A parede estava a pouco mais de
um palmo do meu nariz. Dava pra ver as manchinhas no azulejo branco. “O que
serão?”, penso comigo. Deve ser acúmulo de bactérias que povoam esse ambiente
insalubre. O cheiro ácido de urina, misturado com cheiro de desinfetante causa
ardência no nariz.
Olho para baixo e vejo o mictório
com várias bolinhas naftalina agitando-se de acordo com a força da água que sai
de uma pequena torneira. Fico prestando atenção no desenho da tela de cor azul em
formato triangular que fica no fundo, junto com a naftalina. Fico pensando para
que serve aquela tela cheia de furinhos: será para que as bolinhas de naftalina
não caiam no ralo? Ou será mais uma invenção do capitalismo para que alguém
ganhe uns trocados?
- Cadê essa porra que não chega!
– penso.
A porra a que me refiro é meu
xixi. Sempre foi um tormento pra eu mijar em público. Na verdade, nem precisa
está em público, basta imaginar que tem alguém por perto para a minha uretra
“esticar” e ficar com 15 metros ou mais. O xixi leva uma eternidade pra sair. Quando sai! Banheiro público pra mim é um
tormento, principalmente aqueles em que mija coletivamente naqueles mictórios
separados uns dos outros por uma pequena parede que impede apenas que você veja
o pênis do seu “vizinho”. É chegar um “vizinho” e pronto!, meu xixi entra em
pânico e não sai por nada.
- Puta que pariu! – é a primeira
coisa que me vem à cabeça quando alguém entra no banheiro depois de mim. Sei
que vai começar meu tormento.
A espera interminável e
exasperante pelo mijo não é o único inconveniente. Quando o “vizinho” chega e
se depara com um cara ao seu lado, parado sem fazer nada, sem barulho do xixi
batendo na louça do mictório, o cara logo passa a pensar que você é gay a caça
de parceiros. Por causa disso já passei por alguns “apertos”.
Certa vez estava eu no meu
suplício a espera do desejado quando chega ao meu lado um sujeito com cara de
poucos amigos. Eu não olhava pra ele, mas o via pela minha visão periférica e o
mesmo devia está acontecendo com ele. De repente, o sujeito vira a cabeça pra o
meu lado e rosna:
- O que tá olhando, viadinho!
Fiz a cara mais de macho que
consegui e rosnei de volta, pouco convincente:
- Pô, cara! Sou macho!
Saí sem fazer xixi.
Em outra ocasião, estava na mesma
situação de espera, quando “estacionou” um sujeito do meu lado. Esse não tinha
cara de mau, ao contrário, tinha um olhar guloso.
- Oi. – sussurrou praticamente
dentro do meu ouvido.
Novamente tive que buscar na
minha memória uma cara de macho, que tinha a impressão de ser pouco
convincente, e rosnei:
- Pô, cara! Sou macho!
A mesma frase para situações
opostas.
Eu já estava viciado naquele
cheiro que era um misto de urina e desinfetante, tão característico dos
banheiros públicos. Ir para bares para mim representava um suplício. As pessoas
normais quando chegam em bares ou restaurantes se preocupam com a qualidade da
comida e do serviço. Eu me preocupava com o banheiro!
Nos meus momentos de desespero
chegava a ter inveja do Zuckerman idoso de Roth com sua incontinência urinária,
o que o obrigava a usar fraldões geriátricos e cuecas de plástico. Exagero,
claro.
- Assim já demais. – pensava,
corrigindo-me pelo exagero.
Mas a ardência na uretra, a
bexiga a ponto de explodir e a dor no “pé” da barriga não permitiam que eu
esquecesse meu bloqueio mictórico. Tudo isso mais as situações delicadas que eu
era obrigado a enfrentar por causa dele.
Uma delas foi com uma garota que
conheci na faculdade. Na primeira vez que saímos cometi o erro, por elegância e
cavalheirismo, de deixa-la escolher o restaurante onde íamos jantar. Dentre
tantas alternativas, ela escolheu a que eu menos queria: um restaurante cujos
banheiros eram coletivos, os malditos mictórios!
- Puta que pariu. – pensei, já
prevendo o desastre.
E não preciso dizer que foi um
desastre mesmo. Na primeira hora do encontro tudo correu bem. Aquelas
amenidades fúteis e inúteis que todo mundo conversa quando está querendo
conquistar outro. Até que me deu vontade de ir ao banheiro. Começou o desastre!
Nos setenta minutos seguintes,
fui onze vezes ao banheiro e em todas elas era aquele drama: ficar em pé na
frente do mictório, sentindo aquele cheiro que já me era tão familiar,
encarando a parede e imaginando o que todos aqueles que entravam e saíam
estavam pensando sobre aquele sujeito que entrava e saía do banheiro pra ficar
olhando para parede.
Não consegui explicar para a
minha parceira o que estava acontecendo muito menos perguntar para ela o que
ela achava que estava acontecendo, nem tive tempo de criar uma intimidade para
contar posteriormente, pois o quase/provável/futuro relacionamento degringolou
ali mesmo.
Havia aquelas ocasiões em que ia
ao motel com alguma parceira e no meio do sexo a bexiga enchia. Parecia um saco
plástico cheio d’água sacolejando. Era o anticlímax!
- Dá licença, meu bem, vou ao
banheiro rapidinho.
Via a incompreensão estampada na
cara da parceira. Qualquer uma delas! Eu sabia que as coisas não continuariam
tão boas como estavam.
- Como “ao banheiro”? Numa hora
dessas? – imaginava eu que elas assim se perguntavam.
Começava meu tormento.
- E se ela ouvir o barulho do
xixi? – essa pergunta sempre me ocorria mesmo sabendo que algumas delas se
excitavam ouvindo o barulho do xixi batendo na água.
Nesse caso a frustração se
multiplicava e alcançava níveis estratosféricos. Trepada interrompida, ela
louca pra ouvir o barulho e eu louco pra fazer xixi. E o infeliz teimava em não
vir. Empacava a meio caminho entre a bexiga e a uretra. E a trepada ia pelo
ralo...
Confesso em público que invejo
dolorosamente aqueles sujeitos que conseguem fazer xixi num poste no meio de
uma multidão e ainda dão aquelas balançadas de praxe. É escandalosamente
frustrante saber o quanto uma mijada, ou a falta dela, interfere na vida
social/sexual de um indivíduo.
Mas recuso-me a acreditar que o
problema está em mim. Se não está em mim, está no xixi. Existirá terapia para
meu xixi? Alias, existirá xixi com problemas psiquiátricos? Xixi depressivo,
xixi com pânico, xixi esquizofrênico, xixi psicótico, xixi esquizoafetivo, xixi
maníaco depressivo, xixi bipolar, xixi obsessivo-compulsivo, xixi somatoforme. Preciso
procurar um analista!
Mas antes vou ao banheiro fazer
um xixizinho...
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