídio em 1937. Claro que essa sucessão de tragédias não poderia deixar de influenciar sua obra.
Em A galinha degolada e outros contos, na verdade uma seleção de apenas seis narrativas breves e de alguns artigos publicados numa revista uruguaia nos anos 20, destaque para o conto que dá título ao livro, com personagens que lembram suas tragédias pessoais. No conto o casal Mazzinni –Ferraz vê seu sonho de construir uma família destruído quando seus quatro filhos nascem com anomalias que os tornam débeis mentais. Um conto que hoje seria considerado politicamente incorreto.
Antes dele, temos o conto O travesseiro de penas, em que uma mulher definha vítima de uma doença misteriosa. Depois de sua morte, descobrem o repulsivo assassino ao revirarem o travesseiro. Em O solitário, a personagem arrivista casa-se com um joalheiro sem a menor vocação para a riqueza. Para ela, conviver com as magnificas joias que o marido cria para as clientes passa a ser uma tortura.
Em O espectro, um jovem ator morre antes do filme de estreia e todas as vezes que a viúva e seu melhor amigo (que casou com a viúva) vão ao cinema percebem que o ator olha diretamente para eles e cada vez mais perto da tela. Em O mel silvestre o protagonista sai da cidade grande para se aventurar na selva e se depara com um batalhão de formigas carnívoras. Finalmente, em A câmara escura um fotógrafo retrata um velho morto e todas as vezes que encara a câmara escura para fazer a revelação, a horrenda face do morto emerge no papel fotográfico.     

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Aura – Carlos Fuentes

Em Aura, pequena novela do escritor mexicano Carlos Fuentes, publicada pela primeira vez em 1962, o jovem professor de história Felipe Monteiro lê nos classificados do jornal um anúncio de emprego tentador: uma vaga de secretário com boa remuneração, cama e comida. De tão bom, Felipe ignora-o na primeira vez em que ler. Quando, dias depois, volta a ler o anúncio, resolve se candidatar ao emprego.
“Você lê esse anúncio: uma oferta assim não é feita todos os dias. Lê e relê o anúncio. Parece dirigido diretamente a você, a ninguém mais.”   
Num casarão antigo, completamente às escuras, perdido no meio da modernidade urbana, Felipe conhece a senhora Consuelo, a decrépita viúva do general Llorente, uma senhora que parece ter bem mais idade do que um ser humano é capaz de viver. A tarefa pela qual será muito bem remunerado consiste em organizar os manuscritos memorialísticos do falecido general. Para isso, uma exigência da contratante: Felipe teria que morar na casa até terminar a tarefa.   
É nesse ambiente lúgubre que Felipe conhece a bela e misteriosa Aura, que o serve enquanto está hospedado na velha casa. Entre fatos estranhos que acontecem na casa, como gatos que num dia miam em outro agonizam, mas que a velha Consuelo insiste em negar-lhes a existência, o jovem professor se apaixona por esse anjo-demônio, velha-jovem, pessoa-fantasma que é Aura. Um livro para se ler de uma sentada.

domingo, 27 de setembro de 2015

O jogo de Ripper – Isabel Allende

Isabel Allende é uma escritora prolífica, com 23 livros publicados, fora as peças de teatro. Acho-a uma escritora fantástica e vários dos seus livros estão entre os melhores que já li na vida, como A casa dos espíritos (1982), Retrato em sépia (2000) e A filha da fortuna (1999). Sem contar Paula (1995), um relato comovente da doença e posterior morte da filha da escritora. O jogo de Ripper é o seu 23º livro, publicado em 2012, e sua primeira experiência no gênero policial.
Amanda Martin é filha do inspetor-chefe do Departamento de Homicídios de São Francisco, Bob Martin, e de Indiana Jackson, uma criatura meio “riponga” que trabalha numa clínica holística. A garota de 16 anos se diverte desvendando crimes de mentira com seus amigos virtuais espalhados pelo mundo via Skype (esse é o jogo de Ripper). Até que crimes de verdade começam a acontecer na cidade e a turma, abastecida com informações privilegiadas dadas pelo pai de Amanda, começa a investiga-los. 
Não sei se criei uma expectativa exagerada por se tratar de um livro de Isabel Allende, uma das minhas escritoras preferidas, mas confesso que o livro não correspondeu às essas “exageradas” expectativas. Por se tratar de um Thriller (assim foi anunciado) esperava uma narrativa mais dinâmica, o que não acontece. Nas primeiras 150 páginas a história se arrasta com a exposição de muitos detalhes dos personagens, que é uma característica da escritora. Mas o livro não é ruim! Inclusive atende uma das “exigências” dos Thrillers: é quase impossível saber quem é o verdadeiro assassino até que ele seja anunciado no final da trama.
Mas Isabel Allende tem créditos de sobra e vale a pena conhecer mais uma das suas obras. Mesmo que não seja a melhor delas.


quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Insensata gratidão

Recentemente fui “convidado” para participar de um seminário da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Entre as discussões estava a utilização de novas tecnologias no ensino noturno. Nunca vi tanto tempo e dinheiro perdidos em tão pouco tempo! Como discutir a utilização de novas tecnologias se não há internet? É o mesmo que discutir estilos arquitetônicos inovadores sem saber fazer um alicerce. E por que não temos internet nas escolas?
A resposta está na pesquisa divulgada nessa segunda-feira (21) pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br) que aponta que 59% dos alunos das escolas públicas brasileiras não usam internet no ambiente escolar. Pode até parecer uma contradição com o censo/2014 que aponta um salto no acesso das nossas escolas a internet de 47% em 2010 para 61% em 2014. Mas não é! A escola tem internet, mas o aluno não tem acesso a ela.
E não tem acesso a internet nas escolas por que ela é ruim, lenta. Enquanto em países sérios e minimamente civilizados discute-se uma internet com um mínimo de 50 mbps, aqui, nesse rincão que está mais para curral de bovinos do que para país, em 41% das escolas ela não chega a 2 mbps. Como discutir novas tecnologias se por essas paragens a única tecnologia surgida em sala foi a mudança da cor do quadro, que era preto, passou para verde e hoje é branco?
Durante o já citado seminário, os professores foram agraciados com mais uma esmola que os governos adoram brindar seus professores: a partir de 2016 será ofertado cursos de mestrado nas áreas de educação física e pedagogia. Com um sorriso de satisfação (e sadismo) nos lábios, a nossa secretária de educação ainda falou que nossos valorosos mendigos... digo, professores, irão receber 30 diárias em janeiro e 15 em julho para fazer seus mestrados. Isso mesmo! O sujeito passa o ano inteiro numa sala de aula lotada, com uma carga horária escorchante e, durante as férias, vai estudar. Se quiser!
Redução de carga horária é assunto proibido!
E o pior é que ela foi bovinamente aplaudida. A insensata gratidão é uma característica dos mendigos letrados e profissionais.