quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Com os teus, pode

O noticiário policial no Brasil vive de “ondas”. O caso Isabela Nardoni inaugurou a onda de crianças jogadas pela janela. Todo dia uma criança era arremessada de janelas Brasil afora. Depois acabou! Não se jogam mais crianças pela janela no Brasil. Uma criança, se não me falha a memória, na Bahia com vários alfinetes (ou pregos) pelo corpo inaugurou a onda das crianças com alfinetes pelo corpo. Foi uma febre! Todos os dias tinham um caso a ser narrado e explorado pelos Datenas da televisão brasileira. Pouco tempo depois ninguém mais enfiava alfinete nos seus pimpolhos. A “onda” agora é acidente de trânsito, normalmente causado por um endinheirado num carro de luxo. Todo dia tem um caso. Como se antes dessa “onda” o trânsito no Brasil fosse uma maravilha. Ninguém morria! Como se pobre em carro velho caindo aos pedaços não matasse também.

Nesse final de semana, em São Paulo, moradores fizeram um protesto para lançar uma Petição Pública que sugere aumentar a pena de quem dirige alcoolizado e mata. Justo, muito justo, justíssimo! O problema não está na reivindicação, está nas motivações. O organizador desse movimento é Rafael Baltresca, que perdeu a mãe e a irmã num acidente em 17 de setembro. Palavras do próprio Baltresca, segundo reportagem da revista Carta Capital: “Eu estou fazendo isso porque minha família foi morta agora.” Sou solidário ao Baltresca pelo ocorrido, como sou a todos que são atingidos por essa tragédia que é o trânsito brasileiro. Mas e antes de ser atingido diretamente pelo problema, o que fazia o jovem Baltresca para resolver o problema? Provavelmente chegava do trabalho e ia assistir o futebol ou a novela e criticar os políticos no distante e inacessível aconchego do seu lar.

No início dos anos 90, a jovem atriz Daniela Perez foi assassinada barbaramente por um colega de trabalho. Sua mãe, a escritora Glória Perez, liderou um movimento para tornar o homicídio qualificado crime hediondo. Talvez, antes do ocorrido, a escritora nem soubesse o que era homicídio qualificado. Enquanto acontece com os teus, o problema não é meu. Mas se acontecer com os meus... A história se repete! A cidadania, nesses casos, tem origem no egoísmo. A lógica é: enquanto estiverem matando as mães, irmãs e filhas dos outros, o problema não me pertence. Não consigo dizer quem é mais egoísta: se o indivíduo que dirige alcoolizado e mata ou o parente de vítima que só se preocupa com o problema quando é atingido diretamente por ele.

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