domingo, 6 de maio de 2018

Pornopopéia – Reinaldo Moraes


“A alma, como se sabe, é um organismo arcaico com três órgãos: miolos, estômago e genitália”.
Reinaldo Moraes é daqueles escritores cuja obra podemos enquadrar como “maldita” ou “marginal” (isso é um elogio!). É o que costumo chamar de literatura “neurótica” (outro elogio!), onde não há mocinhos e vilões, ou todos são mocinhos e vilões, os protagonistas vivem à margem de todas as convenções, mergulhados em vícios e loucuras.   Li  Pornopopéia, pela primeira vez em 2012, quando comprei o livro “às cegas”, nunca tinha ouvido falar nem da obra nem do autor. Um bom livro é aquele em que o autor diz o que quer dizer de forma acessível e ainda desperta a curiosidade do leitor para outros livros do mesmo autor. Pornopopéia é isso. O leitor não consegue desgrudar dele e ainda fica curioso em ler a obra de Reinaldo.  
“Quero morrer gordo e barrigudo, pesando de dois a três engradados de cerveja acima do peso ideal”.
O livro é uma baixaria de alto nível, inspirada, criativa e engraçadíssima. Zeca, o personagem-narrador, é um ex cineasta, à frente de uma produtora falida,  que vive na base do improviso, sem dinheiro, sem trabalho (ou quando consegue é de baixa remuneração e qualidade duvidosa), e com uma disposição indisfarçável e ilimitada para se meter em confusão. “Respeite o meu baixo nível, é o alto favor que lhe peço. Faça da minha vulgaridade um parque para as suas diversões”, diz Zeca. Extremamente crítico com relação a tudo e todos, menos com ele mesmo, só encontra a ternura ao lembrar-se do filho, Pedrinho. Mas a sua participação como pai resume-se a levar o garoto, esporadicamente, ao shopping para ficar subindo e descendo a escada rolante.
“Pra que nomes quando se está dentro de uma buceta? Tanto que só dão nome às pessoas quando elas saem de lá”.
Na primeira parte do livro, Zeca é incumbido da missão de fazer um roteiro para uma propaganda de enlatados e, entre uma “cafungada” e outra em busca de inspiração, decide ir, na companhia da deslumbrante adolescente Sossô e do amigo Ingo, à uma surubrâmane, uma sessão de sexo grupal “à luz da doutrina Zebuh Bhagadhagadhoga”. Imagine o que pode sair (ou entrar) dessa suruba espiritual nirvânica regada a ácido e pó. Aliás, “carreiras” é o que não falta na vida de Zeca, já que a sua como cineasta está em franca e irrefreável decadência, além de botecos underground, frequentado por prostitutas, travestis, cafetões e consumidores vorazes de drogas.
“- Não é legal ficar comendo mulher casada”.
“- Por que não? Elas têm buceta igual às solteiras. Só que usam bem menos”.
A vida de Zeca se complica de vez quando ele se vê envolvido, injustamente, na morte do seu traficante-fornecedor. O que já era um desbunde geral vira uma epopéia pornográfica, uma pornopopéia. Na segunda parte do livro, Zeca está escondido em Porangatuba, uma praia paradisíaca no litoral do Rio de Janeiro, onde ele não perderá a oportunidade de se meter com mulheres e em confusões.   Destaque para os neologismos, para os trocadilhos e para as frases geniais construídas por Reinaldo, como na ocasião em que Zeca está se afogando em Porangatuba: O vômito está boiando à minha volta durante um bom tempo. Se eu morresse afogado ali iria engolir parte do meu próprio vômito, num processo de autoreciclagem digno de algum prêmio ambientalista internacional. E completa: É doce morrer no mar o caralho. É salgado pra cacete. Para quem procura um romance contemporâneo de qualidade é uma boa pedida. E valeu a releitura!

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