“Fiz tudo o que a vida me apresentou e o meu ser exigia para se
realizar com integridade. E me deixaram fazer tudo, por que eu era doido,
coitado. Resultou disso uma existência sem complexos, de que não posso me
queixar um nada”.
Além de ter uma vasta produção
literária, com mais de duas dezenas de livros publicados ainda em vida, Mário
de Andrade foi polígrafo, ou seja, escreveu poesia, romance, crônica e conto.
Sem contar que foi um dos líderes do movimento modernista brasileiro que
aplicou novos princípios estéticos à arte brasileira a partir das vanguardas
europeias e um projeto de cultura genuinamente nacional. Contos novos é um livro póstumo, publicado em 1947 (o escritor
morreu em 1945), que reúne nove contos escritor na maturidade artística do
autor. Contos escritos e reescritos, já que Mário era um perfeccionista quando
o assunto era a língua portuguesa. E como ele não era de guardar rascunhos, as
várias edições dessa obra foram tentando se aproximar da verdadeira linguagem
de Mário, um obcecado pelo português falado nos rincões do país.
Dos nove contos, quatro são
narrados em primeira pessoa (Vestida de
preto, O peru de Natal, Frederico paciência e Tempo de camisolinha) e tem como traço comum o fato de ser narrado
pelo mesmo personagem, Juca, cuja personalidade é moldada a partir das suas
experiências de rejeição e repressão. No ultimo caso, destaca-se a figura
paterna, presente nos contos Tempo de
camisolinha, quando Juca é obrigado a cortar o cabelo e perde os cachos de
que tanto gostava (alegoria da castração); e Peru de Natal, quando a família aproveita o primeiro Natal após a
morte do patriarca, que era avesso a festas, para fazer uma celebração.
Os outros cinco contos são
narrados em terceira pessoa e deles se sobressaem duas imagens: a solidão e
solidariedade. Em Nelson, o
personagem misterioso sentado num bar não tem uma história precisa, mas apenas
boatos. Em O ladrão, o alarde da
presença de um fora da lei leva os moradores da rua para fora das suas casas
durante a noite. Depois da revelação de várias histórias paralelas e sem
encontrar o ladrão, todos retornam para a solidão dos seus lares. Por fim, mais
solitária do que Mademoiselle é impossível. Quarentona e virgem, trabalha como
dama de companhia de meninas ricas que certa vez lhes contam a história de um
homem em atitude suspeita atrás da catedral francesa de Ruão. Perturbada mas
cheia de desejos, mademoiselle passa a fazer com que todos os seus trajetos
passem por traz das igrejas de São Paulo.
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