John Banville nasceu na Irlanda
em 1945 e é considerado pela crítica como um estilista da língua inglesa. Seu primeiro
livro foi publicado em 1971 e começou e escrever romances policiais com o
pseudônimo Benjamim Black em 2006. O curioso é que com nas obras em que usa o
seu nome verdadeiro é um obcecado pela frase perfeita, mas não vende tanto
assim. Como Black, escreve sem nenhuma ambição e lidera a lista dos mais
vendidos. Confirmado na Flip 2013, concedeu um entrevista por e-mail ao blog A biblioteca da Raquel, da jornalista
Raquel Cozer, que você lê abaixo:
***
Em vez de centrar a história no ponto de vista
de Quirke, o protagonista, “O Cisne de Prata” alterna capítulos na voz
dele com as de outras personagens, incluindo a vítima. O resultado é que
os leitores acabam sabendo muito mais do que o personagem que
investiga a história. Por que optou por esse formato?
Acho romances policiais fascinantes do ponto de vista técnico. Nesse livro, foi interessante alargar a perspectiva e trazer, embora obliquamente, as vozes, ou ao menos as sensibilidades, de outros personagens. E com isso fazer Quirke desconhecer detalhes que outros personagens, e os leitores, sabem. Mas, enfim, Quirke geralmente progride por meio da ignorância dos fatos. O que admiro nele como protagonista é que ele não é um superdetetive. Se você quer o oposto de Sherlock Holmes ou Hercule Poirot, esse é Quirke. Ele é um pouco estúpido, como o resto de nós-humanos, em outras palavras.
Acho romances policiais fascinantes do ponto de vista técnico. Nesse livro, foi interessante alargar a perspectiva e trazer, embora obliquamente, as vozes, ou ao menos as sensibilidades, de outros personagens. E com isso fazer Quirke desconhecer detalhes que outros personagens, e os leitores, sabem. Mas, enfim, Quirke geralmente progride por meio da ignorância dos fatos. O que admiro nele como protagonista é que ele não é um superdetetive. Se você quer o oposto de Sherlock Holmes ou Hercule Poirot, esse é Quirke. Ele é um pouco estúpido, como o resto de nós-humanos, em outras palavras.
O próprio Quirke é diferente de um protagonista
que poderíamos esperar em um policial. Ele é um patologista que, em “O Cisne de
Prata”, mente para a Justiça no único momento em que poderia ajudar na
investigação. Como pensou esse personagem?
Quirke é movido pela curiosidade. Talvez eu esteja
caindo num freudianismo barato, mas acho que o fato de ele mesmo não ter um
passado do qual se lembre completamente o compele a mergulhar nas vidas de
outras pessoas, a querer descobrir segredos alheios. Quando ele olha para trás,
para anos anteriores de sua vida, há apenas um branco, e isso é algo que o
atormenta. Então, quando encontra um “branco” que é um crime não resolvido, não
resiste a investigar.
Assim como em “O Cisne de Prata”, que retoma o
protagonista de “O Pecado de Christine”, em ”Luz Antiga”, que também sairá
neste ano no Brasil [pela Globo, em junho], você recupera um protagonista de
romances anteriores. Esse é um procedimento comum em romances policiais, mas
nem tanto fora da ficção de gênero. Por que voltar a personagens interessa ao
sr.?
De fato não sei dizer por que retornei à história de Alex Cleave e de sua trágica filha Cass. Depois que leu “Eclipse” [inédito no Brasil], em que esses personagens aparecem, meu amigo Rodrigo Fresan [escritor argentino] me implorou para escrever um “livro de Cass”. “Luz Antiga” não é esse livro, mas revisita Alex e sua mulher, Lydia, dez anos depois da morte da filha. Devo ter achado que havia algo a resolver com Alex, Cass e o mistério da morte de Cass que continuava atormentando seus pais. É claro, Alex desconhece a conexão de Cass com Axel Vander, o crítico literário que Alex, que é ator, está prestes a interpretar num filme. Isso adicionou algum frisson para mim, como também, eu espero, para leitores familiares com “Eclipse”.
De fato não sei dizer por que retornei à história de Alex Cleave e de sua trágica filha Cass. Depois que leu “Eclipse” [inédito no Brasil], em que esses personagens aparecem, meu amigo Rodrigo Fresan [escritor argentino] me implorou para escrever um “livro de Cass”. “Luz Antiga” não é esse livro, mas revisita Alex e sua mulher, Lydia, dez anos depois da morte da filha. Devo ter achado que havia algo a resolver com Alex, Cass e o mistério da morte de Cass que continuava atormentando seus pais. É claro, Alex desconhece a conexão de Cass com Axel Vander, o crítico literário que Alex, que é ator, está prestes a interpretar num filme. Isso adicionou algum frisson para mim, como também, eu espero, para leitores familiares com “Eclipse”.
Quirke é atormentando pelo passado e pelo senso
de perda, assim como Alex em ”Luz Antiga”. O quão diferente é
escrever sobre esse tema como Banville e como Black?
Bom, Quirke é atormentado de uma
maneira diferente. O passado dele é um lugar terrível e escuro, uma
espécie de Inferno anterior à morte. Para Alex, o passado é um
mundo iluminado, que parece mais vívido para ele do que o mundo presente
em que ele vive. Sempre me fascinou a percepção de que o passado
sempre nos parece mais intenso que o presente. Por que
deveria ser assim? Afinal, o passado foi presente um dia, e tão normal e chato
quanto opresente presente. A resposta, eu suspeito, é
que como temos de viver o presente, não conseguimos vê-lo com clareza
e, consequentemente, não o valorizamos. Apenas quando ele vira
passado vemos como era extraordinário. Essa é uma tragédia de nossas
vidas, que nós –a maior parte de nós– não conseguimos valorizar o que temos até
que isso se perca.
Como Georges Simenon influenciou sua
“conversão” em Black?
Nunca tinha lido Simenon [romancista belga, autor da série do inspetor Maigret] até um amigo, o filósofo inglês John Gray, me encorajar a ler o que Simenon definia como seus “romances psicológicos”. Quando li fiquei deslumbrado. Esses livros, entre os quais estão “Dirty Snow”, “Monsieur Monde Vanishes” e “The Strangers in the House”, para ficar apenas em três, são para mim tão bons quanto qualquer coisa escrita no século 20, superiores aos trabalhos de Sartre ou Camus, por exemplo: Simenon é o verdadeiro romancista existencialista. Ocorreu a mim que deveria tentar escrever algo similar, usando um estilo simples e direto, um vocabulário restrito, e nenhum dos ornamentos “literários” que Banville usaria. Então Benjamin Black nasceu.
Nunca tinha lido Simenon [romancista belga, autor da série do inspetor Maigret] até um amigo, o filósofo inglês John Gray, me encorajar a ler o que Simenon definia como seus “romances psicológicos”. Quando li fiquei deslumbrado. Esses livros, entre os quais estão “Dirty Snow”, “Monsieur Monde Vanishes” e “The Strangers in the House”, para ficar apenas em três, são para mim tão bons quanto qualquer coisa escrita no século 20, superiores aos trabalhos de Sartre ou Camus, por exemplo: Simenon é o verdadeiro romancista existencialista. Ocorreu a mim que deveria tentar escrever algo similar, usando um estilo simples e direto, um vocabulário restrito, e nenhum dos ornamentos “literários” que Banville usaria. Então Benjamin Black nasceu.
O verbete dedicado ao sr. na Wikipedia informa
que o sr. chama romances policiais de “ficção barata”, mas
com o aviso de que falta a fonte dessa informação. Essa é mesmo uma
opinião sua?
Wikipedia! Sempre informando tudo ligeiramente
errado. Escrevi em algum lugar, como ironia, que quando me tornei
Benjamin Black descobri em mim uma capacidade para a “ficção barata”. Não era
para ser levado a sério. É claro que existe muita ficção policial barata por
aí, mas até aí também há muita ficção literária barata. O trabalho de Raymond
Chandler, Dashiell Hammett, Richard Stark, James M. Cain –se isso é barato,
então me mostre o que é caro.
O sr. costuma dizer que escrever como
Banville é muito mais trabalhoso que escrever como Black. Incomoda saber
que Black interessa mais aos leitores?
Acho que eu me incomodaria se Banville vendesse mais do que Black. Black trabalha num gênero popular, e, por consequência, suas vendas são melhores. É simples assim.
Acho que eu me incomodaria se Banville vendesse mais do que Black. Black trabalha num gênero popular, e, por consequência, suas vendas são melhores. É simples assim.
O sr. tem publicado mais como Black do que
como Banville –o placar desde 2006 está em sete a dois. É uma
experiência mais satisfatória a de escrever sem se preocupar tanto
com a estrutura?
Talvez não mais satisfatório, mas diferente. Eu
gosto do trabalho que os livros de Benjamin Black envolvem e tenho
orgulho desses livros, como um artesão teria orgulho de um trabalho bem
feito. Black não exige tanto de si mesmo como Banville, o que é uma outra
maneira de dizer que Black não é um artista nem tem essa ambição.
Como é ver seu trabalho adaptado para a televisão
[as histórias de Quirke foram adaptados no Reino Unido?
Sou muito interessado em cinema e TV. Escrevi alguns
roteiros, sempre gostei disso. E o primeiro livro de Benjamin Black, “O Pecado
de Christine”, começou como um roteiro de TV. Uns dez anos atrás foi convidado
a escrever uma minissérie de TV, ambientada nos anos 50. Escrevi três roteiros
de três horas de duração cada um. Quando ficou claro que eles não seriam
filmados, tive a ideia de transformá-los em romance. E foi o que eu
fiz.
O sr. já esteve no Brasil?
Sim, passei uma semana ou duas em São Paulo alguns
anos atrás e visitei Paraty muito rapidamente no caminho para casa. Estou
ansioso por ficar mais tempo desta vez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário