“Não sei se há alguma contradição nisso. Depois que fiz o disco (As
quatro estações), comecei a achar que Deus não existe”, Renato Russo, ao ser
questionado pelo jornal O Globo se era compatível ser cristão e gostar de se
relacionar com ambos os sexos.
Em 2010, a jornalista e
pesquisadora Chris Fuscaldo foi contratada pela gravadora EMI para escrever
textos para o relançamento em CD da discografia completa da Legião Urbana que
seria lançada naquele ano. Naquela ocasião, a edição mal feita pela gravadora gerou
a insatisfação da autora. Depois de realizar novas entrevistas e apurar mais
informações, tendo como base os textos de 2010, Fuscaldo publicou, no ano
passado, durante as celebrações dos vinte anos da morte do líder da banda, Discobiografia legionária, um apanhado
de histórias acontecidas dentro dos estúdios enquanto a banda gravava seus
discos.
O livro se divide em três partes.
Na primeira delas, Discos de estúdio, fala
sobre os bastidores dos oito discos que a banda gravou. A primeira curiosidade
está logo no primeiro disco, Legião
Urbana, gravado em 1985, quando Renato, ainda um cantor desconhecido, não
facilitou a vida da gravadora. Segundo Jorge Davidson, gerente artístico da
EMI-Odeon, gravadora com quem o grupo iria assinar um contrato para a gravação
de três discos afirma que Renato Russo “não
foi humilde nem se emocionou, mas se mostrou gentil e agradável. Fez uma série
de perguntas, como se já fosse um artista em negociação”.
Outra curiosidade está no
terceiro disco, Que país é esse 1978/1985,
lançado em 1987, que foi gravado às pressas, em pouco mais de um mês, por
três motivos: a gravadora estava cobrando que a banda fechasse logo o ciclo dos
três primeiros discos em 36 meses, prazo já estourado; Renato vivia uma crise
de criatividade; e o cantor temia perder para a nova banda dos irmãos Lemos (Fê
e Flávio), Capital Inicial, as músicas que o trio tocava na época do Aborto
Elétrico. A gravação desse disco também é marcada pelo inicio da crise que
levaria a expulsão do baixista Renato Rocha da banda por chegar reiteradamente
atrasado ás gravações, perder voos e também por, do ponto de vista dos demais
integrantes do grupo, não se dedicar às composições como deveria.
A segunda parte do livro, Discos ao vivo e coletâneas, mostra que Música para acampamento, disco lançado
em 1992, tinha uma única finalidade: ganhar dinheiro. “Não foi um álbum de carreira, foi um disco para a gente levantar
recursos”, lembra Rafael Borges, então empresário da banda. Como a turnê do
disco V, lançado no ano anterior,
tinha sido suspensa para Renato se tratar dos seus vícios (álcool e heroína),
da depressão e da doença descoberta em 1990, a banda passava por problemas
financeiros. No entanto, o mesmo Rafael tenta minimizar, afirmando que Renato, “jamais faria algo puramente mercantilista”.
Por isso, mesmo a distância, o vocalista quis dar aos fãs um disco que fosse
relevante e não uma simples repetição, resgatando participações em programas de
rádios, em ensaios e em shows para compor um disco ao vivo.
No disco Acústico MTV, os dramas de Renato tiraram o sono da direção da TV
especializada em música. Alguns minutos antes de começar a gravação, Renato,
ainda no hotel, desistiu de gravar o show alegando dúvidas com relação ao
repertório. Problema contornado, foi a vez do baterista Marcelo Bonfá, que
resistiu até o último minuto em trocar as baquetas pela vassourinha de jazz,
usadas no formato umplugged.
A terceira e última parte, Discos solos, fala sobre os discos que
foram lançados sem a participação dos demais membros da banda. No entanto,
somente os dois primeiros, The Stonewall
Celebration Concert, lançado em 1994, e Equilíbrio
distante, de 1995, são projetos pessoais de Renato Russo. Os demais são
projetos da gravadora com o intuito, é o que se percebe, de ganhar dinheiro
após a morte do músico. The Stonewall
Celebration Concert, planejado por Renato desde o ano anterior, foi uma
forma do músico manifestar a sua militância pelos direitos dos homossexuais.
Stonewall Inn é o nome do bar em Nova York onde, no fim da década de 60, gays
entraram em confronto com a polícia. Já Equilíbrio
distante foi uma realização pessoal de Renato, descendente de italianos,
que queria conhecer suas origens e falar o idioma italiano sem sotaque. Apesar
da depressão que o acometeu durante as gravações, é divertido conhecer as
histórias que envolvem a produção desse disco.
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