quinta-feira, 18 de março de 2010

Caminhada

As pessoas passavam por mim sem me perceber. Eu olhava todos aqueles rostos e tentava imaginar o que pensavam, que paixões teriam, se conseguiam realizar suas fantasias e desejos. O tempo chuvoso me deixa melancólico. Pingos de chuva caem no meu rosto e molham as lentes dos meus óculos. Isso não impede que eu enxergue cada detalhe do que está ao meu redor. Não paro de andar, apesar de sentir uma dor cansada nas pernas. A fumaça que sai do escapamento do ônibus irrita o meu nariz. Da janela uma colegial me observa com olhos miúdos e pretos. O MP3 nos ouvidos deve estar tocando aquelas músicas impossíveis de ouvir. Um olhar de falta de perspectiva, olhar de quem vive por falta de algo mais interessante para fazer. Será em breve mãe solteira ou casada, não importa. Levará a vida a cuidar de filhos, engordar e jogar conversa fora com a vizinha na calçada. Até que o marido a troque por outra colegial.
Continuo a andar. Vejo a distância o mendigo que a anos ocupa o mesmo espaço de calçada. As marcas no rosto denunciam uma vida sofrida. Mas também, muito possivelmente, uma vida de extravagâncias etílicas e sexuais. Os pés sujos atraem uma nuvem de moscas, que não o incomodam. Talvez o estômago vazio seja um incômodo maior. Observa-me com olhos tristes de retrospectiva. O que terá vivido? De quantas farras descomunais não terá tomado parte em seus anos de juventude? Quantas amantes possuiu? Quantas mulheres não fez chorar? Por quantas mulheres não chorou? Quando me aproximo, pronuncia a frase que a anos usa para pedir dinheiro aos transeuntes. Deposito em sua mão uma moeda e ouço o agradecimento de sempre. Que Deus lhe pague. Deixa para lá, mais uma dívida não paga, penso eu a sorrir.
Continuo a minha caminhada. As irregularidades das calçadas dificultam o passeio. Mas isso não me impede de observar um jovem casal. Ele é magro, parece ser daqueles homens que nasceram para viver em família, que todo prazer da vida resume-se em trabalhar para criar os filhos. È aquele tipo de homem que todos admiram, mas ninguém inveja, pois leva uma vida pouco interessante, sem sobressaltos. Ela carrega consigo uma beleza de outrora, estragada, possivelmente, pela gravidez. As amigas costumam lhe parabenizar pelo belo casamento, mas nenhuma delas gostaria de estar no seu lugar. Nasceram um para o outro. O carro deve ser financiado em 60 parcelas fixas, a casa será quitada em prestações nos próximos 20 anos, aos sábados à noite assistem filmes no DVD comprado no carnê, aos domingos passeios na praça com os filhos e pizza antes de assistir o Fantástico. Serão felizes para sempre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário