“Os sapatos amarelos pareciam estar perfeitamente a vontade arqueados;
era como se ele estivesse esticando um músculo caído em desuso”.
Tomei conhecimento da história do
pintor dinamarquês Einar Wegener quando me falaram do filme A garota dinamarquesa. Descobri que o
filme, na realidade, é uma adaptação do romance homônimo do escritor norte-americano
David Ebershoff, publicado no ano 2000. Professor de escrita literária da
Universidade de Colúmbia e editor da Random House, um das principais editoras
em língua inglesa do mundo, Ebershoff ganhou o Prêmio Literário Lambda, no
mesmo ano de publicação do livro, e figurou nos dois anos seguintes como uma
das cem pessoas LGBT mais influentes, elaborada pela revista Out.
“Muitas coisas são ditas na grande caverna do matrimônio, e felizmente
a maioria delas fica pairando inofensiva, negra, pequena e de cabeça para baixo
feito um morcego adormecido”.
O próprio Ebershoff explica que o
romance “contêm
alguns fatos importantes acerca da transformação de Einar, mas os detalhes da
história são invenções da minha imaginação”. Einar Wegener era um pintor
famoso nos anos 20 pelas suas pinturas de paisagens e pântanos. Casado com a
também pintora Greta, que tenta se firmar pintando retratos para os burgueses
de Copenhague, Einar é pego de surpresa com um pedido da esposa. Como a sua
modelo tinha faltado à sessão, Greta pede ao marido que coloque um vestido e
pose para ela, a fim de terminar o quadro mais rapidamente.
“Lili olhou para Greta, que usava um vestido preto, e sentiu-se grata
por tudo que jazia à sua frente. Do nada surgira Lili. Sim, era preciso
agradecer a Greta”.
Esse acontecimento representará
um divisor de águas no casamento de ambos. Foi como se um gatilho tivesse sido
acionado na alma de Einar. Outras vezes Greta fez o mesmo pedido e, gostando da
brincadeira, sugeriu a Einar que comparecesse a festas como Lili Elbe, a prima
de Einar. O que, à princípio, era apenas uma brincadeira do casal para ajudar
Greta a pintar quadros, se transforma numa segunda personalidade de Einar. Lili
começa a sair e atrair a atenção de rapazes na rua, “aparece” em casa sem se
fazer anunciar e, como se fosse outra pessoa, se mostra linda e doce para
Greta.
“Tinha a impressão de ter a alma presa numa jaula de ferro forjado: era
o seu coração enfiando o focinho nas costelas, enquanto Lili mexia-se lá no
fundo, despertando e esfregando o lado do corpo nas barras do corpo de
Einar”.
Fazendo inúmeras pinturas tendo Lili como tema,
Greta se torna uma pintora famosa e valorizada, e Einar vai descobrindo cada
vez mais sua verdadeira personalidade. A partir de 1929, Einar/Lili, certa do
que quer, se submete a cirurgia de mudança de sexo, algo considerado incomum e,
para muitos médicos, impossível. Apesar de a história girar em torno de Einar/Lili
é impossível não observar a força de Greta, uma mulher quer percebe seu marido
se descobrindo outra pessoa e o apoia de forma irrestrita. Mesmo sendo
classificada como uma história de ficção é inspirada em personagens reais e,
por que não dizer, fortes, que enfrentaram a sociedade em que viviam e
trouxeram, nos longínquos anos 30, uma discussão sobre sexo e gênero.
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