quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Diários da Presidência (1995-1996) – Fernando Henrique Cardoso



Publicado pela Companhia das Letras, Diários da Presidência (1995-1996), do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é o primeiro de uma série de quatro volumes bianuais que cobrem os oito anos em que ocupou a Presidência da república. A intenção da editora é concluir a publicação de todos os volumes em meados de 2017. Nesse primeiro volume, resultado de 90 horas de gravação em 44 fitas cassetes transcritas por Danielle Ardaillon, curadora do acervo da Fundação Instituto Fernando Henrique Cardoso, FHC relata as hesitações do cotidiano, as intrigas ao seu redor, tece críticas a aliados e adversários, como também à imprensa.
Algumas revelações surpreendem não por serem alguma novidade, mas por ser revelada por um ex-presidente ainda em vida. Como o fato de dizer que a luta política era desprovida de princípios de tal foram que ele vivia cercado de “chantagens por todos os lados”. Um exemplo é a referência feita, em agosto de 1995, ao hoje ex-deputado e condenado no mensalão Valdemar Costa Neto, na época líder do Partido Liberal, aliado do governo. “Ora, o líder desse partido, Valdemar Costa Neto, só vai lá (no Palácio do Planalto) para pedir nomeações para posições onde ele possa ter vantagens, e vantagens alegadamente pecuniárias”, diz FHC na página 224.  Na Página 296, FHC fala que parte dos pedidos de Costa Neto não foi atendida “por falta de gente competente e que seja honesta”. FHC se refere aos insistentes pedidos do então deputado como “essa coisa desagradável”.
O ex-presidente também não poupa aliados como o seu antecessor, Itamar Franco, afirmando em fevereiro de 1995 que seus amigos o tratam “como se ele fosse uma criança mimada e birrenta, o que ele às vezes é”. Sobre José Serra, seu ministro, numa visita ao Chile, em março de 1995, que Serra não quis ir, FHC diz: “Acho que o Serra não se sente bem vendo tantas homenagens que não seja a ele” (P. 85). A relação do governo com parte da imprensa não era das melhores. Sobre a denúncia da revista Veja de que seu filho, Paulo Henrique, teria pego carona no avião presidencial, FHC reagiu em março de 1995: “Trata-se de um falso moralismo da Veja, que vive pedindo canais e mais canais de televisão ao governo, de alta frequência, e, ao mesmo tempo, espicaça sem parar para jogar todo mundo na vala comum” (p. 87).
Há também referências nada lisonjeiras à personagens que hoje estão no centro político do país, como o deputado Eduardo Cunha, hoje presidente da Câmara, mas em março de 1996 um obscuro protegido de deputados ligados à Igreja Universal. Esses deputados procuraram o Presidente da República para tentar nomeá-lo diretor comercial da Petrobrás. A reação de FHC: “Imagina! O Eduardo Cunha foi presidente da Telerj, nós o tiramos de lá no tempo de Itamar porque ele tinha trapalhadas (...). (...) há, sim, problemas com esse nome. Enfim, não cedemos à nomeação” (p. 507). Sobre Cássio Cunha Lima, hoje líder do PSDB no Senado, em abril de 1996: “ O Cássio esteve aqui numa festa para o Collor, na semana passada, o que já é o cúmulo. É uma coisa que mostra a volatilidade dos sentimentos desse rapaz, que agora se diz a favor da reeleição” (p. 536).
"Começo a sentir o travo amargo do poder, no seu aspecto mais podre de toma lá dá cá: se eu não der algum ministério, o PPB não vota; se eu não puser o Luiz Carlos Santos, o PMDB não cimenta - e muitas vezes fazemos isso e eles não entregam o que prometeram", diz o ex-presidente, em registro de abril de 1996.  Como se vê, passados vinte anos, as práticas políticas continuam as mesmas. Se essa frase fosse dita hoje pela presidente Dilma, seria atualíssima. Aguardemos os próximos volumes.  

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