“Então como é que um sujeito podia perder os braços e as pernas e os
ouvidos e os olhos e o nariz e a boca e ainda continuar vivo? Que sentido podia
fazer uma coisa dessas?”
Tomei conhecimento da existência
de Dalton Trumbo quando achei a sua biografia, Trumbo: a vida do roteirista e ganhador do Oscar que derrubou a lista
negra de Hollywood, do jornalista Bruce Cook, sobre a qual já falei aqui, por um preço baratinho. Minha ignorância
tem uma explicação: Dalton Trumbo era mais roteirista do que romancista, seus
maiores sucessos aconteceram no cinema, como o roteiro de Papillon, de 1973, e quem me conhece sabe que sou mais adepto da
sexta arte. E foi lendo a biografia do homem que se recusou a delatar seus
colegas de Hollywood (e foi condenado por isso) que soube de Johnny vai à guerra, seu romance
pacifista de 1939, inspirado num artigo que Trumbo leu sobre um soldado que
voltava da guerra desfigurado.
“Quatro ou talvez cinco milhões de pessoas mortas e nenhuma delas
desejando morrer enquanto centenas talvez milhões resultavam loucas ou cegas ou
aleijadas e não conseguiam morrer por mais que tentassem com afinco”.
O livro é narrado por Joe Bonham,
um jovem que levava uma vida banal nos Estados Unidos: tinha uma namorada, um
trabalho e rusgas constantes com os pais. Até que Joe foi recrutado para a
guerra. Muitos perdem a vida na guerra, outros são mutilados. Joe volta da
guerra numa situação pior do que a maioria dos ex-combatentes. Perdeu tanto a
vida quanto o direito de morrer. Atingido por uma explosão, perde braços,
pernas e tem o rosto completamente destruído, a ponto de ficar sem visão,
audição e fala. Mas não sofre nenhum dano cerebral, ficando preso a uma cama de
hospital e ao seu corpo dilacerado. A partir daí o leitor viaja nas memórias de
Joe e em sua obsessão em se comunicar com um mundo exterior que não sabia nem
identificar a sua nacionalidade.
“Que raio lhe interessa sua pátria depois que você está morto? É terra
natal de quem quando você já morreu?”
O livro foi lançado num momento
especialmente delicado, quando tinha início a Segunda Guerra Mundial e os
Estados Unidos teriam que recrutar milhares de jovens para as Forças Armadas.
Em 1943, pressionado pela imprensa e pelo Governo, Trumbo e seus editores
decidem suspender a reimpressão da obra. Chocante por mostrar a violência da
guerra (de qualquer guerra) por um novo ângulo, o livro se revela um verdadeiro
soco no estômago. Em 1971 foi transformado num filme homônimo e, pela primeira
e única vez, Trumbo ocupou a cadeira de diretor. O livro também foi inspiração
para a música One, da banda
Metallica.
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