- Pesquei um peixão! – gritava
para os meus amigos. Era uma festa só.
Íamos em grupo para um sítio de
um conhecido do pai de um dos meus amigos... ou era do pai de um
conhecido...sei lá, não lembro mais. O fato é que íamos pescar, tínhamos em
torno de quinze anos de idade e tudo era festa.
Nem tudo. Quando eu via aquele
peixinho se debatendo, ficava imaginando que ele tinha filhos, esposa ou
namorada e o jogava de volta no lago. Quase apanhava dos outros.
Sempre á mesa, me via pensando no
que teria sido a vida daquele bife a milanesa que estava no prato na minha
frente. Pensar em como ele tinha sido abatido nem pensar...
- Esse menino está doente! –
vivia dizendo a minha mãe, preocupada com a minha magreza e com o pouco que
comia.
Aos dezoito anos cheguei a
conclusão que não conseguiria comer carne. Não conseguia parar de pensar na
vida que aquele filé posto no meu prato a minha frente tinha antes de ali
chegar. Virei vegetariano!
- Come só um pedacinho! – era o
que eu mais ouvia quando ia com amigos a churrascos.
Quando resolvia tomar uma
cervejinha, meu tira-gosto era azeitona. Na churrascaria, enquanto todos se
refestelavam com lombinhos, cupins e toscanas, eu comia agrião, alface, rúcula,
agrião, acompanhado de feijão e arroz.
Apesar das sacanagens dos amigos,
isso não me incomodava. Eu era bem resolvido.
Até eu conhecer um guru de ioga
védica tântrica indiana... ou seria tântrica védica... sei lá! O fato era que o
cara tinha um nome impronunciável, que eu desconfiava ser artístico, pois soube
mais tarde que ele não nasceu numa cidade de nome igualmente impronunciável no
Himalaia, como ele dizia, mas em Santa Cruz do Capemba, uma cidade em algum
lugar de algum estado de alguma região do país. A população cabia numa Kombi!
- Todo ser vivo, meu filho,
possui alma. – falou o infeliz.
Essa frase de sete palavras,
menor do que o nome do guru, mudou a minha vida.
Passei a imaginar o brócolis
desesperado ao me ver com a faca e o garfo na mão na iminência de cortá-lo ao
meio. Imaginei o agrião esperneando para não ser devorado. Mas agrião tem
perna? Deixa pra lá...
Sonhei com a rúcula pedindo pela
sua alma. Alma? Para onde será que foram as almas dos vegetais que comi? Para!
Aí já é muita profundidade filosófica para o meu pobre cérebro carente de carne
vermelha.
- A covardia é maior com os
vegetais. Ao contrário dos animais, eles não podem correr. – me peguei pensando.
Pensei em comer apenas massa. Mas
lembrei-me que para fazer a massa usa-se ovo. Era um infanticídio galináceo!
Oh, deus das salsinhas, agriões, rúculas e assemelhados, dê-me uma luz.
- Luz! Vou me alimentar de luz!
Já vi isso na televisão.
Será que existe uma incandescente
a milanesa? Uma florescente bem passada? Ou uma econômica compacta ao molho
pardo?
- Que idiotice!
Ninguém sobrevive de luz! Vou
decidir-me.
Passei a noite insone e fiz um
esforço enorme para conseguir levantar da cama. Durante a manhã pouco produzi
no trabalho e cada minuto sabia que o meu tempo para decidir diminuía. O meio-dia
aproximava-se!
Ao meio dia me levantei pra sair
e ouvi a pergunta que sempre ouvia.
- Já vai almoçar? – eles sabiam
da resposta. Mas naquele dia a resposta, se tivesse sido dada, seria outra.
Fui ao restaurante mais próximo.
Ao abrir a porta de vidro, o ambiente climatizado, o burburinho das mesas, o
cheiro de comida e o ar de formalidade forçada dos garçons facilitaram a minha
decisão. Fui até o balcão buffet e peguei um prato.
Peguei uma porção de todas as
carnes que encontrei pela frente. Aproveitei também pra me servir de rúcula,
alface, brócolis e todas as verduras coloridas. Em nenhum momento parei para
pensar na legião de espíritos que havia naquele prato.
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