Uma mãe denuncia a escola em que
sua filha estuda por tocar “música demoníaca” durante a apresentação de um
número de dança. A tão mal afamada música é Pererê,
de Ivete Sangalo, uma música bem chinfrim que é difícil até mesmo para o
capeta assumir sua autoria. Mas o tal Pererê citado na música até que é bem
consciente das suas obrigações, como relatado no trecho a seguir: “Pererê
não gosta de fumar cigarro!/ Pererê não bebe quando sai de carro!/ Pererê não
faz amor sem camisinha!”. E a tal “mãe zelosa” ainda diz que a música pertence
ao capeta! Ou o capeta é um sujeito mal afamado ou o deus dela é muito
exigente. Ou as duas coisas! Não é necessário dizer que essa genitora é uma
mulher religiosa....
Custa-me entender como alguém
pode acreditar em algo absolutamente abstrato. E pior: abrir mão dos prazeres
da vida em nome dessa abstração. Pior ainda: apontar o dedo, recriminar,
criticar e, em casos extremos, matar em nome do que essa abstração supostamente
considera a maneira correta de viver. Relegar o prazer ao campo sombrio do
pecado é abrir mão da própria vida. O vício e o prazer fazem parte da natureza
humana, privá-la disso é criar um monstro deformado pela perfeição. É tornar a
existência humana mecânica e insípida. Qual o sentido em viver num mundo que
demoniza o prazer e o vício e onde as melhores coisas que podemos experimentar
são estigmatizadas e consideradas pecados?
Aos treze anos me descobri ateu.
Desde então acredito que fé e necessidade são termos análogos. Não sinto a
necessidade de me apegar a algo abstrato e intangível. No dia que sentir essa
necessidade me prostrarei pateticamente diante de um ídolo qualquer. Ter fé em
um deus é alienar-se da própria liberdade e imputar a algo transcendente um
motivo para viver. É, em nome dessa transcendência, abrir mão do que a vida tem
de melhor e viver estoicamente; é creditar a esse deus as suas boas ações e não
como consequência intrínseca a sua conduta; é responsabilizar esse mesmo deus
pelo que acontece ao seu redor, e não como consequência de atos meramente
humanos.
Cabe exclusivamente a cada um de
nós dá um sentido a nossa existência. Como a maioria das pessoas não tem capacidade
intelectual de fazer isso; como para essas pessoas é impossível superar o
caráter contingente da falta de sentido para sua existência, elas inventam
deus. Se deus não existe, somente nós podemos decidir, sozinhos, o melhor
caminho que determinará nossa vida e nossa essência. Mas o medo e a
insegurança, inerentes à maioria dos humanos, faz com que seja mais seguro que
os outros tomem essas decisões. Nem que esse “outro” seja uma abstração...
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