Até os meus vinte e cinco anos
ouvi, de segunda a sábado, às 18 horas, numa rádio na cidade em que nasci e
vivi até então, uma música que viria marcar minha vida profundamente. Não sei a
partir de que idade comecei a prestar atenção nela, mas o fato é que ela veio e
ficou. Todos os dias (ou quase todos os dias) lá estava eu a ouvi-la,
paralisado, compenetrado, sem entendê-la, já que era cantada em latim, mas
música boa é aquela que, mesmo sem entendê-la, sabe-se que é de qualidade. Era
a Ave Maria, de Gounod.
Escrita pelo compositor romântico
francês Charles Gounod, em 1859, tendo como base o Prelúdio nº 1 em Dó Maior de
Bach, escrito 137 anos antes, tinha como título original meditação. Logo depois, teria feito alguns ajustes na melodia,
incorporado o texto da Ave Maria e a teria dedicado a uma namorada. O resultado
é o que se ouve: a canção mais bela que um ser humano conseguiu fazer. Há aqueles
que têm uma música que marca uma fase ou um acontecimento na sua vida, eu tenho
uma música que marca a minha vida inteira.
Aos vinte e cinco anos mudei-me
para o norte, mas aquela música ficou na memória. Ouvi várias versões da
melodia em várias ocasiões, mas aquela versão, interpretada por uma “cantora”
que eu não sabia quem era, continuava me marcando profundamente. Tentei
descobrir quem cantava, através das redes sociais perguntei à rádio e não
obtive resposta.
Até que, na semana passada,
baixei mais de sessenta versões da música, na esperança de encontrar aquela voz
novamente. Por ironia, ela me surgiu somente na sexagésima versão. Estava lá, a
“cantora” era Stevie Wonder. Fiquei surpreso, imaginava uma cantora. Mas somente
um intérprete privado de um dos sentidos poderia colocar tanto sentimento,
tanta melancolia numa canção já tão impregnada de sentimentos.
Pode parecer estranho que um ateu
possa ter uma admiração tão incontinenti por uma música religiosa, mas música
não tem religião, tem qualidade, tem poesia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário