O projeto era comercialmente
ousado: escrever, em três volumes, uma biografia de Getúlio Vargas, o
presidente que mais tempo ocupou o cargo e que, até hoje, desperta paixões. O
primeiro volume, e o mais difícil de escrever, cobre o período desde o
nascimento de Getúlio, em 1882, até sua chegada ao poder, em 1930. Difícil
porque cobre um período pouco conhecido do político, suas biografias mais
conhecidas se preocupam com o período em que ele já milita na política
rio-grandense. O que se vê é uma família encalacrada em escândalos e sempre se
valendo da proximidade com os poderosos para se safar de eventuais punições.
Quando ainda estudantes, Getúlio
e seus irmãos, Viriato e Protásio, se envolveram no caso nebuloso do
assassinato do estudante paulista da família Almeida Prado. De imediato, seu
pai, um estancieiro poderoso do Rio Grande do Sul, tratou de providenciar a
fuga do irmão mais velho (Viriato), maio envolvido no caso, e retirou os outros
dois de Minas Gerais e tratou de, através de influências políticas, abafar o
escândalo. Viriato viria a se envolver em outros crimes, tratados da mesma
forma pelo pai e pelo já advogado Getúlio Dorneles Vargas. Um período difícil
de cobrir, pois os documentos são escassos, pouco conhecidos e estavam
espalhados em várias partes do Brasil.
O segundo volume cobre a primeira
fase do governo Getúlio, de 1930 a 1945. Chegando ao poder através de um
levante, o livro deixa a impressão que Getúlio mais foi levado pelos
acontecimentos do que liderou o movimento. Vacilante, nos documentos escritos
deixados por ele, é possível antever o que aconteceria em 1954. Getúlio já
demonstrava, em 1930, que tinha uma propensão ao suicídio. Outro traço marcante
do politico que é possível vislumbrar nesse volume é a sua astúcia e jogo de
cintura para solucionar os problemas dentro do “balaio de gato” que era o grupo
que o levou ao poder.
O terceiro e último volume cobre
desde a sua deposição, em 1945, até o suicídio, em 1954. Nesse volume é
possível ver o tamanho da liderança que Getúlio representava. Mesmo apeado do
poder sob uma chuva de denúncias, consegue se eleger deputado e senador por
vários estados da federação (a legislação eleitoral da época permitia) e, mesmo
não cumprindo seu mandato e se refugiando na sua estância no sul, consegue se
eleger presidente da República. Mas também é possível ver novamente um líder
vacilante. Só decide se candidatar a presidente depois de muita pressão dos
seus correligionários e na última hora. Difícil é saber se ele estava em dúvida
sobre a viabilidade da candidatura ou se era uma “jogada” de mestre.
A escrita do jornalista cearense
Lira Neto é fluida e gostosa, não é necessário ser do ramo para entender os
meandros dos aspectos históricos narrados nos três volumes. Seus textos, mesmo
sendo de história, mais parecem romances. No entanto, essa obra não fugiu das
polêmicas. Outros autores, entre eles Juremir Machado, autor de um romance
histórico sobre Getúlio, afirma que documentos tratados como “inéditos”, já
constam de outros livros há vários anos. Entre esses documentos está o discurso
da formatura em direito, em 1907, quando Getúlio faz severas críticas à mulher
e ao cristianismo e sua moral sexual, revelando seu ateísmo que o acompanharia
por toda a vida.
Polêmicas a parte, é um livro que
desnuda um dos maiores políticos da história do Brasil, um líder incontestável
que, no início da carreira assumiu posições que poderiam ter enterrado a
carreira política de muitos, mas não de um mito.
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