quarta-feira, 31 de maio de 2017

Discobiografia legionária – Chris Fuscaldo

“Não sei se há alguma contradição nisso. Depois que fiz o disco (As quatro estações), comecei a achar que Deus não existe”, Renato Russo, ao ser questionado pelo jornal O Globo se era compatível ser cristão e gostar de se relacionar com ambos os sexos. 
Em 2010, a jornalista e pesquisadora Chris Fuscaldo foi contratada pela gravadora EMI para escrever textos para o relançamento em CD da discografia completa da Legião Urbana que seria lançada naquele ano. Naquela ocasião, a edição mal feita pela gravadora gerou a insatisfação da autora. Depois de realizar novas entrevistas e apurar mais informações, tendo como base os textos de 2010, Fuscaldo publicou, no ano passado, durante as celebrações dos vinte anos da morte do líder da banda, Discobiografia legionária, um apanhado de histórias acontecidas dentro dos estúdios enquanto a banda gravava seus discos.
O livro se divide em três partes. Na primeira delas, Discos de estúdio, fala sobre os bastidores dos oito discos que a banda gravou. A primeira curiosidade está logo no primeiro disco, Legião Urbana, gravado em 1985, quando Renato, ainda um cantor desconhecido, não facilitou a vida da gravadora. Segundo Jorge Davidson, gerente artístico da EMI-Odeon, gravadora com quem o grupo iria assinar um contrato para a gravação de três discos afirma que Renato Russo “não foi humilde nem se emocionou, mas se mostrou gentil e agradável. Fez uma série de perguntas, como se já fosse um artista em negociação”.
Outra curiosidade está no terceiro disco, Que país é esse 1978/1985, lançado em 1987, que foi gravado às pressas, em pouco mais de um mês, por três motivos: a gravadora estava cobrando que a banda fechasse logo o ciclo dos três primeiros discos em 36 meses, prazo já estourado; Renato vivia uma crise de criatividade; e o cantor temia perder para a nova banda dos irmãos Lemos (Fê e Flávio), Capital Inicial, as músicas que o trio tocava na época do Aborto Elétrico. A gravação desse disco também é marcada pelo inicio da crise que levaria a expulsão do baixista Renato Rocha da banda por chegar reiteradamente atrasado ás gravações, perder voos e também por, do ponto de vista dos demais integrantes do grupo, não se dedicar às composições como deveria.   
A segunda parte do livro, Discos ao vivo e coletâneas, mostra que Música para acampamento, disco lançado em 1992, tinha uma única finalidade: ganhar dinheiro. “Não foi um álbum de carreira, foi um disco para a gente levantar recursos”, lembra Rafael Borges, então empresário da banda. Como a turnê do disco V, lançado no ano anterior, tinha sido suspensa para Renato se tratar dos seus vícios (álcool e heroína), da depressão e da doença descoberta em 1990, a banda passava por problemas financeiros. No entanto, o mesmo Rafael tenta minimizar, afirmando que Renato, “jamais faria algo puramente mercantilista”. Por isso, mesmo a distância, o vocalista quis dar aos fãs um disco que fosse relevante e não uma simples repetição, resgatando participações em programas de rádios, em ensaios e em shows para compor um disco ao vivo.
No disco Acústico MTV, os dramas de Renato tiraram o sono da direção da TV especializada em música. Alguns minutos antes de começar a gravação, Renato, ainda no hotel, desistiu de gravar o show alegando dúvidas com relação ao repertório. Problema contornado, foi a vez do baterista Marcelo Bonfá, que resistiu até o último minuto em trocar as baquetas pela vassourinha de jazz, usadas no formato umplugged.
A terceira e última parte, Discos solos, fala sobre os discos que foram lançados sem a participação dos demais membros da banda. No entanto, somente os dois primeiros, The Stonewall Celebration Concert, lançado em 1994, e Equilíbrio distante, de 1995, são projetos pessoais de Renato Russo. Os demais são projetos da gravadora com o intuito, é o que se percebe, de ganhar dinheiro após a morte do músico. The Stonewall Celebration Concert, planejado por Renato desde o ano anterior, foi uma forma do músico manifestar a sua militância pelos direitos dos homossexuais. Stonewall Inn é o nome do bar em Nova York onde, no fim da década de 60, gays entraram em confronto com a polícia. Já Equilíbrio distante foi uma realização pessoal de Renato, descendente de italianos, que queria conhecer suas origens e falar o idioma italiano sem sotaque. Apesar da depressão que o acometeu durante as gravações, é divertido conhecer as histórias que envolvem a produção desse disco.    

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