”Bukowski não perdia tempo com drogas, mas era um bêbado
barulhento”.
Começo com uma pergunta: se os
textos de Charles Bukowski são autobiográficos, o que há mais para se saber
sobre a sua vida? O jornalista britânico Howard Sounes não conheceu Charles
Bukowski. Quando ele começou a trabalhar na biografia, o autor já tinha
morrido. Todas as histórias de Bukowski:
vida e loucuras de um velho safado, publicado originalmente em 1998 (aqui
no Brasil, em 2016), foram contadas a partir de entrevistas com amigos,
amantes, colegas de trabalho, editores e familiares. Como Bukowski era um
missivista fértil, sua correspondência com amigos e amantes também foi
fundamental para traçar não apenas um perfil literário, mas para desvendar o
que pensava e como pensava esse escritor de textos ácidos e mal humorados (e ao
mesmo tempo cômicos).
“A crueldade do pai foi o que mais influenciou a personalidade de
Bukowski, seguida de perto da acne desfiguradora que estourou quando tinha
treze anos”.
Nascido na Alemanha, filho de mãe
alemã e pai americano (um soldado que foi para a Europa durante a I guerra),
migrou ainda criança para os Estados Unidos. Com um pai violento e autoritário,
uma mãe omissa e um problema terrível de acne, Bukowski teve uma infância e
adolescência difíceis. Ainda criança, foi diagnosticado com dislexia, o que
despertou a ira paterna, que atribuía seu mal desempenho escolar à falta de
vontade de estudar. Some-se à essa
relação conflituosa com pai, o seu problema de espinhas, que dificultava a sua
sociabilidade. “Uma infância atormentada
me fodeu. Mas é assim que sou, então vou viver com isso”. Em cartas a
amigos e entrevistas, o escritor dizia que sua infância foi “triste e assustadora”. Expulso de casa, entregou-se à bebida e
vagou pelo país, sem dinheiro e sem destino. Alistou-se voluntariamente no
recrutamento para a segunda Guerra Mundial, mas, apesar de passar no exame
físico, foi dispensado por problemas mentais e classificado como 4-F, que
significava “psicopata”.
“fante era meu Deus. Ele viria a influenciar minha obra por toda a
vida” (Charles Bukowski).
A vida sexual de Bukowski era um
problema a parte. Perdeu a virgindade com uma prostituta depois dos vinte anos
e conheceu seu grande amor somente aos vinte e oito. Jane Cooney Baker, dez
anos mais velha que ele, era uma alcoólatra que perdera o contato com a família
e morreu antes dele fazer sucesso. Apesar da relação turbulenta, Jane inspirou
o que há de melhor na obra de Bukowski. E a relação com as mulheres que
passaram em sua vida não foi diferente em termos de turbulência. Para piorar, muitas
delas só vieram descobrir que ele as usava como matéria-prima para seus
romances quando foi publicado Mulheres, seu
terceiro romance, em 1978. Mesmo mudando os nomes e declarando que aquilo tudo
era ficção, causou constrangimento para muitas ex-namoradas ver detalhes
íntimos (inclusive sexual) expostos no livro.
“Uma das principais objeções de Bukowski aos escritores Beat era que
muitos deles eram homossexuais”.
Se a vida sexual de Bukowski
começou tarde, o sucesso também. Apesar de ver vários dos seus textos em pequenas
revistas de público restrito, o primeiro livro, Cartas na rua, só foi publicado em 1960, quando o autor tinha
quarenta anos. Nele, aparece pela primeira vez Henry Chinaski, alterego do
autor. Respondendo a pergunta do início desse texto, a obra de Sounes é
importante, pois ele desmistifica algumas das histórias contadas por Bukowski
nos seus livros, ou seja, é a mesma história sob um ponto de vista diferente. E
faz tudo isso com uma narrativa ágil, fluente e límpido, sem afetações
estilísticas. E ainda mostra um lado pouco conhecido do autor, como a
homofobia, uma das razões para ele desprezar os escritores Beat, na maioria homossexuais, segundo Bukowski. Mas nem os defeitos tiram a
genialidade do “Velho safado”.
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