Silas era um sujeito na casa dos
quarenta e boa pinta: bonitão, elegante, inteligente, discreto e sensato. Fazia
muito sucesso com as mulheres. Aquelas que não se sentiam atraídas pelos seus
atributos físicos ou pela sua inteligência, com certeza se sentiam pela sua
condição financeira: era um sujeito bem sucedido. E fazia sucesso entre as
mulheres a ponto de os amigos lhe chamarem de Silas, O Mala.
- De malandro, claro! –
apressavam em explicar.
O “quarteto do copo”, como era
chamado pelos colegas de trabalho, tinha mais ou menos a mesma idade e se
encontrava invariavelmente três vezes por semana naquele boteco mirrado próximo
do escritório. O que os atraía naquele boteco era um ar aconchegante e a
intimidade com que tratava o garçom, Joca, e o dono do estabelecimento, seu
Jorgino, e como esses o tratavam pelo nome.
Edir, Ronilton e Valdo sempre
chegavam quinze minutos antes de Silas que, sempre se comportando como a
“estrela da companhia”, atrasava a sua saída do escritório pra criar “uma
expectativa”, como ele mesmo costumava dizer, com um sorriso cínico.
Silas era o único solteiro do
grupo. Talvez essa fosse a principal razão para a curiosidade que a sua vida
amorosa despertava nos colegas.
- Ô Silas – começou Edir – cadê
aquela morena que tava com você na nossa festa de confraternização?
- Acabou. – respondeu silas, com
ar de pouco caso.
- Porra, cara! Como tu foi deixar
um peixão daqueles escapar? – espantou-se Ronilton.
- Muito carinhosa, mas tinha o pé
chato. Tipo pé de marreta. Além de ser pouco inteligente. – Silas falava como quem não estava nem aí,
mostrando o próprio pé, como a exemplificar.
Com cara de espanto, os três
amigos se perguntavam como o colega deixara aquele mulherão.
- E aquela outra? Uma morena
baixinha, mas que tinha um corpo escultural, que veio contigo pra cá no mês
passado? – atalhou Valdo.
- Sheila, o nome dela. Muito
agradável aquela garota, mas tinha estrias na bunda e falava demais. – Silas continuava
com sua cara de despreocupação, como se uma mulher bonita que vai, trazia
outras.
Novo olhar de espanto dos colegas.
- E aquela ruiva que você levou
para jantar lá em casa? – perguntou Ronilton.
- Muito inteligente aquela
garota, mas eu não gostei do cabelo dela. Sem contar que tinha uma risada
horrorosa.
- Não estou te entendendo,
malandro. - falou Edir. – Como tu acaba o namoro com mulheres lindas, que tem
qualidades, como tu mesmo disse...
- Mas tem defeitos – interrompeu
Silas – Pelo menos um!
- Como assim? – perguntou Valdo,
com um riso de espanto nos lábios.
- Meus caros amigos, - Falou
Silas, simulando uma formalidade que não existia entre eles. – Um defeito
destrói todas as virtudes.
Todos ficaram com cara de
espanto, sem entender direito o que o amigo queria dizer exatamente com aquilo.
Apesar do suspense, Silas nada mais disse.
- Tá! – exclamou Edir, como quem
quer chegar a uma conclusão definitiva na conversa. – E a Carla, aquela
loirinha linda que você estava, qual o problema dela?
- É uma mulher exuberante. –
começou Silas – Inteligente, alegre, carinhosa, mas excessivamente dependente
emocionalmente.
- Não te entendo, Silas! – falou
Valdo. – Definitivamente, não te entendo.
- Pois bem, caros colegas. –
falou Silas, simulando, mais uma vez, formalidade. – Me respondam com toda a
franqueza: vocês casariam com suas esposas se soubessem dos defeitos que elas
possuem e que vocês só perceberam quando já estavam comprometidos? Vocês são
felizes com as suas esposas? Será que elas são felizes com vocês? Não vale mentir! – brincou Silas, encarando,
um a um, seus amigos.
Edir ficou a pensar, lembrando-se
de Alexandra. Estavam casados há 12 anos e nesse tempo os defeitos dela, que já
eram perceptíveis durante o namoro e o noivado, se tornaram escandalosos.
Alexandra era egoísta, ególatra, egocêntrica e mitômana.
- Minha mulher come ovo e peida
rosbife. – costumava comentar Edir para Valdo, dos amigos o mais íntimo.
Cursara administração de empresas
numa faculdade de terceira linha, mas não conseguia administrar nem a própria
casa. Trabalha como recepcionista de um primo dentista, apesar do seu português
sofrível, em troca de pouco mais de salário mínimo por mês, mas queria viver e
gastar como se ganhasse dez vezes mais. A vida sexual já descia ladeira abaixo
fazia tempos. Edir achava-a uma mulher sem criatividade nenhuma na cama.
- O que me fez casar com essa
mulher? – pensava muitas vezes na cama antes de dormir, enquanto Alexandra
roncava ao seu lado. – O que me faz continuar casado com ela?
Várias vezes se perguntou se
Alexandra era feliz com ele. Um sujeito que não era pobretão, mas que nunca
passaria do que é hoje. Cartão de crédito estourado, conta bancária sempre no
limite, financiamentos, empréstimos, crediários, reclamações, lamentações. Será
que ele tem ou já teve amantes? pensou mais de uma vez.
- Eu sou feliz no meu casamento!
– falou. – tenho uma esposa sensacional.
Silas olha-o com cara de
incredulidade. Não tem tanta intimidade com Edir, mas sabe que a sua vida
conjugal, doméstica, financeira, sentimental não é lá grande coisa.
- Acredito, Edir! – fala Silas,
com uma ponta de ironia. De imediato vira-se para Valdo.
Valdo pensa em Vanusa, com quem é
casado há 11 anos. Quando a conheceu tinha um corpinho escultural. Morena, não
muito alta, mas também não podendo ser considerada baixa, Vanusa era a sensação
da empresa onde trabalhava. Cobiçadíssima! Em tempos idos, poderíamos chamá-la
de “um pitéu”. Começou a namorar Valdo, o que muito o envaidecia, mas logo
engravidou, não sobrando alternativas ao jovem casal senão o casamento.
- Depois do nascimento do Junior
a Vanusa engordou um pouquinho. – costumava se lamentar para Edir, seu
confidente.
Logo depois veio a Verinha e
Vanusa engordou mais. Diríamos que engordou desbragadamente. Deixou toda a sua
graça e sensualidade nas duas gravidezes. Aproveitou o ensejo e deixou também o
trabalho, o amor próprio, o desejo sexual, a criatividade. Seu intestino
começou trabalhar em tempo integral na incessante tarefa de produzir gazes. Era
flatulência a noite inteira... e o dia também.
Valdo pulava de amante em amante.
- A minha mulher não se pesa, ela
agride a balança. Ainda bem que o Código penal não prevê pena para isso. –
dizia entre amargurado e divertido para o amigo Edir.
Por várias vezes pensou se ela
era feliz com a vida que levava. Só saia de casa de vez em quando e sempre
acompanhada dos filhos, às vezes com Valdo também. Virou um peixe (mas
precisamente um mamífero, no caso uma baleia) fora d’água.
- Qué isso, cara? Sou feliz com a
minha família. Sou uma pessoa realizada com a minha mulher e meus filhos. – respondeu Valdo àquela pergunta capciosa do
Silas com cara de indignação.
Silas vira-se para Ronilton, que o encara
pensativo. Casara com Silvia há dez anos e não tivera filhos. A grande vantagem
disso é que a esposa mantivera o mesmo corpo perfeito que tinha da época do
namoro. É uma mulher muito sensual que atrai olhares por onde passa. O grande problema de Silvia, segundo Ronilton,
era que o que ela tinha de bela tinha de dependente.
- Minha mulher não chupa um
bombom sem me perguntar antes. – dizia Ronilton para os amigos.
Ele sonhava com uma esposa
independente, que não necessitasse (sim, ela necessitava) de sua proteção e
cuidados. Ele desejava uma mulher criativa, que tomasse iniciativas e não
esperasse por ele. Ronilton cansara de ser o provedor, o protetor e provedor.
- Eu sou feliz no meu casamento!
– respondeu seguro do que dizia.
- Eu acredito em vocês. – falou
Silas com cara de quem não acreditava.
- Nós somos felizes nos nossos
casamentos. E você, Silas, é feliz
sozinho encontrando defeitos em todo mundo?
- Eu acredito na felicidade de
vocês e afirmo: eu também sou feliz! É possível ser feliz até na infelicidade.
Os amigos olhavam para Silas sem
entender.
- Eu sou feliz mudando de
namoradas a todo instante e encontrando defeitos em todas elas. Outros são
felizes vivendo com uma mesma pessoa por anos a fio e apenas suportando-a com
seus inúmeros defeitos. Essas pessoas encontram a felicidade não no
relacionamento, mas na acomodação que esse relacionamento lhe proporciona.
- Você está querendo dizer que
somos acomodados? Ou que estamos acomodados nos nossos casamentos? – perguntou
Edir num tom de desafio.
- Absolutamente! Estou apenas
reafirmando que vocês me disseram: que são felizes nos seus casamentos. – o
olhar de Silas era de ironia.
- Garçom, a conta! – gritou Edir
na direção de Joca que estava impassível no seu canto. E feliz!
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