segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Não se ama quem conhece


Silas era um sujeito na casa dos quarenta e boa pinta: bonitão, elegante, inteligente, discreto e sensato. Fazia muito sucesso com as mulheres. Aquelas que não se sentiam atraídas pelos seus atributos físicos ou pela sua inteligência, com certeza se sentiam pela sua condição financeira: era um sujeito bem sucedido. E fazia sucesso entre as mulheres a ponto de os amigos lhe chamarem de Silas, O Mala.
- De malandro, claro! – apressavam em explicar.
O “quarteto do copo”, como era chamado pelos colegas de trabalho, tinha mais ou menos a mesma idade e se encontrava invariavelmente três vezes por semana naquele boteco mirrado próximo do escritório. O que os atraía naquele boteco era um ar aconchegante e a intimidade com que tratava o garçom, Joca, e o dono do estabelecimento, seu Jorgino, e como esses o tratavam pelo nome.
Edir, Ronilton e Valdo sempre chegavam quinze minutos antes de Silas que, sempre se comportando como a “estrela da companhia”, atrasava a sua saída do escritório pra criar “uma expectativa”, como ele mesmo costumava dizer, com um sorriso cínico. 
Silas era o único solteiro do grupo. Talvez essa fosse a principal razão para a curiosidade que a sua vida amorosa despertava nos colegas.
- Ô Silas – começou Edir – cadê aquela morena que tava com você na nossa festa de confraternização?
- Acabou. – respondeu silas, com ar de pouco caso.
- Porra, cara! Como tu foi deixar um peixão daqueles escapar? – espantou-se Ronilton.
- Muito carinhosa, mas tinha o pé chato. Tipo pé de marreta. Além de ser pouco inteligente.  – Silas falava como quem não estava nem aí, mostrando o próprio pé, como a exemplificar.
Com cara de espanto, os três amigos se perguntavam como o colega deixara aquele mulherão.
- E aquela outra? Uma morena baixinha, mas que tinha um corpo escultural, que veio contigo pra cá no mês passado? – atalhou Valdo.
- Sheila, o nome dela. Muito agradável aquela garota, mas tinha estrias na bunda e falava demais. – Silas continuava com sua cara de despreocupação, como se uma mulher bonita que vai, trazia outras.
Novo olhar de espanto dos colegas.
- E aquela ruiva que você levou para jantar lá em casa? – perguntou Ronilton.
- Muito inteligente aquela garota, mas eu não gostei do cabelo dela. Sem contar que tinha uma risada horrorosa.
- Não estou te entendendo, malandro. - falou Edir. – Como tu acaba o namoro com mulheres lindas, que tem qualidades, como tu mesmo disse...
- Mas tem defeitos – interrompeu Silas – Pelo menos um!
- Como assim? – perguntou Valdo, com um riso de espanto nos lábios.
- Meus caros amigos, - Falou Silas, simulando uma formalidade que não existia entre eles. – Um defeito destrói todas as virtudes.
Todos ficaram com cara de espanto, sem entender direito o que o amigo queria dizer exatamente com aquilo. Apesar do suspense, Silas nada mais disse.
- Tá! – exclamou Edir, como quem quer chegar a uma conclusão definitiva na conversa. – E a Carla, aquela loirinha linda que você estava, qual o problema dela?
- É uma mulher exuberante. – começou Silas – Inteligente, alegre, carinhosa, mas excessivamente dependente emocionalmente.
- Não te entendo, Silas! – falou Valdo. – Definitivamente, não te entendo.
- Pois bem, caros colegas. – falou Silas, simulando, mais uma vez, formalidade. – Me respondam com toda a franqueza: vocês casariam com suas esposas se soubessem dos defeitos que elas possuem e que vocês só perceberam quando já estavam comprometidos? Vocês são felizes com as suas esposas? Será que elas são felizes com vocês?  Não vale mentir! – brincou Silas, encarando, um a um, seus amigos.
Edir ficou a pensar, lembrando-se de Alexandra. Estavam casados há 12 anos e nesse tempo os defeitos dela, que já eram perceptíveis durante o namoro e o noivado, se tornaram escandalosos. Alexandra era egoísta, ególatra, egocêntrica e mitômana.
- Minha mulher come ovo e peida rosbife. – costumava comentar Edir para Valdo, dos amigos o mais íntimo.
Cursara administração de empresas numa faculdade de terceira linha, mas não conseguia administrar nem a própria casa. Trabalha como recepcionista de um primo dentista, apesar do seu português sofrível, em troca de pouco mais de salário mínimo por mês, mas queria viver e gastar como se ganhasse dez vezes mais. A vida sexual já descia ladeira abaixo fazia tempos. Edir achava-a uma mulher sem criatividade nenhuma na cama.
- O que me fez casar com essa mulher? – pensava muitas vezes na cama antes de dormir, enquanto Alexandra roncava ao seu lado. – O que me faz continuar casado com ela?  
Várias vezes se perguntou se Alexandra era feliz com ele. Um sujeito que não era pobretão, mas que nunca passaria do que é hoje. Cartão de crédito estourado, conta bancária sempre no limite, financiamentos, empréstimos, crediários, reclamações, lamentações. Será que ele tem ou já teve amantes? pensou mais de uma vez.
- Eu sou feliz no meu casamento! – falou. – tenho uma esposa sensacional.
Silas olha-o com cara de incredulidade. Não tem tanta intimidade com Edir, mas sabe que a sua vida conjugal, doméstica, financeira, sentimental não é lá grande coisa.
- Acredito, Edir! – fala Silas, com uma ponta de ironia. De imediato vira-se para Valdo.
Valdo pensa em Vanusa, com quem é casado há 11 anos. Quando a conheceu tinha um corpinho escultural. Morena, não muito alta, mas também não podendo ser considerada baixa, Vanusa era a sensação da empresa onde trabalhava. Cobiçadíssima! Em tempos idos, poderíamos chamá-la de “um pitéu”. Começou a namorar Valdo, o que muito o envaidecia, mas logo engravidou, não sobrando alternativas ao jovem casal senão o casamento. 
- Depois do nascimento do Junior a Vanusa engordou um pouquinho. – costumava se lamentar para Edir, seu confidente.
Logo depois veio a Verinha e Vanusa engordou mais. Diríamos que engordou desbragadamente. Deixou toda a sua graça e sensualidade nas duas gravidezes. Aproveitou o ensejo e deixou também o trabalho, o amor próprio, o desejo sexual, a criatividade. Seu intestino começou trabalhar em tempo integral na incessante tarefa de produzir gazes. Era flatulência a noite inteira... e o dia também.  Valdo pulava de amante em amante.
- A minha mulher não se pesa, ela agride a balança. Ainda bem que o Código penal não prevê pena para isso. – dizia entre amargurado e divertido para o amigo Edir.   
Por várias vezes pensou se ela era feliz com a vida que levava. Só saia de casa de vez em quando e sempre acompanhada dos filhos, às vezes com Valdo também. Virou um peixe (mas precisamente um mamífero, no caso uma baleia) fora d’água.
- Qué isso, cara? Sou feliz com a minha família. Sou uma pessoa realizada com a minha mulher e meus filhos.  – respondeu Valdo àquela pergunta capciosa do Silas com cara de indignação.
 Silas vira-se para Ronilton, que o encara pensativo. Casara com Silvia há dez anos e não tivera filhos. A grande vantagem disso é que a esposa mantivera o mesmo corpo perfeito que tinha da época do namoro. É uma mulher muito sensual que atrai olhares por onde passa.  O grande problema de Silvia, segundo Ronilton, era que o que ela tinha de bela tinha de dependente.
- Minha mulher não chupa um bombom sem me perguntar antes. – dizia Ronilton para os amigos.
Ele sonhava com uma esposa independente, que não necessitasse (sim, ela necessitava) de sua proteção e cuidados. Ele desejava uma mulher criativa, que tomasse iniciativas e não esperasse por ele. Ronilton cansara de ser o provedor, o protetor e provedor.
- Eu sou feliz no meu casamento! – respondeu seguro do que dizia.
- Eu acredito em vocês. – falou Silas com cara de quem não acreditava.
- Nós somos felizes nos nossos casamentos.  E você, Silas, é feliz sozinho encontrando defeitos em todo mundo?
- Eu acredito na felicidade de vocês e afirmo: eu também sou feliz! É possível ser feliz até na infelicidade.
Os amigos olhavam para Silas sem entender.
- Eu sou feliz mudando de namoradas a todo instante e encontrando defeitos em todas elas. Outros são felizes vivendo com uma mesma pessoa por anos a fio e apenas suportando-a com seus inúmeros defeitos. Essas pessoas encontram a felicidade não no relacionamento, mas na acomodação que esse relacionamento lhe proporciona.
- Você está querendo dizer que somos acomodados? Ou que estamos acomodados nos nossos casamentos? – perguntou Edir num tom de desafio.
- Absolutamente! Estou apenas reafirmando que vocês me disseram: que são felizes nos seus casamentos. – o olhar de Silas era de ironia.
- Garçom, a conta! – gritou Edir na direção de Joca que estava impassível no seu canto. E feliz!
   

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