“Tudo o que a humanidade quer saber é se existe ou não um Deus, qual é
a sua relação com Ele, e como é possível a Ele regressar quando Dele se
extravia”.
O escritor australiano Morris
West (1916-1999) passou 12 anos da sua vida em um mosteiro e, embora não tenha
sido ordenado padre por opção própria, o catolicismo nunca deixou de ser um
assunto recorrente em sua obra, além da política internacional. Em As sandálias do pescador, seu décimo
livro, publicado originalmente em 1963, West consegue unir as suas duas
paixões. Em pleno auge da Guerra Fria, com a morte do papa, o vaticano, às
vésperas do Concílio Vaticano II, elege como sucessor um cardeal vindo do Leste
Europeu, recém-saído das masmorras do regime soviético.
“Quando estamos em situação de poder, não nos devemos mostrar humildes
em público, pois uma das funções do governante é reafirmar-se com decisão e
energia”.
Mas ter nascido no Leste europeu
não será o único “pecado” de Kiril Lakota. Desafiando o tradicionalismo do
Vaticano, manteve seu primeiro nome, as insígnias orientais e uma vasta barba
que escondia uma cicatriz, fruto das torturas sofridas no cárcere. Além disso,
estreitou relações com Jéan Télemond, um jesuíta censurado pelo Santo Ofício a longos
anos de silêncio público por causa das suas ideias. Ao mesmo tempo em que ascendia ao trono de
São Pedro, seu torturador, Kamenev, assumia o poder no Kremlin,
estabelecendo-se entre ambos em nome da paz mundial.
“Por que é que Deus onipotente fizera instrumentos humanos capazes de
se revoltar, instrumentos que podia rejeitar os divinos desígnios, ou
degradá-los, ou ainda impedir o seu progresso?”
Em paralelo à ascensão de Kiril,
conhecemos o vaticanista americano George Faber, que luta para vencer a
lentidão do processo de divórcio da sua namorada, Chiara, casada oficialmente
com Corrado Calitri, influente ministro italiano de conduta moral duvidosa,
aspirante ao cargo máximo italiano e muito próximo de figuras influentes do
Vaticano. Confesso que quando li o livro, não consegui evitar uma comparação
com Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco. Resguardando as devidas
proporções, tanto Kiril quanto Francisco assumiu um discurso de rompimento com
determinadas tradições católicas, mesmo que isso não tenha representado muita
coisa na prática.
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