segunda-feira, 30 de abril de 2012

Dilemas de um vegetariano


- Pesquei um peixão! – gritava para os meus amigos. Era uma festa só.
Íamos em grupo para um sítio de um conhecido do pai de um dos meus amigos... ou era do pai de um conhecido...sei lá, não lembro mais. O fato é que íamos pescar, tínhamos em torno de quinze anos de idade e tudo era festa.
Nem tudo. Quando eu via aquele peixinho se debatendo, ficava imaginando que ele tinha filhos, esposa ou namorada e o jogava de volta no lago. Quase apanhava dos outros.
Sempre á mesa, me via pensando no que teria sido a vida daquele bife a milanesa que estava no prato na minha frente. Pensar em como ele tinha sido abatido nem pensar...
- Esse menino está doente! – vivia dizendo a minha mãe, preocupada com a minha magreza e com o pouco que comia.
Aos dezoito anos cheguei a conclusão que não conseguiria comer carne. Não conseguia parar de pensar na vida que aquele filé posto no meu prato a minha frente tinha antes de ali chegar. Virei vegetariano!
- Come só um pedacinho! – era o que eu mais ouvia quando ia com amigos a churrascos.
Quando resolvia tomar uma cervejinha, meu tira-gosto era azeitona. Na churrascaria, enquanto todos se refestelavam com lombinhos, cupins e toscanas, eu comia agrião, alface, rúcula, agrião, acompanhado de feijão e arroz.
Apesar das sacanagens dos amigos, isso não me incomodava. Eu era bem resolvido.
Até eu conhecer um guru de ioga védica tântrica indiana... ou seria tântrica védica... sei lá! O fato era que o cara tinha um nome impronunciável, que eu desconfiava ser artístico, pois soube mais tarde que ele não nasceu numa cidade de nome igualmente impronunciável no Himalaia, como ele dizia, mas em Santa Cruz do Capemba, uma cidade em algum lugar de algum estado de alguma região do país. A população cabia numa Kombi!
- Todo ser vivo, meu filho, possui alma. – falou o infeliz.
Essa frase de sete palavras, menor do que o nome do guru, mudou a minha vida.
Passei a imaginar o brócolis desesperado ao me ver com a faca e o garfo na mão na iminência de cortá-lo ao meio. Imaginei o agrião esperneando para não ser devorado. Mas agrião tem perna? Deixa pra lá...
Sonhei com a rúcula pedindo pela sua alma. Alma? Para onde será que foram as almas dos vegetais que comi? Para! Aí já é muita profundidade filosófica para o meu pobre cérebro carente de carne vermelha.
- A covardia é maior com os vegetais. Ao contrário dos animais, eles não podem correr. – me peguei pensando.
Pensei em comer apenas massa. Mas lembrei-me que para fazer a massa usa-se ovo. Era um infanticídio galináceo! Oh, deus das salsinhas, agriões, rúculas e assemelhados, dê-me uma luz.
- Luz! Vou me alimentar de luz! Já vi isso na televisão.
Será que existe uma incandescente a milanesa? Uma florescente bem passada? Ou uma econômica compacta ao molho pardo?
- Que idiotice!
Ninguém sobrevive de luz! Vou decidir-me.
Passei a noite insone e fiz um esforço enorme para conseguir levantar da cama. Durante a manhã pouco produzi no trabalho e cada minuto sabia que o meu tempo para decidir diminuía. O meio-dia aproximava-se!
Ao meio dia me levantei pra sair e ouvi a pergunta que sempre ouvia.
- Já vai almoçar? – eles sabiam da resposta. Mas naquele dia a resposta, se tivesse sido dada, seria outra.
Fui ao restaurante mais próximo. Ao abrir a porta de vidro, o ambiente climatizado, o burburinho das mesas, o cheiro de comida e o ar de formalidade forçada dos garçons facilitaram a minha decisão. Fui até o balcão buffet e peguei um prato.
Peguei uma porção de todas as carnes que encontrei pela frente. Aproveitei também pra me servir de rúcula, alface, brócolis e todas as verduras coloridas. Em nenhum momento parei para pensar na legião de espíritos que havia naquele prato.

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