Há algo de podre no reino da Dinamarca. Hamlet talvez jurasse
que o mau cheiro viesse do Planalto Central. Ele descobriu, tarde demais, que o
cheiro pútrido vinha da sua cozinha, da sua panela, do seu prato. A carne que
ele comprou, a mais cara da melhor marca, estava podre. Isso se Hamlet vivesse
no Brasil do século XXI e comprasse carne em supermercado. Isso se Hamlet
vivesse no Brasil e assistisse os comerciais dos frigoríficos falando em
“carnes nobres e linguiça com 30% menos sódio” ou sendo convencido de que “a
qualidade vai te surpreender”.
Se as investigações da Polícia Federal com a operação “Carne
Fraca” estiverem certas, o que vai nos surpreender são as estratégias dos
frigoríficos para aumentar seus lucros. E não estamos falando de matadouros clandestinos
na periferia do país! Estamos falando de grandes frigoríficos, pertencentes a
algumas das maiores empresas do ramo no mundo, que são donos de marcas
conhecidas e líderes do mercado, como Sadia, Perdigão, Friboi, Seara, Swift.
Estamos falando de marcas que gastam fortunas em comerciais com estrelas de
renome e que tem (ou tinham) a confiança do consumidor.
Nessa semana, a Polícia Federal mobilizou 1.100 agentes para
cumprir 309 mandados judiciais em sete estados, naquela que é considerada a
maior operação da história da instituição. Os alvos eram os grandes
frigoríficos do país. O que a investigação revela é um verdadeiro cenário de
horrores. Se os vegetarianos já afirmavam que comíamos cadáveres, agora já
podem afirmar que comemos cadáveres em decomposição.
Segundo a PF, algumas empresas (não citou quais) usavam ácido sórbico, uma substância cancerígena, para disfarçar o sabor da carne para os
consumidores e utilizavam notas fiscais frias para que o produto fosse vendido
como se tivesse em condições ideias para consumo. Além disso, injetavam água na
carne para aumentar seu peso. Ou seja, além de podre, o consumidor não levava o
que pagava. Sem contar o aproveitamento da carne de cabeça em linguiça suína, o
que é proibido pela legislação; e a comercialização de carne contaminada com
Salmonela, uma bactéria que causa diarreia, dores abdominais e febre. Em casos
mais graves pode causar a morte.
Mas nada disso diminuiu a vontade das empresas de aumentar os
seus lucros. Nem a vontade dos fiscais, funcionários públicos que deveriam
zelar pela qualidade dos produtos que seriam consumidos pela população, em
levar algum tipo de vantagem ilegal. Parece ironia, mas umas das formas de
propina oferecidas pelas empresas aos fiscais era carne. A mesma carne
contaminada e vencida que era vendida aos consumidores. A desonestidade do
fiscal corrupto era maior do que os cuidados com a própria saúde e a dos seus
familiares.
A soda cáustica no leite, o solvente na gasolina, o milho na
cerveja, a farinha no remédio e o papelão no frango mostram que há algo de
podre, muito podre nesse reino.
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