O personagem de Fome, do norueguês Knut Hamsun, prêmio
Nobel de 1920, é intrigante e instigante. Apesar de possuir uma inteligência
singular, vive numa miséria extrema. Não se sabe como o personagem foi parar na
mais absoluta miséria. Mas não abre mão de seu orgulho e da sua honestidade.
Segundo ele próprio “honesto nas profundezas da minha miséria”. Pedir esmola
nem pensar, roubar, menos ainda. Escreve para comer e come para escrever. O
problema é quem nem sempre tem o que escrever nem o que comer. Aí ele entra num
ciclo de devaneios que variam da lucidez a insanidade numa rapidez difícil de
acompanhar. Nunca sabemos qual o seu estado mental.
Quando tem o que escrever e, por
consequência, o que comer continua na miséria por que distribui os parcos
recursos que possui. E quando come, vomita. O personagem tem consciência de que
não está no seu juízo perfeito. Que está na fronteira entre a loucura e
lucidez, quando passava longos períodos sem comer, “era como se o cérebro
lentamente me escorresse para fora da cabeça”. Mas não muda o seu modo de vida.
Hamsun conduz a obra com maestria, colocando os devaneios do seu personagem no
centro das atenções. Alguns consideram o
autor norueguês como um dos criadores do fluxo de consciência (onde os pensamentos
do personagem são retratados sem interrupção).
É uma obra atemporal, com poucas ações. O que prevalece são as reflexões do
personagem-narrador. Por isso Fome é
considerado um livro de vanguarda, para a época em que foi escrito, 1890, com
ingredientes inéditos e cheios de paradoxos. É uma obra repleta de amarguras,
sonhos e descrenças. Mas também, paradoxalmente, de alegrias, otimismo e
esperança. Apesar da miséria reinante na vida do personagem, ele não desperta
no leitor pena, mas admiração e, até mesmo, inveja.
Nenhum comentário:
Postar um comentário