domingo, 15 de abril de 2018

Enclausurado – Ian McEwan


“Considero-me um inocente, descomprometido com lealdades e obrigações, um espírito livre, apesar do pouco espaço de que disponho”.
Não é a toa que Ian McEwan é considerado o melhor escritor britânico em atividade. A ideia de escrever Enclausurado, seu mais recente romance, publicado em 2016, surgiu quando conversava com sua nora grávida. Chamado por vezes de “Ian Macabro” por causa da natureza das suas primeiras obras, publicadas em meados dos anos 70, McEwan usou do humor, da inteligência e de uma criatividade espantosa para transformar um feto no narrador da história desse livro. E não é um narrador qualquer, mas um narrador que tem opiniões refinadas sobre vinhos e guerras e que se defronta com questões éticas e existenciais antes mesmo de nascer.
“Nem todo mundo sabe o que é ter o pênis do rival do seu pai a centímetros do seu nariz”.
O humor refinado de Ewan se faz presente já nas primeiras linhas do livro: “Então aqui estou, de cabeça para baixo, dentro de uma mulher. Braços cruzados pacientemente, esperando, esperando e me perguntando dentro de quem estou, o que me aguarda”. Obviamente que o narrador, um feto que ainda não nasceu, não tem nome, mas conta a história de Trudy Caincross, sua mãe, que ao lado do amante e cunhado Claude Caincross, trama a morte do marido, John Caincross, que vem a ser o pai do feto-narrador. O objetivo de Trudy é ficar com a mansão que John recebeu como herança dos pais.
“Quando o amor morre e um casamento se desfaz, a primeira vítima é a lembrança sincera, a recordação decente e imparcial do passado”.
Do útero materno, o narrador pensa numa forma de evitar o assassinato do próprio pai. Mas como fazer isso? Se não conseguir evitar o crime, deve se vingar dos assassinos no futuro? Mesmo sendo a sua mãe a assassina? São dilemas shakespearianos como esses que povoam a mente ainda em formação do pequeno feto. Entre um dilema e outro, o narrador tece opiniões sobre os vinhos tomados pela mãe durante os fogosos jogos sexuais com o amante e cúmplice. Num tom notadamente irônico, McEwan tenta, e surpreendentemente consegue, passar ao leitor a experiência de ser um feto prestes a nascer envolvido numa trama de assassinato. 

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