Demorei para falar sobre assunto
por que , na realidade, não queria falar sobre o assunto, mas sobre as
manifestações que aconteceram sobre o assunto. Falo sobre os cinquenta anos do
Golpe Militar de 1964. E o que vi não me surpreendeu. De um lado, a esquerda
festiva se manifestando a cada esquina, celebrando os seus “heróis”, e
repudiando os excessos cometidos pela ditadura. Do outro lado, os simpatizantes
do Golpe se escondiam, fazendo suas manifestações em ambientes fechados para
não atrair para si a ira das patrulhas ideológicas.
Falo que isso não me surpreendeu
por que nunca me iludi com a suposta democracia apregoada pela esquerda, que só
existe para os seus aliados. Que o diga Cuba, Venezuela e congêneres. O
autoritarismo está no DNA da esquerda. Não sou a favo de nenhuma ditadura,
muito menos a que foi instalada no Brasil em 1964, mas seus simpatizantes tem o
direito de celebrá-la. De mais a mais, esse evento cabe algumas releituras.
A primeira dessas releituras
refere-se à duração da ditadura, de 1964 a 1985. Vejo aí um equívoco! Não
podemos dizer que o Brasil vivia numa ditadura de 1964 a 1968, no máximo num
estado autoritário. Como poderia uma ditadura permitir os festivais de música,
onde cantores de esquerda cantavam músicas “subversivas”? Como poderia uma
ditadura permitir que editoras, como a Civilização Brasileira, publicassem
autores “subversivos”, como Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso? E o
Cinema Novo? E as eleições diretas para governador, ocorridas em 1967?
Podemos afirmar que vivemos uma
ditadura entre 1968 e 1974. Porém, de 1974 até 1985 voltamos a viver num estado
autoritário.
Outra releitura a ser feita é
sobre o espectro politico antes do Golpe. Temos que parar com o maniqueísmo
segundo o qual a esquerda “boazinha” queria evitar que a direita “malvada”
acabasse com a democracia no Brasil. Mentira! A esquerda era tão golpista
quanto a direita. A esquerda não deu um golpe e implantou uma ditadura tão mais
sangrenta por que é incompetente para isso. Mas se tivesse um mínimo de
organização, teria implantado uma aberração a
la Cuba no Brasil.
Como o mundo dá voltas, hoje a
esquerda “boazinha” está no poder e quer apurar os crimes cometidos durante a
ditadura, através de uma tal Comissão da Verdade. Se for uma apuração buscando tão
somente a verdade histórica, estou de acordo. Se for uma apuração objetivando
uma revanche, sou contra. E que essa tal de Comissão da Verdade apure também os
crimes cometidos pelos militantes de esquerda, afinal os excessos foram
cometidos de parte a parte.
Não me venham com esse papo de
evocar o “direito inalienável de resistência”, segundo o qual ações violentas
contra membros do aparato repressivo de um Estado ditatorial e ilegal não são
violações dos direitos humanos. Se formos usar esse raciocínio, os militares
também não cometeram violações dos direitos humanos, afinal estavam combatendo
os membros de organizações que queriam implantar no Brasil um aparato
repressivo de um Estado ditatorial e ilegal de esquerda.
É inegável que excessos existiram
por parte de agentes do Estado no combate à esquerda. Mas não se pode negar que
os excessos foram dos dois lados. Se a Comissão da Verdade fala tanto nos 424
mortos de militantes de esquerda, número fornecido pelo livro Dos filhos deste solo, do ex-ministro
Nilmário Miranda (um número provavelmente inflado, comprovados são 293 mortos),
por que não lembrar dos 120 mortos pelos grupos de esquerda, muitos deles sem
nenhuma vinculação com a luta armada? Seus familiares terão direitos às
reparações financeiras generosas dadas pela Comissão da Verdade?
Deixemos bem claro uma questão de
princípio: não deveria ter morrido ninguém, seja de esquerda, seja de direita,
muito menos inocentes perdidos entre dois lados ideologicamente insanos.
Nenhuma ditadura presta, seja de direita ou de esquerda, civil ou militar. Mas
não podemos semear mitos históricos ao sabor de quem estar no poder, muito
menos disfarçar uma ditadura dentro de Estado democrático através de
patrulhamentos ideológicos, instrumento fartamente e abusivamente utilizado
pela hoje “esquerda festiva”, outrora “esquerda armada”.
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