Antônio pertencia a uma família
tradicionalíssima do interior e casara-se cedo, muito cedo, antes mesmo de
acabar a adolescência. Ainda se lembrava do dia em que seu pai, seu Francisco Damásio,
o chamara na sala após o almoço.
- Tá na hora de você deixar de
usar essas calças curtas e virar homem. – dissera com autoridade.
- Sim senhor.
- Ainda esse ano você vai casar
com a filha do Firmino. – dissera o pai sem hesitação.
Aquela notícia abalara
sobremaneira Antônio, que só tivera forças para perguntar:
- Qual delas?
- A mais nova. Pode ir embora. – respondera
seu Francisco, mal olhando para o filho ao dá a ordem de retirada.
Tinha-a visto quando ela tinha
seis anos. Chamava-se Ângela e era quatro anos mais nova que ele. Voltou a
vê-la no jantar de noivado com as duas famílias. Ela não é feia, pensou Antônio
à mesa ao avistá-la. A cerimônia de casamento se dera na propriedade do pai de
Antônio e reunira a maioria dos fazendeiros da região.
Passaram dez anos casados e,
nesse período, tiveram dois filhos, se mudaram para a cidade, abriram um
mercado de secos e molhados e tornaram-se independentes do seu Francisco.
Era uma relação tranquila, de
respeito mútuo, não se tinha notícias de brigas entre ambos, nem mesmo de uma
leve discussão. Ângela era daquelas mulheres que aceitava tudo o que as
circunstâncias lhe ofereciam. Sobravam elogios à conduta de sua conduta:
- É uma senhora séria – diziam
uns.
- Uma mulher trabalhadeira. –
diziam outros.
- Uma mãe de família exemplar. –
complementavam outros.
Todas admiravam a postura de
Ângela, menos Antônio.
Com a morte do velho, Antônio viu
a possibilidade de libertar-se próxima. Liberdade não só para ele, mas para ela
também.
Depois de um dia de trabalho, o
casal estava fazendo o que sempre faziam a noite: assistindo TV enquanto não
chegava a hora de colocar as crianças para dormir e irem dormir também. Antônio
aproveitou para tocar no assunto:
- Ângela, sei que você não casou
comigo por que quis. Eu também não! Então por que não aproveitamos que o meu
pai e o seu já morreram e começamos uma vida que gostaríamos de ter tido desde
o inicio?
- O que você quer dizer com isso?
– Ângela mostrava fragilidade na voz. Ela sabia o que ele queria dizer com
aquilo.
- Por que não nos separamos? –
Antônio falou de supetão.
- E eu e as crianças? Como
ficaremos? – ela demonstrava menos aflição do que uma simples dúvida.
- Quanto a você, continuamos
sócios no mercado. Você terá seu dinheiro para sobreviver. Quanto às crianças,
continuo pai delas, darei toda a assistência necessária.
Ângela relutara por alguns dias,
mas acabara concordando com o arranjo que Antônio lhe propusera. Deram uma
desculpa qualquer para as crianças, ele pegara suas roupas, alugara um pequeno
apartamento e mudara-se.
Mas as desculpas dadas aos filhos
não serviram para os parentes de ambos. A mãe de Ângela passou três dias de
cama, com a pressão nas alturas; a mãe de Antônio disse que aquilo era coisa do
capeta e encomendou um missa ao padre Borba para tirar o tinhoso da vida do
filho. Para não perder a viajem, apesar de ser mulher de rígidos princípios
católicos, encomendou um culto ao pastor Severiano. Se não fizesse bem, mal não
faria!
Mas nada demoveu Antônio do seu
propósito: o passamento da sogra, as rezas da mãe, os apelos das irmãs, os
xingamentos dos irmãos. Antônio queria a sua liberdade!
A concordância de Ângela
representava um sinal verde, uma verdadeira carta de alforria. Era somente
começar a viver!
E ele fez isso com vontade! Passou
a comprar roupas e sapatos com mais frequência e saía todas as noites com
amigos ou sozinho, mas quase não bebia, apenas um copo de cerveja era
suficiente para deixa-lo tonto. O seu negócio era as companhias femininas.
Passou a frequentar não locais de reputação duvidosa, mas locais de reputação
reconhecidamente negativa. Eram bares, boates, prostíbulos, saunas, inferninhos
e tudo o que lhe proporcionasse algum tipo de prazer.
A separação também fez bem à
Ângela. Passou a maquiar-se levemente, a usar roupas discretamente mais sensuais,
brincos e outras joias. Antônio gostava de vê-la daquele jeito, mas não
cogitava reatar o casamento.
Mas a vontade de viver de Antônio
esbarrava na sua ingenuidade em relação às mulheres e o sexo.
- Quando chegou a hora de
aprender algo sobre o assunto, tive que casar. O casamento não é o lugar mais
adequado para aprender sobre sexo. – costumava dizer aos amigos, que o
aconselhava:
- Cuidado rapaz, tem muita
vigarista por aí.
- Fica tranquilo, eu me viro. –
sempre respondia Antônio, com ar de felicidade.
Antônio costumava frequentar uma
boate de nome sugestivo, “Potência máxima” às sextas-feiras. Sempre chegava por
volta das 22 horas e ficava por ali, fazia de conta que bebericava uma cerveja,
chamava alguma garota para dançar, circulava e conversava com alguns
conhecidos.
Naquela sexta-feira ele percebeu
que havia uma cara nova na área. Uma morena de corpo perfeito, cabelos longos,
que usava uma calça justíssima, despertando sua imaginação lascivamente.
Aproximaram-se. Meu nome é
Antônio! Meu nome é Angélica! Dançaram, beberam, beijaram. Voltaram a dançar, a
beber e a dançar. Foram para o apartamento de Antônio e dormiram. Antônio
estava embriagado!
Nos dias seguintes não se
desgrudaram. Andavam de mãos dadas para todos os lados. Logo os amigos de Antônio
se pronunciaram:
- Antônio toma cuidado, essa
mulher não vale nada. – falava um.
- Antônio, metade da garotada das
redondezas perdeu a virgindade com ela. – falava outro.
- Tanto que a chamam a boca miúda
de “Angélica tira selo” – complementara um terceiro.
Todos tinham uma crítica a fazer
sobre a vida de Angélica, menos Antônio.
Antônio só ouvia com a fisionomia
impassível. Estava feliz!
Não que os amigos de Antônio não
tivessem razão sobre a vida pregressa de angélica. Associar a sua vida sexual a
animais como tradicionalmente é feito nessas ocasiões não era suficiente.
Associá-la a cachorra, galinha ou piranha não diminuía o ímpeto com que todos
queriam julgá-la. Se procurassem um animal para comparar com a vida sexual da
amada de Antônio, esse animal seria uma mistura de quero-quero com pica-pau.
Mas para Antônio nada disso estava importando. Ele estava feliz!
Angélica era inteligente, muito
bonita, um corpo sinuoso e tinha aquela carinha de menina que sempre está
aprontando alguma coisa de errado. E quase sempre estava!
Logo os amigos a acorreram
novamente à Antônio.
- Fulano viu Angélica com um cara
no bar do Miro. – dizia um.
- Sicrano viu Angélica entrando
num motel com um sujeito. – alertava outro.
- Beltrano falou pra quem queria
ouvir que saiu com Angélica ontem à noite. – proclamava um terceiro.
Todos tinham uma palavra negativa
para falar sobre Angélica. Menos Antônio!
Antônio nada ouvia. E se ouvia
não estava nem aí. Somente um sorrisinho no canto de boca denunciava que ele
não estava alheio a tudo.
Ele estava feliz.
Ele era feliz.
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